O impasse que mata

O impasse que mata

No Rio Grande do Sul, a renda dos trabalhadores caiu em média 11,8%

Guilherme Baumhardt

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Um ano após a pandemia ainda pairam muitas dúvidas e poucas certezas no enfrentamento ao vírus. Ainda não é consenso, mas cresce a convicção de que um dos grandes equívocos foi o de colocar saúde e economia como pontos divergentes. As duas áreas, desde o início, deveriam ter caminhado juntas, mas a frase “vidas primeiro, a economia a gente vê depois” prevaleceu. E a porcaria aconteceu.

Um estudo liderado pelo gabinete do vice-prefeito de Porto Alegre, Ricardo Gomes, tendo à frente o economista Daniel Vancin, jogou novas luzes sobre o tema. O levantamento mostra que praticamente metade das empresas (47%) do país ainda têm dificuldades para manter vivos os estabelecimentos. Estamos falando daqueles que sobreviveram. O número de CNPJs cancelados é inédito – e assustador. Os dados são do Sebrae, serviço destinado especialmente a micro e pequenos negócios.

No Rio Grande do Sul, a renda dos trabalhadores caiu em média 11,8%. Ou seja, ficamos mais pobres – cerca de R$ 1,8 bilhão deixaram de ir para o bolso dos gaúchos. O tombo só não é maior porque houve a injeção de recursos do auxílio emergencial na economia. E, sem surpresa alguma, o desemprego foi maior entre aqueles com menor escolaridade. Explica-se: estamos falando de profissionais e atividades em que, na maioria dos casos, o home office não é uma opção. São profissionais de limpeza, motoristas, pedreiros. Como se as mortes nos hospitais e o fechamento de empresas não fossem suficientes, o trabalho reforça também a relação direta entre desemprego e o aumento da criminalidade.

O dado mais assustador – e um grande revelador do contrassenso instaurado no país: com a intenção de salvar vidas, instala-se uma grave crise econômica que, adivinhem, aumenta as taxas de... mortalidade! Um estudo feito em 180 países, ao longo de 60 anos, mostrou que as recessões (situação atual do Brasil) eleva o número de óbitos, principalmente entre as crianças e especialmente em países emergentes, como o nosso.

Na semana que passou, a chanceler alemã, Angela Merkel, suspendeu o lockdown previsto para a Páscoa. Voltou atrás. E pediu desculpas. “Eu sou responsável por esse erro”, disse em pronunciamento. A decisão veio após uma forte pressão interna, que não está restrita aos germânicos. Em inúmeros países do mundo, marchas tomaram conta das ruas com as pessoas bradando por liberdade (pesquise por #worldwiderallyforfreedom na rede).

Não foram “negacionistas” que fizeram o protesto. Não era uma passeata a favor da Cloroquina ou da Ivermectina. Não são pessoas que ignoram os riscos e a mortalidade do vírus. Trata-se, em essência, de gente cansada de ver governos ditando os rumos das suas vidas com a força de uma caneta. E, muitas vezes, errando. É um tema difícil, especialmente quando há vidas em jogo. É preciso respeitar a dor e o luto de quem perdeu um parente ou amigo durante a pandemia. Foram 300 mil óbitos registrados no país desde que o coronavírus aportou por aqui. Mas é necessário questionar se o receituário adotado com um propósito cumpriu o seu objetivo.

Medidas são adotadas com um fim. Se elas são levadas adiante, é preciso perguntar se o efeito esperado foi atingido – neste caso, salvar vidas e aliviar o número de internações hospitalares. E hoje, após um ano de pandemia, há fortes evidências de que nem um, nem outro foram atingidos. Mais uma vez: respeitando a dor de quem sofreu com o vírus, o fato é que existem sinais de o esforço empreendido – a um custo elevado – não produziu o que dele se esperava.

A frieza da economia pode assustar. Mas o “calor humano” das medidas restritivas que foram impostas não nos trouxe alívio, mas sim mortalidade e tristeza, muitas vezes não vistas no noticiário. O vírus pode matar. Desemprego, fome e recessão também.


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