Fabulação e reflexão sobre o tempo

Fabulação e reflexão sobre o tempo

Leticia Pasuch

Espetáculo "Muximba" foi apresentado no Saguão do Centro Municipal de Cultura, Arte e Lazer Lupicínio Rodrigues

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Uma experiência que visa desacelerar e dar espaço à contemplação das coisas vivas e não vivas, humanas e não humanas, foi o que propôs a peça infantil “Muximba – o coração sempre permanece criança”, da Companhia Giradança, que ocorreu entre 8 e 9 de setembro na programação do 30º POA em Cena. Realizado com e para pessoas neurodivergentes e atípicas, a peça explorou, através da fabulação no universo lúdico, a valorização da vida terrestre. Figuras cobertas até a cabeça – de planta, de plástico, de festão natalino, entre outros materiais, desconstruir a ideia de identidade e de indivíduo – dançavam devagar e interagiam com a plateia presente na Sala Álvaro Moreyra. E, apesar de infantil, a apresentação foi assistida por pessoas de todas as faixas etárias, curiosas e dispostas a interagir com a performance feita pelo grupo.

Alexandre Américo, diretor artístico, conta que a fundamentação inicial era criar uma peça para a primeira infância, mas que, de alguma maneira, pudesse pensar naquelas crianças autistas e nos seus espectros. Segundo ele, “como uma dança podia chegar ou pode chegar nas crianças dentro do espectro do autismo ou dos seus vários espectros, entendendo a diversidade como centro a partir de uma noção de criação que levasse em conta aspectos multissensoriais”. Visando não um espetáculo, mas um olhar estético dessas figuras, a peça foi planejada a partir da neurodiversidade, dando atenção às pessoas com autismo e outras condições neurodivergentes ou neuroatípicas, mas o objetivo era que a deficiência não fosse o principal tema. A apresentação contou com recursos de acessibilidade, com a presença de uma intérprete de libras e audiodescrição. 

O público conseguiu explorar os diversos sentidos com a apresentação, que foi multissensorial. Ao fechar os olhos, era possível escutar cada figura presente no espaço. Era possível sentir, também, quando elas tocavam todos os presentes na plateia. 

O grupo estreou a peça no Rio Grande do Norte, estado natal, em agosto, e também circulou por Campo Grande e Rio de Janeiro. “É uma peça muito relacional que não se faz sozinha. Ela não faz nenhum sentido sendo feita sem pessoas, sem audiência”, reflete Alexandre. A companhia foi criada em 2005, em Natal (RN), e já apresentou por mais de 15 estados brasileiros e cinco países.

O figurino foi organizado juntamente no atelier de João Bonfim, artista audiovisual que trabalha com reciclados. O objetivo era apostar em um movimento de reutilização de materiais, norteado por uma “ecosofia”, cita Alexandre, ou filosofia da terra, a partir da noção da reciclagem e da expropriação das coisas da terra. Foram reutilizados materiais guardados há mais de 10 anos, e que traziam também manifestações culturais de ancestralidade e imaginário popular.

Para o diretor, há uma certa performatividade do figurino através das materialidades avolumadas e amarradas do figurino. “Não nos interessa esse senso de glória e de beleza. A nossa noção é inventar uma outra beleza, e que a nossa beleza está muito mais alinhada a cuidar da terra do que ter um equilíbrio, uma harmonia”. Não à toa que Muximba, palavra africana, tem a ver com a noção de amor, coração e sentimento.

*Supervisão de Luiz Gonzaga Lopes


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895