Lula fora

Lula fora

Aguardemos. Tem muita água para rolar. Mas está escrito

Guilherme Baumhardt

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Economistas brincam ao dizer que o câmbio tem uma única função: desmoralizá-los. É um prato cheio. “Como estará o dólar ao final de 2021?”, pergunta o jornalista, indaga o mercado, questiona o exportador. O economista calcula, projeta, estima e, muitas vezes, erra. Pudera. São inúmeros fatores, a maior parte deles imprevisíveis. No início de 2019, quem colocaria uma pandemia no horizonte? Em janeiro de 2001, alguém foi capaz de prever os ataques terroristas que abalaram o mundo?

Mesmo assim, vou me arriscar e entrar em terreno pantanoso. Não para tratar de dólar, mas para falar das eleições do ano que vem. Já manifestei neste espaço e, também, no “Agora”, na Rádio Guaíba, o seguinte: quem vai determinar o resultado do próximo pleito será a economia. A história assim nos ensina. Vou além. Se em abril ou maio de 2022 as pesquisas (as boas) mostrarem larga vantagem de Jair Bolsonaro, reforço: Lula não entrará na disputa.

Fico feliz ao ver que não estou sozinho. Nesta semana, o articulista Stephen Kanitz trabalhou com o mesmo cenário. Ele escreveu, relembrando um encontro com o então candidato Lula, em 2001: Lula queria saber a nossa opinião sobre as suas reais possibilidades de ganhar a eleição naquele momento duvidoso. Achei estranho que Lula gastou os primeiros 15 minutos contando como fora difícil perder três pleitos presidenciais, e que ele não aguentaria perder uma quarta vez. ‘Eu só vou me candidatar se tiver certeza de que irei ganhar’, nos disse com convicção. Ninguém diz isso quando procura apoiadores. Isso foi em 2001, imaginem agora, mais velho, vinte anos depois.

Lula sabe como poucos que o fator determinante para suas pretensões passa pela economia. E sabe disso porque perdeu nas duas disputas contra Fernando Henrique Cardoso e o sucesso do Plano Real. Sabe também por que conquistou a reeleição, em 2006, apesar do lamaçal do escândalo do Mensalão. Se as previsões se confirmarem e passarmos para uma fase de crescimento acelerado, com geração de emprego e renda, a tendência natural é de manutenção do ocupante do Palácio do Planalto.

Não se trata apenas de não perder. Lula não quer queimar seu capital político. Amargar um eventual fracasso contra Bolsonaro vai além da dor da derrota. Significaria o fim de um mito e, também, o seu ocaso dentro do Partido dos Trabalhadores, ainda combalido e tentando se reerguer. Entrar na disputa e perder significaria não dar mais as cartas na sigla e ocupar um espaço de coadjuvante no cenário nacional. Não existe vácuo de poder.

Alguns podem acreditar que as manifestações recentes de Lula representam um caminho sem volta. Ou seja, ele já deu o passo definitivo rumo à candidatura. Isso é o de menos e não quer dizer absolutamente nada. Se sentir o cheiro de fracasso, o mais fácil é encontrar uma desculpa qualquer, para não passar a imagem de fujão. Quais? São várias opções: mais tempo para a família, a idade avançada, cuidar da saúde, evitar uma campanha suja, preservar a biografia, adotar o figurino de estadista... Há um manancial sem fim. Ele pode escolher uma ou mais.

Aguardemos. Tem muita água para rolar. Mas está escrito. Se o cenário for o descrito acima e mesmo assim ele concorrer, cobrem de mim. Só não me perguntem qual será a cotação do dólar no final do ano. Essa encrenca eu deixo para meus amigos economistas.


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