Luiz Coronel: Os 85 anos de um verdadeiro homem de letras
Poeta, cronista, letrista e publicitário Luiz Coronel completa 50 anos de escrita e 85 de idade neste dia 16 de julho
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No dia 16 de julho de 1938, na cidade de Bagé, o mágico mundo da escrita recebia uma bela contribuição lírica com o nascimento de Luiz de Martino Coronel. O filho de dona Melinha, que morreu quando ele tinha 2 anos, e que foi criado pelo seu tio Djalma. São tantas as histórias e as matérias-primas que abasteceram a arte da escrita de Coronel e o seu eu lírico que não caberiam neste perfil de jornal. Mas algumas insistem em vir à tona nesta véspera de ele completar 85 anos de idade e 50 de escrita, com 85 livros publicados, dos quais 30 são de poesia.
“A memória mais antiga que guardo é da minha mãe, Dona Melinha, tomando sol com seus filhos, na casa paroquial, acolhidas pelo vigário Monsenhor Costábile Hipólito. Depois, a memória me traz a ‘diáspora. Os irmãos são repartidos, adotados por tios. Mas por essas trilhas misteriosas do sangue, em que pese vivermos separados, seguimos, tempo afora, absolutamente unidos”, conta Coronel em um dos vários papos que tivemos ao longo das últimas semanas. Ele segue tentando nos mostrar o mapa do tesouro da sua formação. “Lembro de duas adoções preliminares, com 3 e 4 anos, hóspede oficial de abonadas casas, para logo ganhar rumos definitivos. Quando cheguei à casa do tio Djalma Coronel, anjo protetor de todos os irmãos e de tantos mais, lembro ter indagado: ‘E se o Dr. Getúlio disser que ‘pronti e pronti e pronti’, que tenho de ir embora?” O Tio respondeu que quem mandava na casa era ele e que eu seria o ‘gurizinho da casa’. Corri rodopiando pelos corredores, contente da vida. Eu descobrira o poder milagroso da bondade”, lembra.
EXISTENCIALISMO
Quando desbravamos os recuerdos de Coronel, descobrimos que esse período existencialista deixou impressões profundas naquele que seria o magistrado, poeta, publicitário, letrista, cronista, prosador Luiz Coronel. “Quando apitavam a campainha, eu me escondia atrás do guarda-roupas. Até hoje tenho ‘síndrome de ninho’, desejo de regressar a minha casa”, conta um sempre impávido e dinâmico autor. As histórias da tenra idade de Coronel guardam outro fato pitoresco, a participação dele, aos 10 anos, em programa de auditório da rádio GYG4, em Bagé. “Numa das atrações, eu dancei um tango com a capa de um violoncelo. Ganhei um maço de cigarros Hudson e uma foto do Zorro”, conta, faceiro. Outra vez tentou se mostrar cantor, entoando “Cabocla” no programa. “O maestro cochichou aos músicos: ‘Vamos desse jeito que o guri não tem tom!” Bloqueou. Por vinte anos eu não cantarolava mais nada’. Bem mais tarde, pondo letras em músicas de Jerônimo Jardim, libertei o passarinho da gaiola”, exulta. E por aí foi o Coronel nas artes, incentivado pelas irmãs Maria Amélia e Vanda. “Desde pequeno, eu acompanhava Maria Amélia ao Instituto Municipal de Belas Artes de Bagé, onde e quando assistia a recitais com Fausto Cunha e outros atores, declamando Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e outros poetas”, destaca.
A memória é reconstruída com muita facilidade ao lembrar do primeiro poema. “Meu primeiro poema, como não poderia deixar de acontecer, foi escrito quando eu tinha 7 anos, dedicado, é claro, à beleza da professora. Aos 14, escrevi um soneto camoneano, pois lera, em minha casa, sonetos de Camões em espanhol. Lembro bem dele: Eu não te amaria, já bastam/ os desencontros repetidos./ Se todas as razões te afastam,/ suplicam todos os sentidos”, dá asas às lembranças.
BLOQUEIO
O bloqueio da música com 10 anos de idade foi desmontado quando ele começou a compor junto com os seus amigos músicos. “Os elogios de que eu rompi com a narrativa sequencial na música regional durante a Califórnia da Canção Nativa, coisa que já havia ocorrido com ‘Homens de Preto’, do Paulo Ruschel, não foram por acaso. Quando toca ‘Gaudêncio Sete Luas’ na Califórnia foi uma revolução, tivemos vaias e um dos presidentes da Califórnia à época disse que se a música vencesse, ele se demitiria”, aponta. Segundo o letrista, esta quebra de narrativa na música regional, não foi um movimento triunfante. “Começaram a aparecer Mário Barbará, José Fogaça, Kleiton & Kledir e foi dado início a uma verdadeira Semana de Arte Moderna com a Califórnia, em Uruguaiana. Foi uma verdadeira ruptura de linguagem.”
