Quero a “bagunça” americana

Quero a “bagunça” americana

Não raras vezes já existe uma definição para o chefe do executivo, o prefeito, mas não há sequer uma mínima ideia sobre em quem votar para vereador

Guilherme Baumhardt

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Não pretendo aqui gerar atrito ao entrar na seara do meu amigo e parceiro do programa Agora (Rádio Guaíba, segunda a sexta, a partir das 7h), Jurandir Soares. Mas me atrevo a tratar de Estados Unidos e eleições. A do hemisfério norte e a nossa, neste domingo. Aos olhos da nossa democracia, altamente centralizada sob o ponto de vista de organização, contagem de votos e tendo inclusive uma justiça específica para o tema, assistir ao que ocorre na terra do Tio Sam é um desafio e tanto. Parece uma zona. Não há um órgão que ateste a vitória de um ou outro candidato, a contagem de votos leva dias, há a figura dos delegados – que definem o vencedor. Outra pergunta recorrente: como pode aquele que não fez o maior número de votos junto à população ser considerado o eleito? O fato é que os Estados Unidos da América representam aquilo que o nome do país sintetiza. A união de 50 “micro países” formando uma nação.

Do ponto de vista de autonomia e legislação, cada estado da federação tem vida própria. Isso explica por que em alguns há pena de morte ou prisão perpétua e em outros, não. Ajuda a entender também por que a maconha já foi liberada em algumas unidades da federação e em outras isso não ocorreu. Na economia, as diferenças de tributação estabelecem uma livre competição entre os estados, num ambiente concorrencial que geralmente traz benefícios para a população – maior dinamismo, geração de emprego e renda para aqueles que estão dispostos a meter menos a mão no bolso do contribuinte. Há grande autonomia e um baixíssimo grau de centralização.

E há lições que poderiam ser absorvidas em solo tupiniquim. Existe uma compreensão clara do papel do Congresso. Aqui? Pergunte aos amigos, vizinhos ou conhecidos se eles já escolheram o candidato para a Câmara de Vereadores. Não raras vezes já existe uma definição para o chefe do executivo, o prefeito, mas não há sequer uma mínima ideia sobre em quem votar para vereador. Há, em essência, desconhecimento. Prova disso são demonstrações de votações em que o eleitor abre uma concessão para o legislativo que não faria para o executivo. Exemplo? Em 2010, o palhaço Tiririca foi eleito deputado federal por São Paulo com mais de 1,3 milhão de votos. Voto de protesto? Pode até ser, mas até isso revela desconhecimento do sistema por parte do eleitor. A votação em massa no palhaço levou para a Câmara Federal candidatos com resultados pífios na urna, gente que naquela disputa jamais conquistaria uma cadeira no Congresso. A pergunta que fica é: o eleitor que votou em Tiririca para deputado federal votaria também nele para prefeito, governador ou presidente? Pouco provável. Há um excesso de expectativa e de esperança no chefe do executivo, quando na verdade a palavra final nunca é dele. Um veto a um projeto de lei pode ser derrubado por vereadores, deputados estaduais ou congressistas. São eles que decidem. É deles a palavra final – nos assuntos que não sofrem judicialização.

Os americanos sabem disso. E dentro do sistema de presos e contrapesos tratam de manter uma boa dose de equilíbrio. Um presidente pode muito, mas não pode tudo. Não raras vezes, no meio do mandato do chefe da Casa Branca, na hora de renovar cadeiras do Senado, o jogo é reequilibrado. Se o presidente é democrata, surge das urnas uma maioria republicana no Senado. Ou o contrário. Isso vem com o tempo, com o amadurecimento, em um sistema compreendido pela população. Aqui, engatinhamos. Outro exemplo norte-americano e que merecia ser copiado aqui são as consultas feitas com o pleito principal. Neste ano, no mesmo dia em que votaram para a Presidência, os eleitores da Califórnia – dentro da autonomia que têm os Estados – decidiram que motoristas de aplicativo não possuem vínculo empregatício com empresas como a Uber. Aqui, o mais próximo que chegamos disso foi em 2018, na eleição para o governo do Rio Grande do Sul, da realização de um plebiscito sobre a privatização de estatais. Não saiu. E um dos argumentos era o de que o eleitor “ficaria confuso”. Balela.

Por mais maluco que possa parecer e diante do impasse atual, há boas coisas no sistema norte-americano e que poderiam ser copiadas aqui. Lá, os Estados Unidos da América se transformam em um país naquilo que realmente importa, em temas como segurança nacional, entre outros. Trata-se de algo que fica mais claro no discurso do State of the Union (ou Estado de União, em tradução livre), proferido pelo presidente junto ao Congresso, no qual há uma prestação de contas. É quando os interesses e demandas dos Estados se somam e transformam uma colcha de retalhos em uma nação. Aqui, é o Centrão quem dá as cartas.


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