Fim da ‘guerra das linguiças’

Fim da ‘guerra das linguiças’

Ao sair da UE o Reino Unido deixou de ter livre circulação de mercadorias com os países do bloco

Jurandir Soares

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A definição “guerra das linguiças” parece jocosa, mas este conflito que estava acontecendo nos dias atuais tem por trás um dos mais terríveis conflitos na Europa, mais especificamente, Reino Unido e Irlanda, com desenvolvimento da década de 1960 à de 1990, e que ameaça voltar. Falo da confrontação entre católicos e protestantes, que resultou na formação do IRA, Exército Republicano Irlandês, responsável por uma série de atentados, com mortes e destruição, durante aquele período. A ligação que se estabelece entre estes dois assuntos está no Brexit, ou seja, a saída do Reino Unido da União Europeia.

Vamos aos fatos. Ao sair da União Europeia o Reino Unido deixou de ter livre circulação de pessoas e mercadorias com os países do bloco. Em decorrência, a fronteira entre a república da Irlanda, que é parte da UE, e a Irlanda do Norte, que é parte do Reino Unido, foi restabelecida. E, como tal, os produtos para cruzar de um lado para o outro passaram a enfrentar os processos alfandegários e suas respectivas taxações. Assim, as linguiças, almôndegas, croquetes de frango e outros alimentos que os moradores da Irlanda do Norte vendem para a Irlanda passavam a ser taxados, o que provocou a ira da população daquela possessão britânica, ameaçando romper com o famoso “Acordo da Sexta-feira Santa”, o qual pôs fim aos diversos anos de conflito na região. Voltou a lembrança dos anos em que católicos e protestantes se matavam mutuamente.

Pois essa confrontação foi decorrência do período colonial britânico. A ilha da Irlanda, formada por 32 condados, e composta por uma população majoritariamente católica, era uma colônia britânica que, como as demais, iniciou o movimento por sua independência. Essa independência foi declarada em 1919, mas só depois de dois anos de guerra que foi reconhecida por Londres, mesmo assim, mediante a concessão de 26 dos 32 condados. Os outros seis seguiram britânicos e receberam o nome Irlanda do Norte, para onde foi fomentada a ida de protestantes, adeptos do Reino Unido. Desde então se estabeleceram as confrontações na Irlanda do Norte entre os católicos, que queriam a unificação da ilha, e os protestantes, que queriam a manutenção do vínculo com o Reino Unido. As confrontações passaram a se suceder entre as duas partes, sendo que, em 1969, os católicos constituíram o IRA, braço armado do partido Sinn Fein (“Nós Próprios”, em irlandês). Essa organização foi responsável por múltiplos atentados, primeiro na Irlanda do Norte, depois na Irlanda e no próprio território britânico. Em 1974, a então primeira-ministra, Margaret Thatcher, escapou por pouco de uma explosão no prédio em que ela se encontrava e que matou cinco pessoas.

Finalmente, em 2005, o IRA concordou em depor as armas e foi assinado o “Acordo da Sexta-Feira Santa”, pondo fim a quase 40 anos de conflitos. As relações na região melhoraram ainda mais com o Tratado de Maastricht, pelo qual a União Europeia estabeleceu a livre circulação de pessoas e produtos entre seus Estados-membros. E aí chegamos à “guerra das linguiças” e o perigo decorrente do restabelecimento da fronteira entre as duas Irlandas. A solução apresentada por Bruxelas foi considerar a Irlanda do Norte como parte da UE. Ou seja, não há barreira ali. Porém qualquer produto que seguir por mar para o restante do Reino Unido obedece às normas tarifárias. Mas a linguiça vai poder passar de um lado para o outro sem problemas. 

 


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