Final precoce

Final precoce

Fato é que um conjunto de decisões colocou por terra a mais forte ação de combate à corrupção ocorrida no Brasil

Guilherme Baumhardt

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Um dia a Operação Lava Jato terminaria. A questão é: ela chegou ao fim por que encerrou o trabalho? Ou estamos diante de um desfecho precoce? Para mim, ainda havia campos a serem explorados. A operação nunca conseguiu mergulhar a fundo na apuração de supostos desvios no poder judiciário, algo que muitos viam com um potencial ainda mais avassalador, ainda mais bombástico do que tudo que já havia sido trazido à tona nos meios político e empresarial. A delação premiada do ex-governador Sergio Cabral, homologada há cerca de um ano, não teria força suficiente para manter a força tarefa viva por mais tempo?

Fato é que um conjunto de decisões colocou por terra a mais forte ação de combate à corrupção ocorrida no Brasil. Torpedeada diariamente, colocada em xeque a todo instante por forças políticas avessas ao avanço das investigações, ela existiu durante um prazo muito maior do que muitos imaginavam – e também muito maior do que alguns desejavam. Não conseguiu sozinha acabar com todos os desvios no ambiente governamental. Não foi suficiente para evitar resultados nefastos dos momentos em que os setores público e privado se encontram – as recentes suspeitas na compra de respiradores durante a pandemia são apenas um exemplo de que meter a mão na grana do contribuinte ainda parece ser uma tentação nacional.

O ocaso da “República de Curitiba” ocorre após uma série de fatos que minavam dia após dia o trabalho investigatório, principalmente com críticas constantes vindas de alguns dos ministros do Supremo Tribunal Federal, mas principalmente com decisões estapafúrdias que arrebentaram o trabalho de investigadores, delegados, procuradores e juízes de instâncias inferiores. É preciso que se diga que o fim da Lava Jato passa também pela escolha de Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República. Ele nunca foi um entusiasta da Lava Jato, muito pelo contrário. Esta parcela vai para a conta do presidente da República, Jair Bolsonaro.

Há uma tentativa de sinalizar que a Lava Jato não morreu. Procuradores foram nomeados para o chamado Gaeco, o Grupo de Ação Especial ao Crime Organizado. É um sinal, mas certamente não tem o mesmo peso e não representa o mesmo poder que a força tarefa dispôs ao longo dos últimos anos.

Decisão tomada, Lava Jato encerrada, restam algumas perguntas: qual legado deixará a operação que levou para a cadeia grandes tubarões da política nacional, presidentes de empresas que pareciam não viver sem as gordas verbas estatais e alguns dos próceres da República? Conseguiu mudar algo a ação que levantou a tampa do esgoto e deixou sair o fedor pútrido das relações de poder vigentes no país?

Ainda é cedo para responder as perguntas. Do ponto de vista da população, o resultado para os questionamentos acima virá das urnas. No âmbito do Poder Judiciário, porém, estamos muito mais próximos de um desfecho digno de um teatro de absurdos. Com as recentes decisões do STF, não se espante se dentro de alguns anos não nos deparemos com a devolução aos investigados do dinheiro que foi ressarcido após acordos de colaboração premiada – somente no caso Sergio Cabral estamos tratando de 380 milhões de reais. Além disso, prepare-se para um pedido de desculpas público aos que foram flagrados com batom na cueca, mas de uma hora para outra podem virar homens públicos exemplares. E, já que o céu parece ser o limite, prepare o bolso, afinal, se seguirmos nessa toada ainda pagaremos indenizações para esta gente. Não se surpreenda também se ao final não tivermos no banco dos réus figuras como Sergio Moro e Deltan Dallagnol.


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