A luta de Nádia Murad

A luta de Nádia Murad

A ativista iraquiana vencedora do Nobel da Paz em 2018 contou sua trajetória no Fronteiras do Pensamento

Flávia Simões *

Nádia Murad no Fronteiras do Pensamento

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Foi para uma plateia lotada, na quarta, que Nádia Murad, vencedora do Nobel da Paz em 2018, contou sua história de superação. Ela tinha 21 anos quando o Estado Islâmico invadiu sua comunidade em Sinjar, próximo à divisa entre Iraque e Síria, matou familiares, amigos e vizinhos e transformou ela e outras mulheres em escravas sexuais. Pertencente aos yazidi, grupo étnico-religioso minoritário considerado “não humano” por muçulmanos extremistas, Nádia luta para conscientizar sobre a situação do seu povo, que sofre as mazelas da exclusão, do genocídio e da guerra, e utiliza sua histórica como uma bandeira para lutar contra a violência sexual como arma de batalha. 

É a primeira vez que a vencedora do Nobel conta sua história em solo brasileiro, Nadia foi a segunda congressista do Fronteiras do Pensamento. No Teatro Unisinos, a iraquiana prendeu a plateia do começo ao fim ao narrar os acontecimentos que levaram ao genocídio do povo yazidi, hoje reconhecido pelas Nações Unidas, e o seu cárcere. “Sempre há sinais antes de um genocídio e o discurso de ódio é um deles”, alertou, ao relatar que antes dos ataques, integrantes do EI divulgavam vídeos onde avisavam o que fariam aos que consideravam inferiores ou infiéis, em uma clara mensagem aos yazidis. Apesar de terem pedido ajuda aos órgãos de segurança, mais de uma vez, o governo não adotou medidas de proteção. “Somos excluídos do sistema”.

Quando atacaram sua vila, muitos homens que optaram por não se converter, incluindo seus seis irmãos, foram mortos ali mesmo. Enquanto isso, o destino de Nadia e de outras jovens foi outro: sem a opção de se converter, foram feitas prisioneiras e escravas sexuais. Após três meses de violência e abuso constante, Nadia conseguiu fugir. Primeiro, para um campo de refugiados e, depois, para a Alemanha.

Desde então, Nadia começou a contar sua história e lutar por direitos humanos. “Ainda é difícil de falar da minha experiência, mas é só falando que conseguirei a ajuda que a minha comunidade precisa.” Nadia fez uma provocação: que contassem a história do povo yazidi às pessoas. “O que está acontecendo em outros países nunca é tão longe de você”, enfatizou, ao reforçar que na guerra, quando direitos humanos são tomados e violados, isso afeta a todos, mesmo que pareça distante. “Solidariedade é o que as pessoas que estão no poder temem”, disse, ao engajar o público para que busquem ajuda e ajam em prol de uma causa. 

Em 2017, Nádia lançou o livro “Que Eu Seja a Última: Minha História de Cárcere e Luta Contra o Estado Islâmico”, onde relata sua trajetória. Pelo trabalho junto a refugiados e vítimas, em 2018, dividiu o Nobel da Paz com o médico congolês Denis Mukwege. Ela mantém ainda a Nadia’s Initiative, dedicada a reconstruir comunidades em crises e defender sobreviventes de violência sexual. Nadia comentou sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. “Nós sabemos o que acontece com os indígenas. Gostaria de falar para as mulheres indígenas que elas não estão sozinhas e que elas não desistam de documentar (o que estão passando)”, frisou, ao fomentar a luta por justiça e afirmar que provas (documentais) são as melhores armas. Ela se despediu afirmando que lembrará dos brasileiros pelo café incrível e pela sua força.

* Supervisão Luiz Gonzaga Lopes. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895