Um país sui generis

Um país sui generis

Bolsonaro tem suas limitações e enxergar isso é fácil. Mas até aqui não tornou realidade aquelas que seriam as maiores preocupações dos seus opositores

Guilherme Baumhardt

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Nunca fui admirador de Jair Bolsonaro. Dentro das forças armadas, ele era uma espécie de líder sindical. Já deputado federal, a postura mudou pouco. Um sujeito murrinha, ranheta, um grevista em potencial. Lembrava aquele camarada que está sempre com uma lista de reivindicações a tiracolo, que vão desde reajuste salarial, dias de folga, até o aumento do período de férias. Faltavam megafone, barba desgrenhada e as queixas intermináveis sobre a “patronal”. Bolsonaro sempre carregou, também, um saudosismo mofado do regime militar brasileiro, que pouco ou quase nada se distanciou de outra ditadura, a Vargas, no aspecto econômico: o amor por estatais e interferência pesada do Estado na economia. A favor dele, a defesa pela segurança pública.

Eis que o futuro reservou a Jair Bolsonaro uma eleição presidencial. E a eleição dele serviu para escancarar que este lugar sui generis chamado Brasil vai muito além da frase atribuída ao cantor e compositor Tim Maia (“Aqui, prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme e traficante se vicia”).

Neste país sui generis, que chamaremos de Banânia, temos um partido nanico, mas com força suficiente para paralisar uma obra do tamanho e importância de uma Ferrogrão. Em outras nações – Alemanha entre elas – há travas para evitar que meia dúzia de especialistas de palanque consigam tal proeza. É exigida uma representação mínima para que uma ação assim prospere na justiça. Em Banânia, eles conseguem.

Além disso, em Banânia, a entidade que deveria ser a principal defensora da liberdade de expressão foi uma das entusiastas da criação de um Conselho Federal de Jornalismo, que entre outras propostas trazia a possibilidade de cassação de diploma por crime de opinião. Hoje, a mesma entidade se transformou em um “taxímetro” de palavrões, contabilizando todo impropério dito por Bolsonaro, colocando isso em um ranking de ataques à imprensa. Já escrevi que não endosso o comportamento presidencial. Agora, entre um presidente que me chame de “feira da fruta”, mas não tolha minha liberdade de criticá-lo, e outro que queira colocar uma mordaça na minha boca, eu fico com o primeiro.

Neste mesmo país sui generis, o atual presidente é visto como um ditador. Há razões para medo, algumas expostas na abertura deste texto. Mas curiosamente na nação governada pelo “ditador Bolsonaro”, há uma suprema corte que manda e desmanda, extrapola suas atribuições e solapa Polícia Federal e Ministério Público, ao instaurar um inquérito e deixar de lado a função de julgadora, para assumir as tarefas de investigação e denúncia. Mas a ditadura que nos assusta é a que não existe e que, passados quase dois anos e meio de governo, pelo visto está escondida, dormindo em algum canto do palácio presidencial de Banânia.

Não se pode esperar de Bolsonaro o que ele não é. Não temos um Ronald Reagan ou uma Margaret Thatcher à frente do país. Não estamos diante de uma Golda Meir ou de um Franklin Roosevelt. Bolsonaro tem suas limitações e enxergar isso é fácil. Mas até aqui não tornou realidade aquelas que seriam as maiores preocupações dos seus opositores. Mesmo fustigado pelos excessos vindos do STF, não implantou ditadura alguma. Deixou para trás algumas bandeiras levantadas durante a campanha, mas também encontrou no caminho uma pandemia.

Se é verdade que em Banânia prostituta se apaixona, cafetão passa a ter ciúme e traficante consome a mercadoria que vende, podemos acrescentar nesta lista jornalistas que defendem censura, juízes que se acham presidentes e ainda nanicos que se veem gigantes. Banânia é mesmo um lugar sui generis.


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