Vinte anos de guerra para nada

Vinte anos de guerra para nada

Retirada das tropas americanas do Afeganistão fortalecerá o Talibã

Jurandir Soares

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O 11 de setembro se tornou uma data marcante para os Estados Unidos pelos atentados de 2001. Desde então, o país passou a travar uma infindável guerra no Afeganistão. Pois o 11 de setembro de 2021 deve marcar a retirada total das tropas norte-americanas daquele país. Isto é o que foi anunciado nesta quarta-feira pelo presidente Joe Biden. Vai terminar a mais longa guerra travada pelos EUA.

O objetivo da guerra, deflagrada logo após os ataques de Nova Iorque e Washington, fora caçar Osama Bin Laden, o autor intelectual dos atentados e os seus terroristas da Al Qaeda. Assim como tirar do poder o nefasto regime do Talibã que lhes dava sustentação. Depois de dez anos, Bin Laden foi morto. O Talibã chegou a ser derrotado e um governo apoiado pelos Estados Unidos foi instalado. Este, porém, nunca conseguiu ter autonomia, porque os guerrilheiros depostos se rearticularam, passaram a praticar atentados nas mais diversas partes do país e não deixaram o governo e o povo em paz, apesar da intensa presença de tropas americanas e de outros países da Otan no país.
Em julho do ano passado, os EUA assinaram, em Doha, um acordo com o Talibã prevendo a retirada completa dos soldados americanos do país até maio deste ano. O acordo foi “saudado” pelo Talibã com uma série de atos terroristas nas províncias de Badakshan, Kunduz e Parwan, que mataram ao menos 25 integrantes das forças governamentais. Só para poder realizar o encontro do Catar o governo afegão teve que libertar 4 mil prisioneiros talibãs. Agora, Biden alterou a data da saída americana de maio para setembro.

Diante dessa situação, fica fácil deduzir que, se com a maciça presença de soldados americanos no país o Talibã nunca parou de atuar, com a saída dessas tropas sua ação se tornará muito fácil. Doce ilusão acreditar que irá cumprir o acordo que firmou. O retorno do grupo ao poder será um dos maiores retrocessos. Especialmente para as mulheres. O grupo governava sob os ditames da Sharia, a rígida lei islâmica, e as mulheres não podiam estudar e nem trabalhar. Viviam metidas na burca, e, quando os seus maridos morriam nas constantes guerras e atos terroristas, tinham que esmolar para sustentar os filhos. A tragédia da mulher no Afeganistão é muito bem contada no livro de Nadia Ghulam “O Segredo de meu Turbante”. Ela tinha 11 anos quando a sua casa foi atacada, morrendo o pai e um irmão de 8 anos. Cansada de vagar com a mãe, assumiu a identidade do irmão e passou a se portar como homem para poder trabalhar e ganhar o sustento para ambas. Depois de 10 anos nessa situação, conseguiu fugir para a Espanha e contar a sua história, que é muito tocante.

E o que se observa agora é que a pouca liberdade que as mulheres haviam conquistado no Afeganistão com o afastamento do Talibã está prestes a terminar. Para os EUA, segundo o Departamento de Defesa, até janeiro último haviam morrido naquele país 2.216 de seus soldados e mais de 20 mil resultaram feridos. Mais de 100 mil civis afegãos morreram. Ou seja, depois de tudo isto, o Talibã está prestes a retornar ao poder. Foram 20 anos de guerra em que teve mortes e destruição, mas avanço em termos políticos e de liberdade, nada. 


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