Suprema patacoada

Suprema patacoada

É nas democracias mais sólidas que se permite este tipo de discussão, algo que ocorreu recentemente na mais importante nação livre e democrática do mundo.

Guilherme Baumhardt

publicidade

“A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”. A frase é do ex-primeiro-ministro do Reino Unido Winston Churchill. Embora muitos confundam com um sistema de governo – parlamentarismo ou presidencialismo –, a democracia é na verdade algo muito mais simples: um mecanismo de escolhas e decisões. E é uma ferramenta interessante, que pressupõe respeito, tolerância, construção e diálogo – mesmo que ríspidos, não raras vezes. É também bela porque aceita, inclusive, que se fale mal dela, a democracia. E é neste ponto que estamos pecando.

O Brasil entrou por um caminho perigoso, em que questionar parece ter virado algo proibido. Exemplo: há um debate no país acerca das urnas eletrônicas. Existem grupos que questionam a segurança do voto e a inviolabilidade do atual sistema. Exigem mudanças. Ou o aprimoramento do que temos, ou a volta ao voto impresso. Para muitos, levantar tal debate representa uma ameaça à democracia. Será mesmo?

É nas democracias mais sólidas que se permite este tipo de discussão, algo que ocorreu recentemente na mais importante nação livre e democrática do mundo. Nos Estados Unidos, houve denúncias, suspeitas, falou-se na possibilidade de fraudes na disputa que envolveu Joe Biden e Donald Trump. A celeuma só veio à tona e foi apurada porque os americanos vivem não apenas em uma democracia, mas em um ambiente de liberdade e de instituições sólidas. E isso é comum. Em 2000, na disputa vencida por George W. Bush contra Al Gore, o sistema e o resultado também foram colocados em xeque. Você ouve alguém questionando o sistema eleitoral da China, Cuba ou Coreia do Norte? Ou ainda o resultado das eleições da Venezuela? Externamente, sim. Internamente, não. Quando ocorre não é pelas vias legais, mas sim em protestos de rua, em que se corre o risco de ir parar na cadeia pelos crimes de opinião ou subversão.

A democracia brasileira aceita gente que venera países em que ela, a democracia, não existe ou não passa de um faz de conta. São partidos e políticos que relativizam ditaduras e regimes de exceção, como os existentes nos países citados no parágrafo acima. São pessoas ou agremiações que defendem genocidas que mataram milhões de pessoas. Mas encontram aqui a liberdade para isso, por mais absurdo que possa parecer. Curiosamente, neste mesmo Brasil, não é possível defender o chamado AI-5, que inaugurou o período mais pesado da ditadura militar brasileira. Eu não endosso nem uma coisa, nem outra. Vejo no AI-5 uma afronta à liberdade individual, ao mesmo tempo em que prefiro manter distância de todo e qualquer flerte com tiranos de esquerda.

Escrevo estas linhas antes de a Câmara dos Deputados decidir o futuro de Daniel Silveira, o parlamentar que foi alvo da recente investida do Supremo Tribunal Federal. Sua manifestação em um vídeo divulgado nas redes sociais foi grosseira, agressiva, baixa. A alusão ao AI-5 não combina com alguém que conquistou uma cadeira no Congresso pelo voto popular. Mas por mais absurdas que sejam suas ideias, ele é livre para isso – e protegido pela chamada imunidade parlamentar. Se algum ministro se sentiu ofendido, que o processe, assim como já fizeram com o ex-deputado Roberto Jefferson, condenado a indenizar o ministro Alexandre de Moraes.
Se o parlamentar Daniel Silveira ultrapassou a linha e faltou com o decoro, quem vai julgar isso são os seus pares, ou seja, os deputados federais. Se decidirem que ele não deve mais fazer parte do Congresso, é uma decisão soberana da Casa. O Supremo Tribunal Federal não tem nada a ver com isso. Além do mais, fica ridículo aos olhos da população ver a velocidade com que este caso avança no STF, enquanto outros se arrastam por anos a fio. Quando o Senado vai entrar em campo?

Buraco X Buraco

A mudança na previdência dos servidores de Porto Alegre é urgente. No modelo atual, por ano, mais de um bilhão de reais saem dos cofres para tapar o buraco do sistema. São três milhões de reais por dia. Em apenas uma semana, a cidade gasta com aposentados e pensionistas o mesmo dinheiro disponível em um ano para tapar buracos de ruas e avenidas. Ou seja: o pior buraco nem sempre é o que a gente vê. No das vias públicas, a gente enfia a roda. No da Previdência, perdemos a chance de comprar equipamentos para hospitais, investir em melhorias em praças ou equipamentos públicos. Ou quem sabe até sonhar com uma redução de carga tributária.

Dois votos

O prefeito Sebastião Melo tem uma missão pesada pela frente. Serão necessários dois projetos. Um para alterar o regime e outro para atualizar a idade mínima de aposentadoria. Um precisa de maioria simples. O outro, de maioria qualificada – ou seja, estamos falando de 24 votos. O Paço Municipal acredita já ter o apoio de 22 edis. Votar contra a reforma é amarrar a cidade ao passado, em nome de privilégios, sem olhar para o futuro.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895