Não há mais limites

Não há mais limites

Aqui algo muito, muito parecido aconteceu.

Guilherme Baumhardt

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Feche os olhos e imagine: um palco montado em um grande evento estudantil, nos Estados Unidos, reunindo parte daquela turma que ainda acredita que dinheiro dá em árvore e repete à exaustão que “um outro mundo é possível” – um mundo que só existe na cabeça deles, é claro. Em meio àquela apoteose alimentada com substâncias e sonhos pueris, um juiz da Suprema Corte norte-americana resolve agarrar o microfone e, com voz incisiva e ao mesmo tempo aveludada, decide falar, na primeira pessoa do plural, a seguinte frase: “We defeated the trumpism!” – ou, em bom português, “nós derrotamos o trumpismo! Seria obviamente um escândalo nacional e no dia seguinte ele renunciaria ao cargo.

Aqui algo muito, muito parecido aconteceu. O protagonista do episódio foi Luís Roberto Barroso (sim, aquele mesmo que disse “Perdeu, mané! Não amola!”, a brasileiros conservadores, em Nova York). Dias atrás ocorreu mais um congresso da UNE, aquele movimento que reúne boa parte dos estudantes profissionais brasileiros, uma moçada que gosta tanto, mas tanto da universidade que não quer sair de lá de jeito nenhum. Durante o evento, Barroso subiu ao palco, pegou o microfone e disse com todas as letras: “Nós derrotamos o bolsonarismo!”.

A lei brasileira (isso ainda existe?) é bastante clara. Configura crime de responsabilidade de ministros do STF exercer atividade político-partidária. A simples presença de Barroso em um evento da UNE (movimento claramente identificado com a esquerda e com lideranças de esquerda) já seria razão suficiente para debate. Mas ele foi além. Discursou.

Barroso foi tão longe que até o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sempre tão paciente e tão passivo, veio a público. O mineiro disse que se o ministro não se retratasse poderia sofrer consequências. O STF emitiu nota e disse que o integrante da Corte “referia-se ao voto popular e não à atuação de qualquer instituição”. E eu fui procurar meu nariz de palhaço. Como a desculpa não colou, horas depois o próprio Barroso tratou de fazer uma emenda – pior do que o soneto: “Utilizei a expressão ‘derrotamos o bolsonarismo’, quando na verdade me referia ao extremismo golpista e violento do 8 de janeiro”. E aí fui até o espelho para ver se o nariz de palhaço estava devidamente ajustado ao rosto.

Sabem o que tira o ânimo? Mesmo que um improvável pedido de impeachment de Barroso seja levado adiante, o nome mais forte hoje a ocupar uma cadeira no STF é o de Flávio Dino. Durma-se com um barulho destes.


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