Máscaras, ciência e jornalismo

Máscaras, ciência e jornalismo

No lugar de encontrar respostas, confrontar versões, oferecer informação ao público, optou por virar, por exemplo, fiscal de máscara

Guilherme Baumhardt

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Escrevo de Santa Catarina, onde aproveito com a família as férias dos compromissos na Rádio Guaíba. Como não passei o ano de 2020 sendo fiscal da vida alheia, não corro o risco de ser “flagrado” por ninguém – exceto, talvez, por ter colocado o dedo no nariz em algum momento. Mas quem nunca? Como também não passei o ano dizendo “fique em casa”, não preciso me esconder e nem mudar o visual para ir à praia, ao supermercado ou à padaria. Sigo usando barba, bigode e a única alteração nesta cara dotada de pouca beleza se deve ao fato de estar usando agora lentes de contato, já que o mar levou meus óculos de sol e, até que uma nova armação seja providenciada no retorno a Porto Alegre, o jeito foi improvisar.

Sim, evito aglomerações. Por mim e pela minha família. Acordamos cedo, tomamos café da manhã cedo, seguimos cedo em direção à praia, quando o movimento é mínimo. Sim, vamos à praia. E quando a faixa de areia começa a ficar lotada, levantamos acampamento. Não porque algum tiranete de plantão nos obrigue, ou porque algum decreto determine, mas porque acho prudente. Nem todos em casa tiveram coronavírus, como eu tive. Logo, se eu quero reduzir as chances de contágio de quem está comigo, a decisão cabe a mim.

Confesso aos amigos leitores que por vezes torci para ser abordado por alguma equipe de televisão, na beira da praia. E, na condição de entrevistado e não de entrevistador, devolver algumas perguntas ao meu interlocutor. O jornalismo – esta profissão tão nobre – ao longo de 2020 mudou drasticamente de finalidade. No lugar de encontrar respostas, confrontar versões, oferecer informação ao público, optou por virar, por exemplo, fiscal de máscara.

Eu faço o convite. Vá lá. Jogue nas ferramentas de busca disponíveis na Internet. Escolha uma autoridade qualquer – se for Jair Bolsonaro a tarefa fica mais fácil – e veja quantas manchetes gritam “Sem máscara, fulano vai a tal lugar”. Ou ainda: “Contrariando as indicações das autoridades, fulano de tal é visto sem máscara”. É esta a informação mais importante neste momento? Pode ter a sua relevância, mas ganhar manchete dia após dia, noticiário após noticiário? Será? É para isso que você para em frente a uma televisão? Pois bem, é nesta porcaria que virou o jornalismo feito em algumas redações brasileiras desde que a pandemia aportou por aqui.

Não é negar a doença, não é minimizar a tragédia, não é relativizar a morte de centenas de milhares de pessoas. As histórias tristes se somam e, por vezes, ficam cada vez mais próximas. Antes era o conhecido do vizinho de um amigo. Em alguns casos, tristemente, a tragédia agora está dentro de casa, com a passagem de uma pessoa querida, de um parente. É função do jornalismo contar estas histórias. Mas apenas isso?

Quantas vezes a imprensa foi a fundo e buscou respostas para os remédios que estavam sendo aplicados durante a pandemia? Quando escrevo remédios, não me refiro ao chamado tratamento precoce, mas sim às iniciativas governamentais, que vieram por decreto, determinando o que poderia e o que não poderia ser feito. Quantas reportagens você viu nos meios de imprensa tradicionais questionando a estratégia do lockdown adotada mundo afora?

“Ciência, ciência, ciência!”, bradaram muitos, muitas vezes. Mas onde diabos está a ciência do lockdown? Qual a eficácia de uma medida tão drástica? Será que depois de 12 meses de pandemia já não temos respostas mais consistentes sobre uma ferramenta tão dura? Neste espaço procurei trazer dados e pesquisas a respeito do tema mostrando que sua eficácia é questionável.

“Ciência, ciência, ciência!”. Entupiram nossos ouvidos todos os dias, mas faziam ouvidos moucos quando eram questionados sobre recessão, desemprego, pobreza. “A economia a gente vê depois”, diziam, ignorando que estudos econômicos e matemáticos também são... ciência! E o que dizer quando alguns questionaram – cientificamente – os dados da Coronavac? “Ah, por favor, deixe de ser tão científico assim!”, foi a resposta.
Um dia, quem sabe, com o passar dos anos e o distanciamento saudável e necessário, poderemos olhar e entender melhor o que aconteceu conosco em 2020.


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