Publicando o seu primeiro livro de poesia “Mundaréu”, em 1973, pela Garatuja, Luiz Coronel tem a total consciência de que o escritor precisa se devotar à arte. “Eu viajo numa estrada com cinco pistas. O letrista de música regional, o escritor de livros infantis, o contador de causos (são 200 causos em 5 volumes), o palestrante e prosador que escreve ‘O Cronista Inesperado’ que me levou a Salamanca, Espanha (com jovens declamando os poemas)”, define, lembrando ainda: “Eu dizia a um amigo que existem duas concepções de arte: arte como instrumento de confraternização e como consagração de vida. Eu posso dizer que sou um artista, que se olha em retrospectiva e diz que colocou a arte como instrumento essencial e não acessório, como complementação. Na minha vida desde os 7 anos, do primeiro poema, existe uma consagração à arte. Se a propaganda procurou me seduzir, eu procurei ser poeta na propaganda, se a música procurou me seduzir, eu procurei ser poeta na música popular. A arte não pode abdicar do seu dever de encantamento. Que a arte seja bela na sua função de acordar os homens”.
LEGADO
Para deixar legado e cativar os que vêm depois, dos 85 livros publicados a literatura infantil veio forte na carreira de Coronel. “Já na década de 70, eu escrevia estorinhas infantis para o Correio do Povo. Mais tarde, essas estorinhas e novas criações receberam revisão literária e belas ilustrações, formando hoje um estojo com 10 livros, somando 25 mil exemplares distribuídos às escolas do RS. A cada Feira do Livro de Porto Alegre (da qual foi patrono em 2012), distribuo centenas de livros infantis às crianças de escolas de áreas carentes. Esses livrinhos receberam prêmios no México (Revista Plural) e no Brasil (Açorianos de Literatura).”
O aniversário de 85 anos do escritor tem mexido com a sua cidade natal. “Bagé tem sido ao longo do tempo tão carinhosa comigo. Me recebe como o seu grande poeta, mesmo que tenhamos Ernesto Wayne e Camilo Rocha. Bagé é uma cidade que tem um veio artístico assombroso”, comenta. Há pouco mais de um mês, um concerto com 16 pianistas deu início às homenagens a Luiz Coronel, que seguem a partir de quinta, 20 de julho, às 11h, quando será inaugurada a exposição do acervo permanente da obra do escritor no Espaço Cultural "Luiz Coronel", no Arquivo Público Municipal. Um pouco mais tarde, às 19h, ocorre Sessão Solene em homenagem ao escritor Luiz Coronel, na Câmara de Vereadores de Bagé com participação do músico Chico Teixeira e da atriz Maíra Zago. As homenagens seguem na sexta e sábado, 21 e 22.
PROPAGANDA
“Chega-se a uma idade como eu com 85 anos e eu tenho muita honra pelas considerações que são feitas a mim. Sei que elogio em boca própria é vitupério, mas fico acariciado, quando dizem que tive postura inovadora na Propaganda, que “Zaffarizei” a publicidade, incutindo amor nos comerciais do Zaffari, nos natalinos e institucionais”, ressalta Coronel.
E a carreira do poeta não para. A gaveta de guardados se mexe incessantemente e a produção de Coronel é movida a dínamo. “Dentro destes 85 livros concebidos na carreira, o próximo tem 85 textos. Usei cabalisticamente este número para ‘Homo Zapiens’ que publico dia 12 de dezembro, no Theatro São Pedro. São 85 poemas e mais de 500 aforismo. À esquerda eu poetizo e à direita eu converso. Se o poema fala sobre um tema ao lado eu faço análise, uma síntese em prosa. É como se os poemas tivessem uma projeção de si mesmo em texto. Grande parte dos textos são feitos pelas mensagens de WhatsApp que passo aos amigos e grupo de amigos quase que diariamente. Por isso o título, pois foram repassados por Zap”.
Outro grande projeto de Coronel é a Coleção Dicionários que chega a sua 19<SC120,170> edição no fim de 2023, com o lançamento da obra com mil verbetes de Simões Lopes Neto e Jayme Caetano Braum. Os recitais-show e os videopoemas são outro trunfo de Coronel para popularizar a poesia. “Um livro de poesia chega a 3 mil exemplares vendidos, enquanto os videopoemas chegam a ter 30 mil visualizações”, diz.
HUMOR
“Eu penso que o humor morreu no mundo com o politicamente correto. O RS tem um arquivo de humor desconhecido que é maravilhoso. Poderia devolver o humor ao Brasil e ao mundo”, declara Coronel que escreveu cinco volumes da Comédia Gaúcha, o último deles “O dia em que o Major Alarico virou estátua”. “A minha memória para causos, poemas e citações é algo de família. Tinha um familiar meu que decorava a placa de carro e sabia quem era o dono. Tia Mimosa sabia os aniversários dos familiares. Da minha família, me marcou muito o lirismo do Tio Djalma, que dava água gelada para as galinha, que tinha o happy hour das pombas”. Para finalizar, ele diz que a acomodação ainda não bateu a sua porta. “São 85 trabalhos literários e muitos projetos a serem concretizados. Sinto os passos surdos do tempo. Numa dessas curvas haverá uma bandeira xadrez, mas sinto que há várias voltas a dar”, finaliza.