Quanto pior, melhor

Quanto pior, melhor

STF, Semeadores de Tempestades e Furacões. Em termos de segurança jurídica, o Afeganistão é aqui.

Guilherme Baumhardt

publicidade

Cabelos brancos (ou a falta deles) são, na maioria das vezes, sinônimo de sabedoria, ponderação e estabilidade. São nossos pais e avós. Representam experiência e uma estrada pela qual os mais jovens ainda não passaram e, por isso mesmo, deveriam dar mais atenção e ouvidos aos que já a percorreram. É uma regra que vale para a vida, menos, pelo visto, para o nosso Supremo Tribunal Federal.

Nossos anciões têm comportamento semelhante ao da turma do skate e do surf. Não temem a próxima manobra e não se preocupam com uma eventual fratura – nem mesmo uma “fratura” constitucional. Fico imaginando nossos togados em uma festa rave, virando a madrugada. Ou quem sabe em uma Kombi, subindo a Serra, rumo a Três Coroas para a prática de rafting? Nossos ministros, que deveriam zelar pela paz e harmonia, vêm tomando decisões que remetem muito mais a um “Unabomber” do que a um monge budista.

A mais recente dinamite em fase de preparação remete ao chamado marco temporal, para definição de áreas indígenas. A Constituição Brasileira, em 1988, estabeleceu que as reservas existentes até então seriam respeitadas, assim como as propriedades privadas devidamente reconhecidas. A origem do julgamento de agora remete a um imbróglio envolvendo uma ação no Estado de Santa Catarina.

Para surpresa de ninguém, o relator do caso, ministro Edson Fachin, já sinalizou que é a favor da quebra do marco. Na opinião deste leigo escriba, o próprio Fachin – um notório simpatizante do MST – deveria se declarar impedido de julgar o caso (aos que não sabem, em 2008, antes de ingressar no STF, Fachin assinou manifesto de apoio ao movimento bandoleiro).

Na prática, estamos colocando o direito à propriedade privada em xeque. Isso em um país em que áreas indígenas representam 14% de todo o território nacional. Índios são menos de 0,5% da população brasileira. Proporcionalmente, temos quase 240 hectares para cada nativo. Para efeitos de comparação, na Austrália, são 164 hectares para cada indígena, enquanto nos Estados Unidos esse número não chega a 10. Será que nós, colonizadores brancos e europeus, somos assim tão maus?

Do ponto de vista prático, se a tese do relator conquistar a maioria dos votos, teremos mais um golpe na segurança jurídica, o que sempre afasta investimentos e o desenvolvimento do país. Empresas passarão – mais uma vez – a ver o Brasil como um local pouco convidativo, em que aportar recursos representa um risco maior do que em outras nações mundo afora.

O maior risco está no segmento rural. Se existe algo, no Brasil, que conseguiu ultrapassar as recentes instabilidades econômicas globais, este setor é o agronegócio. Apesar de barreiras e do protecionismo comercial de países ricos, o nosso campo gerou riqueza e desenvolvimento para o país. Há décadas o grau de profissionalização e especialização é elevado. Se há comida boa e mais barata na mesa de brasileiros e outros povos, muito se deve ao produtor rural, que – da porteira para dentro – fez a lição de casa.

Como se não bastasse lidar com a imprevisibilidade do clima, com as circunstâncias que envolvem uma “indústria a céu aberto”, como lembra sempre o presidente da Farsul, Gedeão Pereira, o homem do campo agora pode não ter nem mesmo a certeza de que aquele espaço que nos traz arroz, feijão, trigo, milho, soja e proteína animal, é mesmo dele.

Diante de cenários assim – e tantos outros já tratados aqui na Coluna – lembro que existem sugestões de novas denominações para nossa mais alta instância judicial. Cito aqui a do jornalista José Roberto Guzzo, para quem nosso STF seria, na verdade, o “Supremo Talibã Federal”. Brilhante. Sem a genialidade do Guzzo, me arrisco a propor uma alternativa: STF, Semeadores de Tempestades e Furacões. Em termos de segurança jurídica, o Afeganistão é aqui.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895