O país que Milei receberá

O país que Milei receberá

Já a produtividade da agricultura argentina está entre as mais altas do mundo.

Jurandir Soares

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Não é novidade para o vencedor da eleição deste domingo na Argentina que estará recebendo para dirigir um país à beira da bancarrota. Nunca é demais repetir os 142,7% de inflação nos últimos 12 meses, os 1.200 pesos que são pagos por um dólar e o índice de pobreza que atinge 40% da população. Isto num país que vem acumulando déficits fiscais, especialmente, nos últimos dez anos. Ou seja, gasta mais do que arrecada. Grande parte desses gastos corresponde a subsídios, como nas contas de luz, água e transportes, serviços muito baratos se comparados ao Brasil. Algo com que o cidadão argentino foi se acostumando e os governos peronistas populistas foram alimentando em troca de votos. Com isto o rombo tem só aumentado. O país apelou em empréstimo do Fundo Monetário Internacional para amenizar seus problemas. Acabou criando outro maior, pois não sobrou recurso para pagar as prestações. Assim, teve que recorrer a outro empréstimo, da Fundação Andina de Fomento, para pagar o empréstimo do FMI. E assim se vão juros sobre juros e a dívida só aumentando.

Com a inflação desenfreada, os preços dos produtos sobem diariamente e, por conseguinte, tornam sua aquisição mais cara para o povo. E o desespero por esta situação tem ocasionado ondas de saques no país. E para comprovar que é uma situação de desespero da população, o principal produto do saque é composto de gêneros alimentícios. Uma situação a que foi levada pelo inchaço do Estado, para o que colaboraram muito os governos kirchenistas, que se ufanavam de suas decisões. Ainda nas comemorações deste ano do 25 de maio, a data nacional argentina, Cristina Kirchner fez um enfático discurso, ressaltando o que ela considera uma grande conquista dos governos kirchenistas. Uma conquista que faz arrepiar qualquer liberal: “Em doze anos duplicamos o Estado”, disse ela. E fez questão de mostrar com os dedos que o Estado era “chiquitito” e agora está ampliado, como se fosse um grande mérito e não o responsável que foi por afundar as finanças do país. Segundo dados publicados pelo jornal La Nación, quando Néstor Kirchner assumiu, o gasto do Estado em relação ao PIB era de 12,5%. Ou seja, de cada 100 pesos o Estado consumia 12,5 pesos. Quando Cristina assumiu já estava em 15% e quando ela concluiu seu mandato este percentual estava em 24%. Hoje já está em 46%. Entre as estatizações a que aludiu com orgulho Cristina, para justificar o crescimento do Estado, estão a YPF, a Petrobrás argentina, as Aerolíneas Argentinas e a AFJP, que é o serviço de correios. Na realidade, ela mais do que duplicou o tamanho do Estado. Mas, no seu discurso, ela foi vivamente aplaudida pelos funcionários dessas estatais. Seus eleitores que costumam se mobilizar fortemente em qualquer eleição. Todas as três empresas citadas são deficitárias, até mesmo a de petróleo, porque a gasolina é subsidiada para os consumidores. Não é à toa que os brasileiros da fronteira vão abastecer seus carros na Argentina.

Romper com esta cultura, acabar com os subsídios, privatizar empresas e trazer os preços para a sua realidade é o grande desafio que se apresenta para o futuro presidente, Javier Milei, que assume a 10 de dezembro. Para vencê-lo será preciso romper com a cultura de estado-dependência da Argentina. Ao mesmo tempo tem que fortalecer o que a Argentina tem de melhor, que é o agronegócio. Aliás, outro setor que perdeu força em função das taxações impostas por Cristina Kirchner. Como, por exemplo, a taxa sobre as exportações de carne, que acabaram tirando do país a posição de principal exportador do mundo. Já a produtividade da agricultura argentina está entre as mais altas do mundo.

O país é um grande produtor e exportador de cereais, sendo o seu principal produto o trigo. Quanto à indústria, esta não tem evoluído. Em entrevista ao jornal El País, o professor Néstor Castañeda, do University College de Londres, diz que o “tecido industrial é denso, mas, em geral, incapaz de competir com a indústria de outros países. Sem concorrência externa porque quase não se importa (as taxas alfandegárias são altas), seus produtos tendem à mediocridade. A alta capacidade tecnológica em setores muito concretos (manipulação genética, energia nuclear, farmácia) não é suficiente para elevar o nível médio e, como se não bastasse, a fuga de talento ao exterior é contínua. Aliás, outro problema a ser enfrentado é criar perspectivas para que os jovens permaneçam no país. Enfim, não são poucos os desafios para este país que, é sempre bom lembrar, há um século era uma das maiores economias do mundo.


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