Em busca da confiança perdida

Em busca da confiança perdida

Em boa parte da imprensa, professores do vácuo e especialistas em coisa alguma ocuparam espaços generosos do noticiário.

Guilherme Baumhardt

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Um levantamento feito pelo instituto Gallup mostrou que a confiança dos norte-americanos nas chamadas mídias de massa despencou nas últimas cinco décadas, com um salto considerável rumo ao abismo a partir de 2018. É sintomático, é grave e mostra que há um desafio gigantesco para algumas das grandes empresas do ramo nos Estados Unidos. O ponto de ruptura mais radical ocorre a partir da eleição de Donald Trump, que vivia às turras com a imprensa – em boa parte dos casos com razão, acertando no conteúdo, mas errando, talvez, na forma. A agressividade do ex-presidente, mesmo que a verdade estivesse ao seu lado, talvez tenha lhe custado a reeleição, junto de outros fatores (a pandemia, o principal deles).

Não há problema algum em veículos de comunicação externarem sua opinião e, em alguns casos, levantarem determinadas bandeiras e defenderem ideias simpáticas a eles. O problema é que a saudável separação entre o que era opinião e notícia foi para o espaço, e páginas de jornais que deveriam oferecer notícias passaram a trazer editoriais travestidos de informação. O público não é bobo e percebeu isso.

O fenômeno é norte-americano, mas é possível fazer um paralelo com o momento brasileiro, mesmo que não existam pesquisas recentes sobre o cenário nacional. Há inúmeras semelhanças, a começar pela ruptura política trazida por Jair Bolsonaro, que, neste caso, se assemelha muito a Trump. O que vimos ao longo dos últimos quatro anos no Brasil, principalmente durante a pandemia, foi o espancamento do bom jornalismo, em nome de uma causa.

Em boa parte da imprensa, professores do vácuo e especialistas em coisa alguma ocuparam espaços generosos do noticiário. O bom debate que deveria ser feito também pela imprensa foi sepultado em alguns veículos. Parecia existir uma única verdade: aquela que interessava ao grupo de imprensa em questão. E, mais uma vez, o público não demorou para perceber isso.

No caso da pandemia, o tempo está se encarregando de colocar as coisas no seu devido lugar. A política que estabeleceu os chamados lockdowns hoje já é vista com desconfiança por muito mais gente do que na época que o “fecha tudo” era levado adiante. Para isso há conserto. Levará tempo, mas um mea culpa de parte da imprensa – como já ocorre na Europa e nos Estados Unidos, com algumas empresas de comunicação – pode ser o ponto de partida para a recuperação da credibilidade perdida. Mas é um processo longo, que levará tempo. O mais difícil, porém, será superar aqueles que se sentiram traídos. Cito aqui como exemplo o jornal O Estado de S. Paulo, que recentemente externou preocupação em editoriais com decisões do Supremo Tribunal Federal. Parece uma guinada e tanto quando olhamos no retrovisor e comparamos com as páginas do jornal dos últimos anos. Reconhecer o erro e corrigir a rota não é o problema. O problema é que o velho “Estadão”, para muitos dos seus leitores, não foi fiel à própria história. O jornal que sempre foi conhecido por ser uma publicação de perfil conservador – uma marca construída ao longo de décadas – rompeu laços com boa parte do seu público. E isso é visto como traição. Corrigir algo assim talvez seja impossível.

Nesta semana, o jornalista Tucker Carlson, que era a maior audiência da TV norte-americana e deixou a Fox News recentemente, anunciou que fará o seu programa, ao vivo, no Twitter – plataforma recentemente adquirida pelo empresário Elon Musk, um ferrenho defensor da liberdade. Não é pouca coisa. 

A imprensa tradicional, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, segue tendo papel relevante por ser um ator com força e uma missão a cumprir. Há jornais históricos, como o próprio Correio do Povo (prestes a completar 128 anos) e outros tantos, com uma reputação que não foi construída da noite para o dia. O momento é de ajuste, como foi com a chegada do cinema, rádio, televisão e internet.

Para fazer a travessia, o mais importante, ao que tudo indica, é manter-se fiel aos seus princípios.


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