A profunda autocrítica

A profunda autocrítica

A intenção foi sempre a mesma: oferecer o maior leque de informações e jogar luzes sobre um tema (pandemia) que entrou na nossa vida sem pedir licença

Guilherme Baumhardt

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Se você ligar a televisão ou o computador agora são grandes as chances de se deparar com a figura de Natalia Pasternak. Não importa o horário, não interessa o dia, tanto faz se chove ou se o sol brilha lá fora. Pode ser na TV aberta, em canais pagos ou ainda na internet, Pasternak provavelmente estará lá. Pasternak fala ao vivo, fala em reportagens gravadas, faz suas considerações pela internet ou de maneira presencial, em solenidades, como a que ocorreu recentemente em um evento do Instituto Butantan. Pasternak só não deu entrevista preparando o almoço, mas imagino que algum produtor jornalístico já tenha entrado em contato em momentos assim.

Nada tenho contra Natalia Pasternak, mas tenho tudo contra uma espécie de jornalismo preguiçoso que se instalou no país, especialmente em alguns grupos de mídia. Pasternak não é o problema. Ela é convidada e, se tem tempo, interesse e disponibilidade, decide se atende ou não ao convite. Nosso problema está do outro lado. Adapto agora uma expressão que era dita frequentemente em grupelhos paramilitares (de esquerda) e ainda hoje está presente em partidos (de esquerda) e diretórios acadêmicos (majoritariamente de esquerda): é preciso fazer uma “profunda autocrítica” do jornalismo.

Citei Pasternak. Mas poderia elencar os nomes de Atila Iamarino ou Pedro Hallal. Mas fica por aí. A lista das fontes recorrentes não vai muito longe. E não deixa de ser curioso. O Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes. Somente no Rio Grande do Sul temos 5 universidades federais, mais um sem-fim de instituições privadas. No Brasil perde-se a conta do número de bons professores, bons institutos, boas práticas e outros bons pesquisadores. Mas o jornalismo resolveu adotar a chamada “fonte de gaveta”. Por quê?

Puxei na memória e apenas no programa Agora (segunda a sexta, a partir das 7h, na Rádio Guaíba) arrisco dizer que entrevistamos um número maior de fontes. De cara lembro dos seguintes nomes: João Gabbardo dos Reis (que foi secretário da Saúde do RS e secretário-executivo do Ministério da Saúde), Luiz Antônio Nasi (superintendente do Hospital Moinhos de Vento), Alexandre Zavascki (infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre). Somam-se aos citados acima outros médicos ou pesquisadores como Dani Laks, Ricardo Zimmermann, Nise Yamaguchi, Akira Homma, Edimilson Migowski, Osmar Terra, sem contar secretários de Saúde municipais e estaduais que atuam no Rio Grande do Sul e fora dele. A lista é maior e certamente deixei nomes importantes para trás – peço desculpas. A intenção foi sempre a mesma: oferecer o maior leque de informações e jogar luzes sobre um tema (pandemia) que entrou na nossa vida sem pedir licença.

Pasternak é formada em ciências biológicas. É também presidente do Instituto Questão de Ciência – fundado por ela mesma. Atila Iamarino é biólogo e doutor em microbiologia. Na sua conta em uma rede social, ele se intitula “divulgador científico e explicador do mundo por opção”. Pedro Hallal, agora ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas, é formado em educação física e fez mestrado e doutorado em epidemiologia – sua pesquisa trata de exercício físico, especialmente em jovens. Curiosamente nenhum dos três é médico.

Isso não os invalida como fontes. Merecem ser ouvidos e certamente contribuíram com seus estudos, pesquisas e opiniões. Acertaram e, possivelmente, erraram em uma ou outra análise. Mas toda vez que os vejo lembro de um amigo jornalista que dizia em tom de brincadeira: “O jornalismo é a arte de inventar uma tese e encontrar as fontes que a corroborem”. É óbvio que jornalismo não é isso e nem ele acredita no que dizia durante a faculdade. Mas fico no aguardo da “profunda autocrítica” jornalística.

Tilt 1

Os direitos de gays, lésbicas e transgêneros são uma das grandes bandeiras dos partidos de esquerda – que por alguma razão misteriosa sofrem de uma amnésia seletiva e nunca lembram das mortes e perseguições promovidas por ditaduras canhotas – dinastia Castro entre elas. Ao mesmo tempo, as pensões pagas às filhas solteiras de militares também sempre motivaram protestos e manifestações.

Tilt 2

Agora vem o X da questão. Em decisão recente, a 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro decidiu que uma mulher trans tem direito a receber parte da pensão do pai, um militar morto em 1979, quando a autora do processo tinha 14 anos (e tinha no registro o sexo masculino). A discussão é juridicamente interessante, mas fico imaginando o colapso desencadeado na cabeça da militância. E agora? Qual a nossa bandeira? Somos a favor da trans? Ou somos contra o privilégio dos militares?


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