Teatro em reforma

Teatro em reforma

Local de manifestações políticas e cívicas, mas também culturais e educativas, o Teatro Dante Barone passará por uma ampla obra de recuperação que está prevista para começar em março de 2022

Por
Mauren Xavier

Compromisso não só político e cívico, mas também cultural e educativo. Foi com esta premissa que, após três anos de obras e custo estimado de 1 bilhão de cruzeiros, na noite de 22 de dezembro de 1970, o auditório da Assembleia Legislativa abriu oficialmente suas portas. Um evento que atraiu autoridades de diversas áreas. E não era para menos, queriam conhecer o então mais moderno auditório do país. Passando pelo vestíbulo nobre, subiram os oito degraus que levavam até o grande salão, com área total de 1.200 metros quadrados, onde estavam dispostas as quase 600 poltronas. Pela inclinação do local, todas ofereciam vista privilegiada do palco, com seus 20 metros de largura. Ao lado, a decoração das paredes se destaca, em madeira torneada, roliça e vazada. A visão se completa com o forro formado por 100 bacias quadriculares suspensas, de fiberglass (composição de fibras de vidro com resinas) na cor avermelhada. 

Mas não foram apenas os contornos arquitetônicos e as inovações que atraíram as atenções. Em um momento delicado da história brasileira, em pleno regime militar, o espaço buscava não só promover atividades, mas ser palco delas. Neste período, foi conhecido como foco de resistência à repressão e à censura, e considerado tribuna de livre manifestação. “Censura aqui não”, complementa Nicéa Brasil, que foi diretora da Cultura da Assembleia na década de 70.

Assim, pelo auditório, que se tornou teatro, é possível acompanhar a evolução política e cultural da cidade, do Estado e do país. E, logicamente, as histórias não são poucas. Apresentações únicas, discussões, convenções e manifestos dos mais diversos espectros ideológicos, brigas, confusões, protestos e até desfiles de moda compõem esse álbum de recordações, em constante construção. E, mesmo fazendo parte do complexo do Palácio Farroupilha, onde fica a Assembleia, o Teatro Dante Barone manteve vida própria. Agora, após meio século, passará por nova atualização, com uma ampla obra de recuperação, que, se o cronograma vingar, começará em março de 2022. 

Diretor de Logística da Assembleia, Cristiano Ferreira Pereira, que coordena o processo de licitação, resume as melhorias como “uma modernização de um teatro de 50 anos para os olhos atuais". As obras buscam ampliar a acessibilidade ao Dante Barone, trazer maior segurança, como na questão da prevenção a incêndios, entre outras, e deixá-lo com perfil mais multiúso. As intervenções mais recentes foram no início dos anos 2000, que inclusive reduziu a quantidade de público para os atuais 557 lugares. 

No dia 24 de setembro, serão recebidas as propostas das empresas interessadas em fazer os projetos. A escolha se dará por uma nota composta por preço e conhecimento técnico. "Esperamos ter até o começo de outubro a empresa selecionada e contratada, para, a partir deste ponto, começar a fazer os projetos propriamente ditos", pontua Pereira. O presidente da Assembleia, Gabriel Souza (MDB), celebrou o avanço no processo de licitação, uma vez que deveria ter começado no início da atual gestão, em 2019. Porém, foi interrompido por ação judicial do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS). Na ocasião, o conselho questionou a maneira como a licitação se daria, selecionando a empresa apenas pelo menor valor. Assim, o atual processo leva em conta também o perfil técnico das interessadas. Essa combinação faz com que a seleção das interessadas passe por uma verdadeira equação aritmética. Sobre os futuros projetos, a vencedora deverá levar em consideração questões como arquitetura, acústica, luminotécnica (planejamento da iluminação artificial), elétrico e de acessibilidade, além da questão da segurança e conforto térmico. O custo estimado da obra é de R$ 10 milhões, em recursos já reservados. Assim, haverá a recuperação da estrutura, mas "o conjunto arquitetônico será mantido", assegura o diretor. 


O espaço ficou fechado algum tempo durante a pandemia, mas reabriu com as flexibilizações. Fotos: Ricardo Giusti

A preservação arquitetônica tem justificativa. O espaço guarda as características originais da construção do Palácio Farroupilha, baseada no projeto dos arquitetos de São Paulo Gregório Zolko e Wolfgang Schöedon, vencedores de um concurso nacional na década de 1960. Assim, as mesmas linhas arquitetônicas sóbrias e arrojadas utilizadas no prédio principal foram mantidas para a construção do Dante Barone. “É um dos grandes prédios símbolos do modernismo no Brasil", pontua Luiz Carlos Barbosa, servidor aposentado da Assembleia e que por quase uma década foi diretor de Cultura do Legislativo. 


