Picadeiro

Picadeiro

Apesar dos cartazes com o número de vítimas da Covid – posicionado no lugar das placas dos nomes – poucos querem realmente identificar erros e apontar equívocos na condução do poder público no enfrentamento ao coronavírus

Guilherme Baumhardt

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“Amanhã publicaremos portaria nº 3264/Sesau que regulamentará o uso de Cloroquina em Alagoas para o tratamento de pacientes com Covid-19. A prescrição será decidida pelos médicos e o Estado ofertará o medicamento. Na batalha utilizamos armas disponíveis e nosso inimigo é o vírus”. Ganha uma viagem só de ida para a Coreia do Norte quem adivinhar o autor da frase acima, escrita em uma rede social em abril do ano passado. Venceu quem apostou em Renan Filho, governador de Alagoas. Sim, ele mesmo, o filho do senador Renan Calheiros, relator da CPI da Covid, que durante a semana abriu as baterias mais uma vez contra a medicação, na tentativa de alvejar Jair Bolsonaro.

Ninguém com um pingo de bom senso pode acreditar que sairá algo produtivo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que tenha no comando as figuras de Omar Aziz e, principalmente, Renan Calheiros. A cada dia que passa, a cada nova sessão, a cada novo depoimento consolida-se a certeza de que a maioria ali presente não está nem aí para a pandemia e para os mortos. Apesar dos cartazes com o número de vítimas da Covid – posicionado no lugar das placas dos nomes – poucos querem realmente identificar erros e apontar equívocos na condução do poder público no enfrentamento ao coronavírus. O objetivo ali é político: o impeachment de Jair Bolsonaro.

O tão questionado ex-ministro Eduardo Pazuello contrariou todas as previsões. Resguardado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que garantia a ele o direito de permanecer calado, só não abriu a boca quando do outro lado vinha um discurso, e não uma pergunta. De resto, teve paciência até para responder mais de uma dúzia de vezes o mesmo questionamento feito por Renan Calheiros. Alguns poderão dizer que a repetição é estratégica. No caso do Mossad e outros serviços de inteligência, eu acredito. A pergunta é repetida para identificar alguma contradição. No caso de Renan, trata-se apenas de um senador que insistiu no tema porque não ouviu a resposta que gostaria.

Além da questão envolvendo a vacina da Pfizer – talvez o único grande ponto que merece debate –, que tal levar até a CPI outros assuntos? Se os senadores precisam de ideias, aqui vão algumas. Governadores e prefeitos serão questionados sobre compras de respiradores com sobrepreço ou serão chamados para simplesmente chamar o presidente de “genocida”? Quando serão levados até a CPI os administradores públicos que usaram de maneira questionável os recursos enviados pelo governo federal? Governadores finalmente estarão presentes no Congresso, contrariando também aqueles que diziam que a CPI deveria se restringir aos assuntos federais. Quem defendia esta tese esquecia que o socorro financeiro teve origem na União.

Outro ponto que poderia ocupar o tempo dos nossos ilustres senadores: e a Coronavac? Até agora não se tem notícia dos resultados da chamada “Fase 3” da pesquisa. Sim, o imunizante produzido no Instituto Butantan ajudou a colocar o Brasil em um outro patamar de vacinação, mas ao que tudo indica é um dos menos eficientes utilizados no mundo até agora – cogita-se, inclusive, a possibilidade de “revacinar” com doses da AstraZeneca ou Pfizer aqueles que receberam a Coronavac.

Houve um nítido erro de estratégia da oposição. Quando se olha para a CPI e o que se vê são as figuras de Renan, Aziz e do estridente Randolfe Rodrigues, é tarefa ingrata imaginar que possa sair algo produtivo da comissão. Se os protagonistas fossem outros, o tempo e o dinheiro investidos talvez trouxessem resultados mais promissores. É possível que surja alguma denúncia mais forte? Sim. Até agora, porém, o que se tem não passa de fumaça.


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