CEC chega aos trinta anos com a sua retirada da LIC
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Outubro marcou uma efeméride cultural despercebida: o Conselho Estadual de Cultura (CEC), democrático, completou 30 anos. Em 20 de outubro de 1993, foram nomeados pelo governador Alceu Collares os primeiros 12 conselheiros eleitos, finalmente, em cumprimento ao Art. 225 da Constituição Estadual (3 out. 1989). Eu tive a honra de estar entre eles, ao lado de expoentes como Elvo Clemente, Donaldo Schüler, Paulo Xavier, Günter Weimer, Sérgio Silva, Adriane Mottola, Eloy Loss, Roque Jacoby, Dilan Camargo e Júlio Posenato. CEC completado com seis intelectuais e artistas, indicados pelo governo.
Antes, havia existido um CEC criado por decreto, em 1968, de atividade inconsistente, depois inativo e, finalmente, extinto em 1987. No mesmo ano, Pedro Simon criou o célebre CODEC, com 18 conselheiros mais o presidente (o próprio governador), vice-governador e secretários executivo e adjunto, com as mesmas funções consultivas anteriores e mais a de órgão executor da política cultural, esta, ao encargo do secretário executivo, Jorge Appel. Entre 1991 e 1993, houve um “CEC Provisório”. Todos eles, sempre integrados por indicados do governo.
Por sua natureza e composição únicas, o CEC teve protagonismo entre os conselhos estaduais de cultura. Em 1999, sob minha proposição e organização, o CEC fez história, na presidência de Roque Jacoby, ao realizar o 1<SC120,176> Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura, evento com continuidade. Àquela altura, porém, o CEC já se encontrava sobrecarregado com a Lei de Incentivo à Cultura (LIC, 19 out. 1996), a qual passou a funcionar em 1997 e cujo primeiro parecer eu exarei, para a I Bienal do Mercosul. Este novo encargo, em razão de pleito do próprio CEC e entidades. Em 1994, candidato, Antônio Britto, tinha na efetivação da LIC a sua principal proposta cultural. Eleito governador, cumpriu. Seu PL, previa uma comissão a decidir os projetos contemplados. Nos debates legislativos, o Secretário da Cultura, Jorge Appel, concordou com as emendas, e, com o apoio do governo, a LIC foi aprovada com o CEC na análise e definição dos projetos.
Durante o início da LIC, este fato colaborou para a sua institucionalização. Porém, transformou o CEC, paulatinamente, em uma comissão de pareceristas. Antes, por pouco tempo, o CEC, majoritariamente eleito, havia emitido pareceres sem ser para a LIC. Dessa época, resta um volume pelo IEL, em 1994, “Pareceres II”, que registra pareceres previstos na Constituição. É claro, uma lei ordinária pode criar mais atribuições ao CEC, mas isto não pode resultar em um conselho como uma repartição pública de sessões diárias, ou seja, sendo necessário um “emprego de conselheiro”. O órgão deve ser um colegiado capaz de dar conta ao que a Constituição lhe encarga, atribuições, por si só, da maior responsabilidade. É preciso que o CEC possa recuperar o potencial de ser representado por conselheiros atuantes na maior parte do tempo em relevantes atividades intelectuais e artísticas. No que se desviou o CEC, impediu dele ter conselheiros como os exemplificados acima, eis que incompatível a atuação cultural com a função profissional, diária, técnica, ininterrupta, de ser parecerista LIC.
Em razão das polêmicas de 2023, as decisões da LIC pelo CEC chegaram ao extremo de avocar para si, na prática, a execução de uma “política cultural” (por meio de pareceres e notas), em concorrência e disputa às atribuições do executivo eleito pelos rio-grandenses. Houve, assim, a gota d’água de uma situação há anos sob panos quentes: os inconstantes critérios do CEC em frequentemente deixar de lado projetos de importância e viabilidade. Repetiram-se, mas com consequências graves, os infindáveis, intermináveis e massacrantes pontos de vista e discussões, das inúmeras sessões para criação de regras e mais regras, parâmetros e mais parâmetros, para a LIC. Isso aumentou mais ainda a aflição dos produtores culturais, os quais, quando se adaptaram e montaram seus projetos ao agrado das discussões, frequentemente viram os critérios mudarem.
O CEC, com tamanha responsabilidade, não poderia ter sido um órgão colegiado com consequências práticas instáveis, ao exararem, quase ao mesmo tempo, pareceres sobre o mesmo tipo de projeto completamente diversos, levando ao desespero profissionais e comunidades.
Essa situação, fez o governo propor um Projeto de Lei para aprimorar o Pró-Cultura (LIC e FAC), tendo como maior consequência a retirada do CEC das decisões dos projetos da LIC. Felizmente, com ampla maioria, o Legislativo aprovou as mudanças, nessa última terça-feira, dia 14. O CEC, agora, deve unicamente se dedicar às suas atribuições constitucionais: estabelecer diretrizes e prioridades culturais, fiscalizar a execução dos projetos e aplicação de recursos e emitir pareceres sobre questões técnico-culturais. Obviamente, no que diz respeito à esfera estadual. Tem ainda, o CEC, seu funcionamento regulado pela Lei n.º 15.774/2021. O conselho não é e não deve ser uma espécie de “parlamento da cultura”, ou mesmo uma substituição remunerada (emprego) pelos cofres públicos da militância cultural, atribuições estas que devem ser levadas pelas entidades dos diversos setores e seus pleitos, corporativos e/ou políticos.
Em 1990, eu tive a felicidade de trazer ao RS a ideia de uma LIC, a partir da experiência do projeto de LIC do RJ, pela então deputada estadual Jandira Feghali. Propus a LIC como uma das plataformas da candidata à deputada estadual, Jussara Cony, proposta com enorme repercussão pública e que um dia merecerá ter a sua história contada. No início de 1991, não só a deputada Cony apresentou um Projeto de Lei para a LIC, como, também, imaginem, outros deputados, de ideologias bem distintas. Unificados os projetos, em 1992 tivemos promulgada pela Assembleia Legislativa a primeira LIC; porém, não regulamentada pelo governador Collares. Lei esta retomada por Antônio Britto, como mencionado.
Se cabem sugestões, em razão de eu ter sido membro eleito do CEC por 1/3 do tempo de existência do órgão, e pela experiência relatada, é que os futuros pareceristas tenham experiência com a LIC e FAC, como proponentes e, principalmente, na realização de projetos. Não é possível mais a avaliação e a decisão dos contemplados por quem jamais participou de projetos desta ordem, que são muito específicos. Que a gestão pública possa entender que há projetos que não são “de um município”, “de uma região”, mas do estado inteiro. Eles não podem entrar em estatísticas “geográficas” regionais e suas “cotas”. Um livro sobre o RS é para todo o estado, a Feira do Livro de Porto Alegre é internacional, não “de Porto Alegre”, idem a Bienal do Mercosul ou o POA em Cena. O Festival de Cinema de Gramado, também, obviamente, não “é de Gramado”. O Laçador é a estátua-símbolo do RS, não “da capital”; assim, inúmeros exemplos. Projetos prejudicados pelo endereço do proponente, é um absurdo inaceitável.
Uma vez enquadrados os projetos na legislação, eles devem competir entre si, ao nível da captação, entre proponentes e patrocinadores. Que a aprovação do PL n.º 469 traga estabilidade às decisões da LIC; também, nos Editais, priorize-se a excelência, acima de tudo. Que os milhares de produtores e profissionais tenham mais tranquilidade com as políticas culturais.
* Doutor em História da Arte, membro do CEC-RS entre 1993-2001 e 2020-2022.