Cuecas

Cuecas

Quando uma empresa não adota ferramentas eficientes de controle e administração, quem paga a conta é o dono ou o acionista.

Guilherme Baumhardt

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Outro dia comprei cuecas. As velhas estavam furadas, entregando os pontos, não aguentava mais minha esposa reclamando. Cuecas normais, tamanho XG, grandes o suficiente para abarcar minha retaguarda e partes íntimas. E nada mais. Para que maiores? Bueno, há alguns dias, graças ao senador Chico Rodrigues (Dem-RR), descobrimos que a roupa de baixo pode ter outras finalidades. Ele não é necessariamente um pioneiro. Anos atrás, em 2005, um assessor do deputado federal José Guimarães (PT-CE) foi também flagrado em um aeroporto com dinheiro na cueca. Minhas cuecas XG de uma hora para a outra ficaram pequenas. No Brasil, graças à classe política, descobrimos mil e uma utilidades para tudo, não apenas para esponja de aço.

Já escondi dinheiro perto das partes íntimas, mas com mais cuidado. Em viagens, em tempos em que cartão de crédito era algo inatingível para um estudante de jornalismo, levava junto à cintura uma pochete (eu sei, eu sei, perdão pela falta de elegância). Mas minha pochete ficava escondida, entre a calça e a cueca, até porque esse negócio é démodé. E é um troço feio pra caramba, deselegante. Minha pochete, porém, nunca carregou mais do que R$ 200.

Levar dinheiro nas roupas íntimas não é exclusividade de políticos ou de um estudante em viagem. Quantas pessoas, para não serem assaltadas no ônibus, não colocaram os poucos e parcos cobres perto do bolso, mas não no bolso? Quem anda no transporte coletivo, porém, geralmente ganha sua grana de maneira suada, sofrida. E honesta. Sabe o que significa ser assaltado e não ter como passar na padaria para comprar pão, leite e margarina para colocar na mesa. É um dinheiro sujo, mas limpo.

Diferentemente dos políticos que foram flagrados fazendo isso, estamos falando de gente que ganha a vida corretamente. E que, se conseguem evitar os assaltantes que invadem ônibus e táxis-lotação, não conseguem ao mesmo tempo fugir das quadrilhas que habitam Brasília e outros setores do serviço público Brasil afora, em estados e municípios. Sim, lá vou eu novamente defender privatização. Não ter empresas estatais não significa zerar a corrupção, mas reduz bastante os canais pelos quais passa o dinheiro – que é limpo quando sai do bolso do pagador de impostos, mas não raras vezes fica imundo ao passar pelo subterrâneo de relações escusas, pelo esgoto de transações pouco republicanas.

Menos estatais significa menos poder na mão de políticos. Menos poder na mão de políticos significa menos gente construindo dificuldades para vender facilidades. Há corrupção e desvio de dinheiro também dentro de instituições exclusivamente privadas. Mas neste caso, o prejuízo é geralmente... privado. Quando uma estatal dá prejuízo, por má gestão ou por bandidagem, quem paga a conta e tapa o rombo é o pagador de impostos. Quando uma empresa não adota ferramentas eficientes de controle e administração, quem paga a conta é o dono ou o acionista. E ela quebra. Mesmo em países com baixíssimo índice de empresas públicas, como os Estados Unidos, existem escândalos. O ex-governador de Illinois, na região dos lagos, Rod Blagojevich, foi condenado a 14 anos de prisão por tentar vender o assento do ex-presidente Barack Obama no Senado, após a eleição dele para a Casa Branca. Cumpriu metade do período e teve a pena anulada pelo atual presidente norte-americano, Donald Trump, sob alegação de que havia ficado tempo suficiente na cadeia. 

No Brasil não é preciso vender nada. No caso do senador Chico Rodrigues, após pedir afastamento das suas funções no Congresso, quem assumirá a cadeira será seu filho, que terá direito a plano de saúde vitalício e aposentadoria após ficar 121 dias no lugar do pai. Em Pindorama, avançamos contra a corrupção. Aqui, o risco de negociar uma cadeira no centro do poder é menor do que nos Estados Unidos. Mas quem paga a conta, ao final, é você. Somos muito mais criativos do que eles. Voltando às cuecas, lembro dos meus pais pedindo sempre para não levar a mão à boca após mexer com dinheiro. Depois do assessor do deputado José Guimarães e do senador afastado Chico Rodrigues, nem mesmo o costume de molhar o dedo na ponta da língua sobrevive. Se não for possível abandonar o hábito, melhor tomar um vermífugo de tempos em tempos. Eca!


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