Um dos objetivos das obras é ampliar a acessibilidade no teatro. Fotos: Ricardo Giusti

A vida real no palco

Assim como um espetáculo, o Dante Barone já foi palco de vários acontecimentos políticos simbólicos. Após meses de discussões e com o otimismo da redemocratização, a comemoração da Constituição do Rio Grande do Sul, após a promulgação no plenário, ocorreu no Teatro Dante Barone, em outubro de 1989. Temas atuais também tiveram no centro de amplas discussões no espaço, como o Pacto pelo Rio Grande, em 2006, que foi um fórum multipartidário focado na discussão sobre a crise estrutural do Estado. 

Presidentes da República também participaram de atos antes, durante ou depois de ocuparem os cargos. Um exemplo foi a passagem do atual presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2016, quando ainda era deputado federal filiado ao PP. À época, ele participou como convidado de um evento promovido pelo deputado estadual Sérgio Turra (PP). Na ocasião, Bolsonaro iria fazer palestra sobre o momento político. Ao chegar ao teatro, Bolsonaro foi atingido por um "banho de purpurina" jogado por ativistas. Após, a agitação na plateia foi intensa, seguida por tumulto e briga, o que causou fechamento do local e cercamento do teatro pela Brigada Militar, encerrando o evento. 

Outro momento tenso ocorreu no dia 30 de março de 2015, durante a passagem do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB), que veio ao Estado para promover palestra sobre reforma política, a ser realizada no Dante Barone. A princípio seria uma festa emedebista, com a presença de várias lideranças, como o então vice-presidente da República, Michel Temer. Porém, não houve condições de o evento ocorrer, diante da presença de manifestantes que gritavam e vaiavam cada vez que alguns dos integrantes da mesa começavam a falar, em especial o convidado principal. Os protestos eram porque naquele momento cabia a Cunha aceitar ou não um pedido de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff. Com a situação longe de ser controlada, a solução foi, às pressas, levar os convidados para o plenário da Casa para que o evento fosse realizado. Enquanto isso, no Dante, um cordão de isolamento foi feito para conter os manifestantes. Em dezembro de 2015, Cunha aceitou a denúncia contra Dilma Rousseff, que resultou no seu afastamento do cargo. Também foi no Dante Barone que ocorreu um dos primeiros atos a favor dela após o afastamento, em maio de 2016. No dia 3 de junho, Dilma participou de ato e defendeu seu mandato a apoiadores que ocuparam todos os espaços e se concentravam do lado de fora na Praça da Matriz. 

"É um símbolo de espaço público, cultural e democrático de Porto Alegre. Recebe convenções partidárias de vários partidos, por exemplo", pontua Gabriel Souza. Sobre esse perfil democrático, recorda de uma experiência que vivenciou no palco do teatro, em 2015, quando presidia a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que, naquele momento, discutia o polêmico projeto que proibia o sacrifício de animais. "Era relator do projeto e levei a sessão da CCJ para o Dante Barone. O espaço foi dividido, de um lado os representantes das religiões de matriz africana e, do outro, os que defendiam os animais. O espaço ficou completamente lotado", recorda, lembrando ainda que seu parecer foi contrário ao projeto e acabou sendo rejeitado por 11x1. "Li o parecer, com aquela pressão toda. Mas foi interessante. É um exemplo do quanto o Dante consegue vivenciar a divergência", pontuou.

Se o espaço consegue receber a divergência, também faz a convergência. No seu terceiro mandato como deputado estadual, Edegar Pretto (PT) recorda ainda com emoção do primeiro encontro gaúcho dos homens pelo fim da violência contra as mulheres, em dezembro de 2011. “Estava angustiado porque tinha receio de que a presença de mulheres fosse maior. Mas isso não se confirmou. Lotamos o Dante Barone para falar sobre um assunto tão importante. Outro momento foi quando, no meio do evento, entrou o ex-jogador Fernandão (ídolo do Internacional) para discutir o assunto”, relembra. 

Outra ocasião, recorda Pretto, foi o encontro estadual do partido que levou o nome de seu pai, Adão Pretto, em 2010 (um ano após a sua morte), no qual Tarso Genro foi lançado pré-candidato ao governo do Estado, vindo a ser eleito meses depois, ainda no primeiro turno. “Foi um momento muito emocionante, pela questão familiar e política”, lembra. Edegar Pretto não foi o único que uniu vida política e pessoal no palco do Dante Barone. 

Em 1994, Luciana Genro foi eleita, aos 23 anos, como deputada estadual pelo PT. Da diplomação, ainda guarda a foto na qual está com o pai, Tarso Genro. No mesmo local, 22 anos depois, ela foi lançada candidata à prefeitura de Porto Alegre pelo PSol. Novamente há o registro fotográfico, mas, desta vez, é com a mãe, Sandra. "Esses dois momentos acabam sendo lembranças políticas e familiares. A diplomação foi um momento muito emocionante, porque eu era muito jovem. E, depois, na campanha à prefeitura, a situação era outra. São momentos importantes da minha trajetória política e que tive o privilégio de ter pessoas da minha família ao meu lado. Então, há um vínculo afetivo", recorda Luciana. 

