Venezuela-Guiana: Lula não obteve sucesso como mediador, mas agradou Maduro
Lula sabe enaltecer o regime venezuelano sem fazer qualquer observação a respeito dos 7 milhões de cidadãos que deixaram o país
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Se existe uma pessoa com influência sobre o ditador da Venezuela Nicolás Maduro, para evitar que ele faça a anunciada invasão da Guiana, esta pessoa é o presidente Lula. O mesmo que fez de tudo para que os presidentes sul-americanos reunidos por ele em Brasília engolissem a sua história de que a Venezuela é vítima de uma narrativa. Lula não obteve sucesso naquela intenção, mas deixou Maduro profundamente grato a ele.
Aliás, Lula só sabe enaltecer o regime venezuelano sem fazer qualquer observação a respeito dos 7 milhões de cidadãos que deixaram o país, uma boa parte deles tendo vindo aqui para o Brasil. Tampouco Lula aborda a inflação de 341%, ou a pobreza extrema de 34% ou o salário mínimo de 5,3 dólares. Tudo isto passa batido, mas Maduro “é um grande companheiro”. Pois é hora de agir sobre esse companheiro, para que evite mais um de seus atos destrutivos, agora contra um pequeno e indefeso país vizinho.
É preciso destacar que Lula demonstra estar agindo. Tão logo recebeu em Brasília representantes militares da Venezuela, que elevaram o tom com relação à invasão, enviou a Caracas o seu homem da política externa – em especial da latino-americana – Celso Amorim. A missão, dissuadir Maduro. Ao mesmo tempo, em sua viagem pelos Emirados Árabes Unidos e pela Alemanha, Lula tem condenado a possibilidade de guerra na região.
“Se tem uma coisa que a América do Sul não precisa agora é de confusão”, disse Lula. “Se tem uma coisa que precisamos para crescer e melhorar a vida do povo é baixar o facho (...) e não ficar pensando em briga. Não ficar inventando história. Espero que o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e da Guiana.”
Na realidade, quem tem que ter bom senso é quem está disposto a atacar e não quem está por ser atacado. Mas Lula se comunicou por telefone com o presidente da Guiana, Irfaan Ali, e marcou um encontro com ele para esta sexta-feira. Talvez em função disto que o presidente guianense tenha dito para sua população que não tinha nada a temer.
Lembrando que no domingo último a Venezuela realizou um plebiscito para que a população se manifestasse sobre a inclusão do território guianense de Essequibo, rico em petróleo, ouro e diamantes, ao território venezuelano. Lógico que, conforme qualquer um previa, a votação foi maciça pela aprovação. Cerca de 95%. O que não foi maciça foi a presença dos eleitores nas mesas de votação. Compareceram aqueles que costumam se beneficiar dos míseros benefícios que o governo oferece. Menos da metade do eleitorado. Todos, evidentemente, comemoraram o resultado, expondo cartazes com as manifestações de que a área cobiçada passa a ser parte da Venezuela, com a denominação de Guiana Essequiba.
Do outro lado da fronteira, milhares de guianenses formaram correntes humanas, chamadas de “círculos de união”, para mostrar seu apego à região. Muitos usavam camisetas com frases como “Essequibo pertence à Guiana” e agitavam bandeiras do país. Estes não foram consultados se querem passar a ser cidadãos da Venezuela.
A área que a Venezuela quer tomar corresponde a dois terços do território da Guiana. Tem cerca de 160 mil quilômetros quadrados, o correspondente à área do Uruguai. Ali vivem cerca de 125 mil pessoas, que passaram a fazer parte do país que passou a ter a renda per capita mais alta da América Latina. O que se deu a partir das descobertas de grandes jazidas petrolíferas em águas territoriais da província de Essequibo, em cujo território já estava sendo explorado o ouro e o diamante.
A descoberta do petróleo propiciou a Georgetown o estabelecimento de altos contratos com grandes petroleiras, com destaque para a Exxon americana. E foi justamente a partir destas descobertas que, em 2015, Maduro resolveu trazer de volta uma disputa territorial que havia sido praticamente sepultada por Hugo Chávez em visita a Guiana, em 2004, quando governava o país.
No atual contexto, a Guiana se atém ao Laudo Arbitral de Paris, de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista “para buscar uma solução satisfatória”, já que o governo venezuelano considerou o laudo de 1899 “nulo e vazio”.
Ou seja, o assunto deve novamente ser levado a um tribunal internacional. E Lula tem a possibilidade de ser o condutor deste processo. Evitando a guerra. Para ele, que ambiciona tanto o Prêmio Nobel da Paz, quem sabe tenha o apoio de Maduro para esta conquista.