Sem vencedores

Sem vencedores

A decisão dos deputados não colabora com a estabilidade do país

Guilherme Baumhardt

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A maioria disse “sim”. Mas não em número suficiente. Com 229 votos favoráveis e 218 contrários, a proposta de emenda à Constituição que previa o chamado voto auditável foi sepultada na Câmara dos Deputados. Ou apenas adiada. O debate certamente não se encerra com o resultado da última terça-feira, ainda mais com um horizonte tumultuado pela frente.

Por se tratar de uma PEC, eram necessários ao menos 308 votos favoráveis para que a proposta avançasse. Quem ganhou? Certamente não foi o eleitor brasileiro, que permanecerá utilizando um sistema que nenhum outro país desenvolvido utiliza e que, salvo uma ou outra alteração (biometria, por exemplo), pouco mudou desde a sua implantação, em 1996. Vale sempre reforçar: apenas Butão e Bangladesh (países que estão distantes do grupo de nações desenvolvidas política e economicamente) utilizam mecanismo semelhante ao nosso. E politicamente, há vitoriosos? Obviamente, o presidente Jair Bolsonaro e o grupo que o apoia gostariam de ver a proposta aprovada. Mas está enganado quem imagina que eles saem completamente derrotados. A decisão dos deputados – somada a fatos antigos e novos relacionados às eleições – colocou uma imensa interrogação sobre o pleito de 2022. A disputa, que já prometia temperatura elevada, ganhou um novo componente.

Salvo em caso de vitória acachapante de Jair Bolsonaro, qualquer resultado será alvo de discussão e contestação. E, agora, graças à decisão dos deputados, este resultado não poderá ser auditado de maneira independente e em um suporte que vá além do sistema digital. Assim como ocorreu em uma entrevista na semana passada, quando Bolsonaro trouxe à tona detalhes sobre a invasão do sistema eleitoral ocorrida em 2018 por um hacker, quem descarta que novos elementos possam surgir até o nosso encontro com as urnas, em outubro do próximo ano?

A decisão dos deputados não colabora com a estabilidade do país. E, diferentemente do que apregoam os críticos do presidente, desta vez a culpa não será dele. A melhor maneira de pacificar o tema era aprovar a PEC. E quem decidiu sobre o assunto foi o Congresso. Ou seja, Bolsonaro não aparece como grande derrotado. Ele trouxe o debate à tona, há elementos que recomendam uma revisão e um aprimoramento do sistema. Se isso não avançou, não foi por falta de iniciativa presidencial. Obviamente a disputa pelo Palácio do Planalto estará no centro das discussões, mas a decisão sobre o chamado voto auditável poderá ter implicações em disputas regionais (teremos confrontos por governos estaduais e a renovação de um terço das cadeiras do Senado). Além disso, há disputas acirradas para a Câmara dos Deputados e parlamentos estaduais.

Se Bolsonaro perder por uma margem mínima de votos, temos um barril de pólvora prestes a explodir, algo que parece muito claro neste momento. E se a vitória do atual presidente ocorrer, também, por uma diferença pequena? Não será surpresa – ao menos para mim – se os atuais defensores do sistema vigente se transformarem em críticos da urna, da justiça eleitoral, do TSE... Quem votou nesta semana contra a PEC talvez passe colocar o sistema em xeque.

Entre vencedores e derrotados, quem mais perdeu foi o país, graças a uma decisão covarde de uma minoria na Câmara dos Deputados, que, pelo visto, não viu problema em uma clara intimidação feita por integrantes das cortes superiores. Esta mesma Casa, em 2015, decidiu em sentido oposto e viu, na época, o Supremo Tribunal Federal interferir em um tema que cabia unicamente ao legislativo. Decisão frouxa de alguns, somada a uma interferência indevida de outros poderes sobre o Congresso, algo que ainda não foi devidamente depurado e cujos meandros ainda são desconhecidos do grande público. Para um país que começa a alçar voo na economia, com geração de emprego, renda e riqueza, merecíamos um cenário mais seguro e menos instável pela frente. Quem ganha com isso

 


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