Assim como ocorreu com Tarso, o Dante se tornou palco de diversas convenções partidárias, em especial pelos grandes partidos, que após o nome confirmado, ocuparam a cadeira do Palácio Piratini. Assim, basicamente, nas duas últimas décadas, todos os governadores e a governadora foram lançados ali. Em maio de 2002, o deputado federal Germano Rigotto (MDB) teve seu nome lançado, pela primeira vez, à disputa do Palácio Piratini, em um encontro do PMDB Mulher, que reuniu mais de mil pessoas na parte interna e externa do Dante Barone. Cinco meses depois, após ter entrado na disputa com 3% das intenções de votos, consagrou-se vitorioso na disputa, enfrentando no segundo turno Tarso Genro. 

Seguindo a ordem cronológica, quatro anos depois, em maio de 2005, com o Barone lotado, o PSDB lançou a então deputada federal Yeda Crusius ao governo do Estado. Vitoriosa na disputa, ela se tornou a primeira mulher governadora do RS. Em 2010, foi a vez de Tarso Genro. Quatro anos depois, em março de 2014, José Ivo Sartori (MDB) saiu do palco do teatro pré-candidato, ao disputar a prévia interna do partido e ser eleito nas urnas meses depois. No caso do atual governador, o trajeto foi similar, mas o lançamento de Eduardo Leite (PSDB) na disputa, ainda como pré-candidato, ocorreu praticamente um ano antes do pleito, em novembro de 2017, quando foi escolhido presidente estadual da sigla. Até agora, a convenção tucana no Dante foi considerada a maior da história do partido no Rio Grande do Sul. 

Contudo, o espaço democrático precisou fechar suas portas por algum tempo durante a pandemia. Com as flexibilizações, sua utilização voltou a ocorrer, beneficiada exatamente pelo seu tamanho, que permite receber público com distanciamento. Assim, o espaço passou a ser usado para entregas de homenagens e seminários. Um dos momentos mais emocionantes dos últimos meses foi a entrega da Medalha do Mérito Farroupilha aos familiares do primeiro-tenente Deroci de Almeida da Costa e do segundo-sargento Lúcio Ubirajara de Freitas Munhós, que faleceram durante o combate ao incêndio no prédio da Secretaria Estadual de Segurança Pública, em 14 de julho. 

Uma prova da diversidade das atividades é que na Copa do Mundo de 1998, realizada na França, foi montado um telão no Dante para que os funcionários pudessem assistir ao jogo da abertura da competição, entre Brasil e Escócia, dia 10 de junho. Naquele mesmo ano, em outubro, o teatro recebeu a I Mostra do Cinema Gaúcho. E como estamos falando de pluralidade, uma das próximas atividades que o espaço abrigará será o Concerto da Democracia, a ser realizado no dia 15 de setembro, com a apresentação da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa). O evento busca celebrar o fato de que a Assembleia Legislativa foi a única a não fechar suas portas no período mais duro do regime militar.

Teatro fechado, auditório aberto

É 20 de setembro de 1967. O Rio Grande do Sul enfrentava mais uma vez uma onda de fortes chuvas, as águas avançavam e cobriam ruas de cidades como Porto Alegre. Enquanto isso, parte das atenções voltava-se para o ponto alto do Centro Histórico da Capital. Especificamente para a Praça da Matriz. Era lá que havia uma transformação urbanística. Em um acerto entre Legislativo e prefeitura, na década de 1950, o então auditório Araújo Viana, que era, na verdade, uma concha acústica, havia sido deslocado para o parque da Redenção, onde está até hoje. Com a localização escolhida, enfim estava consolidada a "tradição" iniciada pelos açorianos de manter os três poderes no ponto dominante, à época, da cidade.

Assim, era erguida uma grande estrutura, o Palácio Farroupilha. Como descrito nas páginas da Folha da Tarde, era “moderno e de bela arquitetura” e seu interior “não tem requinte de luxo, é tranquilo, sóbrio e digno”. É neste projeto, que demorou sete anos para ficar pronto, que nascia o auditório, que veio a ser chamado posteriormente de teatro Dante Barone, que só foi inaugurado em dezembro de 1970, três anos depois da ocupação do prédio, sendo a última parte do potente empreendimento a ser entregue. 

