Estado, o eterno pecador

Estado, o eterno pecador

Não são raros os casos em que nos deparamos com rodovias precárias, esburacadas, sem placas, sem faixas pintadas. Elas não oferecem risco?

Guilherme Baumhardt

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Depois de cinco anos sem cometer infrações de trânsito, fui multado recentemente. Nada grave ou gravíssimo. Em trechos em que a velocidade máxima era de 60 km/h, fui flagrado a menos de 70 km/h, mas ainda assim acima do limite. Não nego, não questiono, estava realmente errado. Que eu pague por isso. Pontos na carteira e dinheiro aos cofres do poder público na forma de multa. Meu ponto aqui é outro. Aquilo que eu não tenho, o Estado tem. E usa e abusa. Vive pedindo desculpas. Quando escrevo “Estado” me refiro ao conceito mais amplo, não necessariamente ao Rio Grande do Sul, embora me atenha principalmente ao Poder Executivo.

Se fui flagrado andando acima do limite, posso até questionar se o equipamento está aferido, se tem o selo do Inmetro, se a sinalização no local era clara. Mas geralmente nestes pontos o poder público não erra. Quando eu sou flagrado acima do limite, o poder coercitivo estatal se debruça sobre mim e me pune. Afinal, é função dele zelar minimamente para que as regras de convivência sejam respeitadas. Eu, ou qualquer outro motorista abusando do acelerador, sou algo que coloca em risco outras pessoas. Pergunto: mas e as ruas e estradas que temos Brasil afora? As que estão sob administração privada, com cobrança de pedágio, são geralmente excelentes. Bem sinalizadas, com boa pavimentação, recebem investimentos, são ampliadas e ganham novas faixas. E aquelas em que não há este aporte e que dependem de gestão pública direta? Como estão?

Não são raros os casos em que nos deparamos com rodovias precárias, esburacadas, sem placas, sem faixas pintadas. Elas não oferecem risco? Eu andando acima do limite represento um perigo, mas e as porcarias que nos são oferecidas e chamadas de estradas? Para mim não há choro e nem ranger de dentes. E nem poderia. Mas e quando cobramos o Estado? O que ouvimos é um rosário sem fim: “Temos problemas financeiros, um déficit que vem de anos, estamos trabalhando para mudar isso, pedimos um pouco mais de paciência”.

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Eu poderia dizer exatamente a mesma coisa: “Estou com problemas financeiros, minha conta está no vermelho há anos, trabalho duro todos os dias para mudar isso e peço a você, Estado, um pouco mais de paciência”. Para mim, não funciona. Se sou parado em uma blitz, guincho. Para a estrada esburacada e as desculpas estatais que se somam, não há muito que possamos fazer. O mesmo vale para a segurança pública. Certa vez uma pessoa próxima que mora em área rural precisou acionar a polícia. Ouviu do outro lado da linha que havia apenas uma viatura disponível e que ela demoraria pelo menos uma hora para atender ao chamado, porque estava em outra ocorrência. Em uma hora um bandido é capaz de estuprar, matar e ainda enterrar um corpo.

Se o Estado não tem capacidade de prover segurança, então que tal se eu fizer isso? Cumprindo ritos e protocolos, ter eu mesmo uma arma para proteger a mim, minha família, minha propriedade. Fácil? Não no Brasil. Além de cara, uma arma em casa representa um custo significativo entre licenças, treinamentos, além das inúmeras justificativas e comprovações exigidas (algumas delas necessárias, diga-se). Mas não é tarefa fácil. Mais uma vez, o Estado que falha ao me proteger cria inúmeros obstáculos para que eu o faça.

O poder público no Brasil é uma espécie de pecador incorrigível, o sujeito com passe livre rumo ao confessionário, que se ajoelha, pede perdão, paga a penitência, sai da igreja e... faz o mesmo no dia seguinte. De novo, de novo e de novo. Enquanto isso, para nós, sobra a coerção estatal. O mais incrível, especialmente em época de eleição, é que diante de um cenário como o descrito acima a solução oferecida por muitos é, acreditem, mais Estado. Para fechar, lembro o velho ex-presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan: “Não espere que a solução venha do governo. O governo é o problema”. Três décadas após deixar a Casa Branca, a frase do republicano ainda não foi ouvida no Brasil.


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