O "Fantasma da Ópera" se despede de Nova Iorque

O "Fantasma da Ópera" se despede de Nova Iorque

Espetáculo marcou a história dos musicais

Adriana Androvandi

A última sessão de "O Fantasma de Ópera" na Broadway reuniu integrantes antigos e atuais do musical

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A última apresentação de “O Fantasma da Ópera” em Nova Iorque ocorreu no domingo passado, 16 de abril. O espetáculo marcou a história dos musicais. Na época de sua estreia nos EUA, em 1988, a obra ganhou sete estatuetas Tony, incluindo Melhor Musical. Foram mais de 70 prêmios ao longo da carreira. 

Muitos brasileiros que visitaram Manhattan nos últimos 35 anos assistiram à montagem, um dos atrativos de turismo cultural assim como as demais opções nos 41 teatros próximos à Broadway. Mas a pandemia mudou a situação. Mesmo quando o número de contágios por Covid-19 baixou, o retorno dos turistas foi lento e insuficiente. Manter o orçamento do espetáculo se tornou inviável. Conforme circulou na imprensa nova-iorquina, o show estava perdendo um milhão por mês, com gastos não sendo compensados pelas vendas de ingressos. O produtor Cameron Mackintosh admitiu: “O mundo mudou”. 

O criador do musical, o britânico Andrew Lloyd Webber (que adaptou o livro do francês Gaston Leroux), foi homenageado no palco ao final da última sessão. Aos 75 anos, ele é consagrado também como autor de outros musicais, como “Cats” e “Evita”. Além disso, a organização convidou todos os artistas que já tinham feito parte do elenco em diferentes épocas, e muitos foram ao teatro. A soprano inglesa Sarah Brightman, célebre por sua atuação no show, esteve no evento. E Emilie Kouatchou fez história: foi a primeira atriz negra norte-americana a viver a protagonista, atuando nos últimos meses. Na parede do fundo do palco, foram projetadas fotos de antigos membros da equipe, incluindo seu diretor, Hal Prince, bem como todos os atores que interpretaram os dois papéis principais (o Fantasma e Christine). 

Apesar da tristeza e nostalgia de fãs e profissionais, a última sessão no Majestic Theatre teve momentos efusivos. A plateia aplaudiu várias vezes durante a encenação. Confetes metálicos caíram do alto no final.

Vale destacar que, apesar das temporadas em Nova Iorque terminarem, o espetáculo segue em cartaz em Londres. Foi lá que estreou em 1986, ganhando a montagem nos EUA dois anos depois. A história do triângulo amoroso também teve várias adaptações para o cinema, sendo a de 2004 a mais recente. 

ROMANCE

Entre os membros que integram a história da peça, compareceu à última sessão o cantor Jeff Keller, que trabalhou por 17 anos no musical. Ele atuou como o Fantasma e posteriormente como o personagem Monsieur André, o dono do teatro assombrado. Jeff estava acompanhado de sua esposa, a bailarina brasileira Andréia Romana Keller, que morou em Porto Alegre até se mudar para os EUA.
Para o casal, foi uma noite particularmente especial, porque eles se conheceram ao final de uma sessão em que ele atuou. “Mágica” foi como Andréia definiu a última noite do espetáculo, em entrevista para o Correio do Povo. “Foi como uma grande reunião de amigos se encontrando e remanescendo os 35 anos”, contou. “A cada passo que Jeff dava era uma avalanche de abraços, recordando as histórias de camarins”, completou.

Jeff interpretou o Fantasma 1134 vezes. O casal contou que cada ator que encarnava o protagonista tinha um molde de máscara feito especialmente para o seu rosto. São feitas de duas a três por artista. “Jeff ficou com uma e as outras, com o teatro”, contaram. Andreia confessa que o mais comovente para ela foi que, naquele teatro, a vida dela tomou um rumo completamente diferente. “Foi onde o meu eterno conto de fadas começou”.

Desta forma, além de assistir à derradeira sessão, o casal fez uma retrospectiva de como começou a sua história. “Aliás foi um superpresente de 25 anos de casamento, que completamos no próximo outubro”, revelou Andréia. Pós-pandemia, o casal vendeu a escola em que ensinavam canto, dança e teatro. Eles se mudaram para uma pequena chácara em uma localidade chamada New Berlin, ao Norte de Nova Iorque. O casal tem hoje uma vida mais bucólica e segue ensinando técnicas artísticas em um centro cultural, mas de forma voluntária. 

Jeff e Andreia Keller na apresentação derradeira. Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação / CP

 

EXPERIÊNCIA

O casamento de Andréia e Jeff Keller foi badalado em Porto Alegre em 1998. Um ano depois, fiz contato com Andreia para uma entrevista. Quando o câmbio era bem mais favorável para viagens ao exterior, fui para Nova Iorque e nos encontramos lá. Assisti ao musical “O Fantasma da Ópera” e conversamos depois ao lado de Jeff. A entrevista foi publicada no Correio do Povo em 11 de julho de 1999. Pude visitar os bastidores do teatro, à convite de Jeff e Andreia, casal que mantém uma relação afetiva com o Brasil. Ele se apresentou em várias cidades do país. Esteve na Feira do Livro de Porto Alegre. O casal também participou do Festival de Dança de Joinville. 

Além parte técnica dramática e musical, consagradas por si, uma das questões mais impressionantes que vi foi a engenharia necessária para a montagem do espetáculo. O custo divulgado na época era de 8 milhões de dólares. O teatro foi preparado com um sistema de engrenagens para a mudança de cenários. Um exemplo é quando o Fantasma consegue atrair sua amada para o porão onde vive na ópera de Paris. Enquanto “descem” as escadas, candelabros com velas sobem para a cena por pequenas aberturas no palco. Em meio ao efeito do gelo seco, o fantasma rema e navega em uma gôndola com Christine e canta para conquistá-la. 

Um dos momentos clássicos no espetáculo é quando o lustre principal do teatro é movido por um sistema de cabos e “cai” sobre o palco. Fiquei sabendo que o lustre, apesar de parecer de cristal, era de plástico. Ainda assim, pesava uma tonelada. 

Mesmo que as cortinas tenham se fechado em Nova Iorque, um verso da canção homônima ao musical prenuncia o que seus espectadores vão sentir: “The Phantom of the Opera is there, inside your mind" (O fantasma da ópera está lá, dentro da sua mente). Quem viu, não esquece. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895