Monopólios e liberdades

Monopólios e liberdades

Em boa parte das cidades brasileiras, uma microempresa precisa de alvará, uma autorização do poder público, ainda que se trate de uma atividade de baixo risco

Guilherme Baumhardt

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Nosso bem mais valioso é a nossa liberdade. Alguns podem dizer que é a vida, mas vida sem liberdade talvez não possa ser chamada de vida. Emancipação, soberania, autonomia. É a independência para decidirmos se casaremos ou não, se teremos filhos ou não, se seremos evangélicos, católicos, judeus, muçulmanos ou ateus, se seremos funcionários ou abriremos nossa própria empresa. Se trabalharemos duro na vida em busca de riqueza financeira ou se seremos sujeitos para os quais dinheiro pouco importa. Escolhas.

No caso do mercado e especialmente no Brasil, nossa liberdade é regulada. Ironia? Certamente. Incoerência? Absoluta. Todos sabemos que mesmo no mais liberal dos países há um mínimo de regulação, para que a coisa não vire a casa da mãe Joana. No nosso caso, historicamente, elevamos o regramento ao máximo. Em boa parte das cidades brasileiras, uma microempresa precisa de alvará, uma autorização do poder público, ainda que se trate de uma atividade de baixo risco. No outro extremo, para que uma empresa possa ser comprada por outra, dependendo do setor e do tamanho da operação, há a exigência do aval de um órgão de governo, o Cade, mesmo que a redução da concorrência seja fruto de meritocracia, talento e competência. O pretexto é o de que o Estado está nos protegendo.

No caso das comunicações, a discussão sempre passou pelas tais concessões públicas. Para que uma rádio pudesse operar, precisava ter uma concessão. Para que uma televisão pudesse entrar no ar, a autorização do governo era necessária. Ou seja, menos liberdade. O advento da internet, da banda larga, do acesso em massa da população a dispositivos de tecnologia parecia o rompimento desta barreira. Hoje, toda e qualquer pessoa pode produzir conteúdo – mesmo que seja um lixo. Fotos, vídeos, opiniões. Tudo é registrado e pode ser compartilhado. Será?

Talvez não tenhamos dado a devida dimensão a episódios recentes, que colocam em xeque a leitura acima. Já citei neste espaço o material jornalístico produzido pelo jornal New York Post, com denúncias pesadas que atingiam a campanha do candidato democrata Joe Biden, e que tiveram compartilhamento proibido. Nos últimos dias, publicações do presidente norte-americano Donald Trump foram barradas em uma rede social, sob o pretexto de que eram infundadas.

O mais ativo representante do Congresso norte-americano a questionar as empresas de tecnologia é o senador Ted Cruz. Há um vídeo disponível na rede de uma audiência em que o parlamentar, citando o caso do Post, interpela o CEO do Twitter. Entre gaguejadas, frases desconexas e a vã tentativa de justificar o injustificável, o sujeito do Vale do Silício ouve do congressista do Partido Republicano a seguinte frase: “Who the hell elected you and put you in charge of what the media are allowed to report?” (“Quem diabos elegeu o senhor e lhe deu o poder de decidir o que a imprensa tem ou não permissão de publicar?”, em tradução livre).

O presidente dos Estados Unidos é considerado a pessoa mais poderosa do mundo. Mesmo o titular da Casa Branca não pode tudo, mas quando o sujeito que comanda a economia mais poderosa do planeta, que apesar da ameaça chinesa ainda é a potência bélica que ostenta uma espécie de título de “xerife do mundo”, acaba sendo cerceado em uma rede social, o que resta para nós?

A liberdade proporcionada pela internet era uma ilusão? A melhor resposta não virá de governos, apesar do empenho de pessoas como o senador Ted Cruz. O protagonismo dele é importante para fazer o alerta e acender a luz amarela. A melhor resposta deverá vir do mercado. Outras redes sociais, que não o Twitter ou o Facebook, concorrentes de ambos, talvez representem a melhor saída para aquilo que parece ter se transformado de solução em ameaça. Ou seja, voltamos ao ponto inicial. É o mercado e a liberdade de mercado que nos dão a maior garantia de que nossa liberdade será preservada.


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