A trégua e o pós-guerra

A trégua e o pós-guerra

Fato que tem proporcionado muitos elogios ao regime do emir Tamim bin Hamad al-Thani.

Jurandir Soares

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Sob a mediação do Catar e dos Estados Unidos foi acertada uma trégua de quatro dias na guerra que está sendo travada entre Israel e o Hamas. A tão esperada paralisação no conflito deve permitir a troca de reféns por prisioneiros palestinos e a entrada de suprimentos em Gaza como alimentos, medicamentos, água e combustível. Este especialmente para alimentar a energia dos hospitais que, apesar dos bombardeios que já levaram alguns médicos à morte, seguem prestando um serviço humanitário. O que chama a atenção é o papel de mediador que o Catar vem desenvolvendo. Fato que tem proporcionado muitos elogios ao regime do emir Tamim bin Hamad al-Thani. No entanto, este rico emirado do Oriente Médio, que procura ser um centro de negócios e de turismo cada vez mais importante, tem uma fraterna relação com entidades nada recomendáveis no cenário internacional. O regime mantém um bom relacionamento não só com o Irã, que é o maior inimigo de Israel e das monarquias sunitas do Golfo Pérsico, como também com organizações criminosas como Hamas, Talibã, Al Qaeda e Estado Islâmico.

É no Catar que está instalado o escritório de comando-geral do Hamas. Lá estão Ismail Haniyeh, chefe oficial da organização, e Khalid Mashaal, um de seus fundadores, sobrevivente de uma tentativa de assassinato por Tel Aviv nos anos 1990. Curiosamente, é também no Catar que está estabelecida uma importante base militar dos EUA no Oriente Médio. Outro fato curioso é que o estabelecimento do Hamas no Catar teve o aval dos EUA e até mesmo de Israel. Isto porque a organização estava estabelecida na Síria, em meio à caótica situação de guerra civil. Mudando-se para um país estruturado poderia ficar mais vigiada e controlada. Além disto, havia a questão da ajuda internacional enviada do Catar para Gaza, uma operação coordenada pelas Nações Unidas. Em condições normais, os fundos são transferidos eletronicamente de Doha para Tel Aviv e então repassados a autoridades israelenses e das Nações Unidas, que por sua vez levam o dinheiro físico até a fronteira com Gaza. Toda essa movimentação, seguramente, parou em função da guerra.

Agora vem a trégua e, depois de quatro dias, quase com certeza, a retomada dos combates. Não se sabendo até quando. Porém, seja quando for a data do término, o certo é que ela deve ser também a da busca da solução para o problema central da região: a constituição do Estado da Palestina. Em entrevista ao jornal The Washington Post, no sábado, 18, o presidente Joe Biden foi enfático ao dizer que, ao fim do conflito, a ANP, Autoridade Nacional Palestina, deveria ser a responsável pela governança unificada de Gaza e da Cisjordânia. O democrata diz que uma ANP "revitalizada" é o caminho para paz e para o objetivo final de construção da solução de dois estados, palestino e israelense, na região. Biden também afirma no texto, em recado a Tel Aviv, que “não pode haver após o fim do conflito deslocamento forçado de palestinos de Gaza, reocupação, cerco, bloqueio ou redução de território”.

Na teoria, todas essas colocações do presidente norte-americano estão corretas. Porém, as dificuldades são imensas. A começar pelo comando atual da Autoridade Palestina. Ela está sob a enfraquecida liderança de Mahmoud Abbas, que foi eleito em 2005 para um prazo de cinco anos, porém nunca mais realizou eleição e está desde então no poder. Aos 87 anos, cada vez com menor capacidade de atuação política, não quer largar o cargo. Isto está fazendo inclusive com que a ANP esteja perdendo força política mesmo na Cisjordânia onde domina. Está se vendo o crescimento do próprio Hamas naquela área.

Então, será necessário, primeiro, uma renovação da ANP sob o comando de uma autoridade nova, dinâmica e confiável. O que, por incrível que pareça, não se vislumbra no horizonte. Será necessário ter a certeza de que o Hamas terminou ou que, o que restou dele, esteja sob controle. E será necessária também a presença de uma força internacional, com a participação dos EUA, para dar respaldo à ANP naquelas áreas. Não se pode esquecer que em 2007 a organização foi corrida de Gaza pelo Hamas. Não se pode esquecer também que, embora a população de Gaza saiba que a guerra foi motivada pelos atos de terror do Hamas, os bombardeios de Israel vitimando os palestinos da área, fez crescer o ódio contra Israel. Mas há um parceiro importante na região disposto a referendar um acordo que vem sendo alinhavado com Israel, desde que o mesmo contemple a solução do problema palestino. É a Arábia Saudita, conforme foi dito nesta terça-feira, em entrevista coletiva, pelo príncipe Mohamad Bin Salman. Assim é que o cenário pós-guerra está traçado. Mas é preciso que os atores sigam à risca o roteiro.


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