Vocação para o atraso

Vocação para o atraso

Reflexões sobre o impacto do arcabouço fiscal

Guilherme Baumhardt

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Não me atrevo a destrinchar as minúcias e tecnicidades do arcabouço fiscal, aprovado na Câmara dos Deputados e que agora segue para o Senado. Há gente mais qualificada do que eu para isso e as páginas de economia do Correio do Povo já cumprem este papel. Mas é possível fazer uma espécie de “bê a bá” bastante simples do impacto que a vanguarda do atraso produzirá nas nossas vidas.

Em síntese: o governo federal foi autorizado a gastar mais do que arrecada. Na minha casa ou na sua, isso gera problemas. Entramos no cheque especial, deixamos de honrar compromissos, o gerente do banco nos chama. Como o país tem um poder que nós não temos (o de arrancar dinheiro do nosso bolso via cobrança de impostos), o futuro é previsível: teremos aumento de carga tributária.

Isso significa que vamos transferir para terceiros (leia-se Brasília) o poder de decisão sobre o nosso dinheiro. Em linhas práticas: uma rodovia que poderia ser construída ou duplicada pela iniciativa privada (sempre mais eficiente), cuja obra pagaríamos com a tarifa de pedágio, agora será prometida (sabe-se lá para quando) pelo Estado. Já deveríamos ter aprendido que uma obra pública será sempre mais cara, mais ineficiente e abre as portas para a corrupção – a Lava Jato mostrou, mas gostamos de sofrer. Na educação, no lugar de aumentar as chances de sobrar algum dinheiro para pagar a mensalidade de uma escola particular, ou até mesmo um curso de inglês ou profissionalizante para os filhos, você estará transferindo para os cofres do governo o seu dinheiro, sob a promessa de que a educação estatal “vai melhorar”.

A regra, no Brasil, é: dinheiro a mais nos cofres públicos, salvo raras exceções, significa aumento da máquina, concessão de privilégios e a potencialização da corrupção. E como as decisões são centralizadas em Brasília, os amigos do rei ficam felizes, neste sistema de capitalismo de compadrio típico de Banânia.
Os teóricos de plantão (entre eles não coloco Fernando Haddad, pois tenho sérias dúvidas sobre o seu real conhecimento do tema) remetem a John Maynard Keynes, para defender a intervenção estatal na economia como forma de impulsionar crescimento e desenvolvimento. O que esta turma esquece – e o professor de economia Ronald Hillbrecht lembrou muito bem, durante o “Boa Tarde, Brasil”, na Rádio Guaíba – é que as circunstâncias nas quais o receituário keynesiano funcionou eram singulares – um mundo pós Primeira Guerra Mundial. Na época, o tamanho da máquina pública mundo afora era diminuto, a inflação não era um problema e os Estados não estavam endividados como estão hoje. Se Keynes não funciona, qual a saída? Menos Estado, menor interferência, maior liberdade para empreender e trabalhar. Foi a fórmula adotada pelos países que mais se desenvolveram no mundo.

Alguns mais otimistas colocam suas fichas no Congresso, como se fosse uma espécie de tábua de salvação. Pela regra parcialmente aprovada, decisões sobre gastos extras e aumento de impostos precisarão passar pelos parlamentares. Faço uma simples pergunta: o arcabouço foi aprovado por quem, mesmo? Sim, pelo Congresso. Ou seja, tirem o cavalinho da chuva. Se fosse uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), ela teria votos suficientes para ser aprovada. Em bom português: trata-se apenas de “assinar o cheque”, liberando verbas, emendas, cargos... para aprovar o que o governo bem entender.

Chama a atenção a vocação brasileira para o atraso. Para cada passo adiante (teto de gastos), damos dois passos para trás (arcabouço fiscal). E tratem de trabalhar. Carlos Lupi, o pedetista ruim de voto, mas com habilidade incrível para virar ministro (Previdência), já ressuscitou a ideia da volta da CPMF.


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