Três pontos sobre o Afeganistão

Três pontos sobre o Afeganistão

Situação no país é de temor e dúvidas sobre a postura do governo

Jurandir Soares

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O primeiro, as críticas que são feitas ao presidente Joe Biden pela retirada, deixando a população desamparada. De fato, a retirada se deu de maneira abrupta, porque os serviços de inteligência dos EUA não dimensionaram a rapidez com que o Talibã voltou ao poder. Mas esta rapidez vem se somar a razões da decisão de Biden. Afinal, os EUA ficaram 20 anos no Afeganistão. Ajudaram a colocar um governo eleito, porém este se destacou pela corrupção. Tanto que o presidente deposto Ashraf Ghani teria levado na sua fuga para Abu Dhabi malas com 170 milhões de dólares. Os EUA forneceram treinamento e armamentos ao Exército afegão, mas este, sem receber seu soldo, sem receber alimentação adequada, não se interessou em combater o Talibã. Até porque são todos da mesma etnia, e havia o temor dos soldados pelas represálias em caso de volta do antigo regime. Porém aí vem mais um detalhe significativo. Relatório da inspetoria-geral da ocupação apontou que, dentre 350 mil listados como membros das forças armadas afegãs, 200 mil eram soldados fantasmas, cujo soldo era distribuído entre autoridades corruptas, numa “rachadinha” típica brasileira.

Nestes dois anos, segundo dados da Universidade Brown, uma das mais antigas dos Estados Unidos, fundada em 1764, o país gastou no Afeganistão 2,3 trilhões de dólares, e perderam a vida 6 mil soldados americanos. E os clamores internos nos EUA pelo fim da guerra eram grandes. Então, como disse Biden, pela incapacidade de reação das forças afegãs, a solução foi cair fora.

O segundo ponto. Por que o mundo assiste temeroso à volta dos fundamentalistas islâmicos? Porque os EUA, sob George W. Bush, invadiram o Afeganistão logo após os atentados do 11 de setembro de 2001. Afinal, o regime ali estabelecido do Talibã dava guarida a Bin Laden e seus asseclas da Al Qaeda, responsáveis pelos atentados. Nada mais certo, portanto, do que fazer o ataque lá. Porém Bush limitou-se a tirar o Talibã do poder. Não procurou exterminar a organização e muito menos caçar Bin Laden e liquidar com a Al Qaeda. Bin Laden só foi pego em 2010, na administração de Barack Obama.

Bush, simplesmente, deixou a missão inconclusa no Afeganistão e se voltou para o Iraque, que nada tinha a ver com a situação. Usou como desculpa as tais armas de destruição em massa que nunca existiram. Foi para lá atendendo interesses das corporações do petróleo, das armas e da construção. Praticou uma ação criminosa, destruiu o Iraque e abriu caminho lá para o surgimento de uma organização terrorista muito mais nefasta: o Estado Islâmico. E no Afeganistão a Al Qaeda se reestruturou e foi se juntar ao EI no Iraque e na Síria, e o Talibã se reestruturou para retomar o poder. Então, o responsável por esta volta do Talibã se chama George W. Bush.

Terceiro ponto, a situação atual. O porta-voz do Talibã concedeu entrevista a uma mulher, apresentadora da TV Tola, a mais popular do Afeganistão, algo impensável antes, e assegurou que não haverá retaliação para os que deram apoio aos EUA, que os direitos das mulheres serão preservados e que estas poderão estudar, desde o ensino básico, passando pelo médio e indo até a universidade. Que poderão trabalhar. E mais: querem a presença da mulher no governo. Convenhamos, que tudo isto seria muito bom para ser verdade. Pessoas importantes como a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, disseram logo não acreditar nas promessas. A sequência dos acontecimentos mostrou que eles estavam certos. A repressão logo começou contra manifestantes que protestavam pelo fato de o Talibã ter trocado a bandeira tradicional do Afeganistão pela sua bandeira, querendo que ela seja o símbolo do país. Resultado: três mortos nos protestos de Jalalabad e mais outros tantos em Cabul. Uma mulher âncora de TV, não a que entrevistou o porta-voz dos tomadores do poder, foi impedida de exercer as suas atividades. A ONU denuncia que pessoas que trabalharam para as forças dos EUA e da Otan sofrem torturas e execuções. E o grupo declarou que o país passa a se chamar Emirado Islâmico do Afeganistão e não será uma democracia. Ou seja, será uma ditadura como antes.

 


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