Em nome do Pai
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Não há como não se envolver ou não ter algum tipo de identificação ou espelhamento ao assistirmos O Espantalho, o primeiro monólogo de Werner Schünemann com direção de Bob Bahlis. Assisti ao espetáculo na estreia dia 11 de agosto no Theatro São Pedro. Três são os livros que referenciaram o trabalho de Werner na construção do texto em conjunto com Bahlis. São eles “Carta ao Pai” (Franz Kafka); “Minha Luta 1 – A Morte do Pai” (Karl Ove Knausgård); e “A Terceira Margem do Rio” (Guimarães Rosa). Me valho do primeiro deles para tentar construir uma pequena crítica à montagem, o de Kafka: “Querido Pai. Você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Como de costume, não soube responder, em parte justamente por causa do medo que tenho de você, em parte porque na motivação desse medo intervêm tantos pormenores, que mal poderia reuni-los numa fala. E se aqui tento responder por escrito, será sem dúvida de um modo muito incompleto, porque, também ao escrever, o medo e suas consequências me inibem diante de você e porque a magnitude do assunto ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento”.
O desenvolver do espetáculo segue para tentar desconstruir aquela figura patriarcal opressiva que representava o pai do personagem do espetáculo, aquele homem que insultava o filho, que não aceitava nenhuma de suas escolhas. Schünemann resgata as suas memórias na interpretação de um ator bem-sucedido, que poderia ter sido um arquiteto, caso seguisse a vontade do pai, que vai ao sítio do pai espalhar suas cinzas. Ao chegar na horta cultivada pelo seu progenitor, o ator se depara com um espantalho e caixas de madeiras com objetos pessoais, que revelam fotos, objetos, vestígios da vida que viver em família e das suas relações parentais.
A jornada épica de Werner e do ator retratado na peça é para que o choque geracional, a busca de uma sociedade igualitária, na qual o papel masculino se amaine, deixando o patriarcado, a opressão e o machismo para trás, não sem antes muita conversa monológica e uma exacerbação da voz para dizer ao pai morto e suas cinzas, que ele não queria repetir os padrões da época e queria pela arte contrapor toda uma série de injustiças e ações nefastas do pai. A finitude humana e a proximidade deste encontro com a morte fazem com que o texto adornado pela cenografia gigante e intensa de Tânia Moreira e a trilha precisa de Hique Gomez ganhe contornos emocionais quase épicos e esta terceira margem do rio chegue para aplacar um pouco as mágoas com o pai, mas o que dito não vire interdito e sim certezas de que o ator escolheu o caminho certo ao se descolar do pai e exaltar os amores, opções, saídas para o caos herdado do chefe da família. A peça marca o recomeço, a renovação, a sensação de que vale a pena lutar pelo que se acredita.