Segundo registro do Correio do Povo, em seu discurso, no dia da inauguração, o então presidente da Assembleia, deputado Octávio Germano, citou as mudanças no projeto original, o que fez com sua inauguração demorasse mais tempo para ser finalizada. A princípio o espaço seria apenas para atividades cívicas e políticas, uma extensão das atividades legislativas. Justificou que a mudança buscava garantir a aproximação com a sociedade, causando a atualização do projeto, permitindo que fosse um instrumento de arte. 

Luiz Carlos Barbosa complementa que essa diversificação de utilidades do auditório está relacionada ainda ao deslocamento do Araújo Viana para a Redenção. Destaca que a classe artística e os produtores culturais fizeram um movimento para que pudessem ter um espaço cultural na região. “No decorrer da obra, o projeto foi alterado, sendo também espaço para apresentações culturais", recorda Barbosa. "Por isso, o Dante Barone é uma síntese da relação política com a cidade. Foi fruto da convergência", cita.

O atual diretor de Logística da Assembleia também pontua que, para repor essa lacuna deixada pela saída do Araújo, o auditório, que inicialmente era destinado aos parlamentares, reuniões e debates, começou a migrar seu uso, também para algumas coisas de teatro, se tornando assim um espaço mais eclético e, tendo entre os seus pontos positivos, a acústica privilegiada. "Essa é uma questão que queremos manter e potencializar com a obra", pontua Cristiano Ferreira Pereira, diretor da Assembleia.

O espaço no Legislativo tinha características específicas à época do seu lançamento. Tinha 600 lugares, o que lhe assegurava proporção intermediária no quesito capacidade de público. Naquele momento, a renovação dos auditórios era uma constante pelo mundo e, neste ritmo, Porto Alegre também vivenciava uma grande renovação dos seus espaços culturais, como o da PUCRS e o Teatro da Sogipa. 

Assim, desde a sua inauguração, teve uma programação intensa de apresentações teatrais, exibição de filmes e apresentações de dança e música. Sobre esses anos, Barbosa cita os ciclos de cinema de produções internacionais, como francesas, e peças teatrais que lotavam os espaços. Porém, essa atribuição foi impulsionada ainda por dois fatores: a atuação do ex-diretor Dante Barone, que dá nome hoje ao espaço, e ao fechamento temporário do Theatro São Pedro (TSP). 

No início da década de 70, em função de problemas estruturais, o famoso São Pedro interrompeu as atividades, o que seguiu até 1984. Neste período, Dante Barone, que havia sido administrador do São Pedro por quase quatro décadas, acabou por transferir muito da programação e das atividades ao auditório do Legislativo. 

Sobre o momento político da época, que estava em meio ao regime militar, Antonio Hohlfeldt, que hoje está à frente do TSP, recorda que havia uma perseguição contra alguns espetáculos, não especificamente em relação aos espaços. Para Nicéa Brasil, que foi diretora da Cultura da Assembleia, o auditório na época exercia um papel culturale político. "A censura não entrava lá. A censura tentou barrar alguns espetáculos, alguns filmes. E nem eu e nem o sr. Barone, claro que resguardados, deixávamos”. Barbosa lembra que também havia a sensação de segurança por causa do Legislativo, por ser um poder institucional, que jamais seria invadido. “Essa certeza, assegurou ainda mais como um espaço democrático e que as entidades e os sindicatos, por exemplo, tinham segurança para se organizarem, sem risco de repressão", complementa Luiz Carlos Barbosa. 

Ainda sobre os anos 70, Nicéa Brasil recorda ainda que uma noite o filme ‘Encouraçado Potemkin’ (1925) foi exibido várias vezes durante uma noite. “Foram cinco, seis sessões. Por causa da demanda. Porque era um dos poucos lugares, talvez o único em Porto Alegre onde exibia. Primeiro porque era gratuito e porque não havia nenhum tipo de censura”, pontua. "Inclusive o departamento de censura funcionava do outro lado da praça da Matriz, então nós íamos lá e pedimos. Depois, a gente parou. E quando pediam o papel, a gente dizia que não tinha papel”, relembra. Sobre possíveis atenções do governo da época às atividades no auditório, ela cita que, curiosamente, recentemente obteve acesso à “ficha” do Ministério da Justiça sobre II encontro estadual de teatro, que ocorreu em 1978, no auditório da Assembleia. Outro momento emblemático, recordado por Nicéa, foi a apresentação de um grupo de dança vindo da União Soviética, no final da década de 70, que também ocorreu no auditório. 

Com a reabertura do teatro vizinho, o volume de apresentações reduz, e o então auditório da Assembleia passa a receber atividades das mais variadas, como atividades políticas. "Fazíamos várias atividades internas e, para não ocupar o auditório, por causa das peças, usávamos o plenário (da Assembleia). Mas isso muda com o tempo, e no plenário, as atividades ficam mais restritas. Daí migramos para o auditório, que passa a dividir a agenda entre atividades culturais, políticas e da sociedade", pontua Nicéa Brasil. A movimentação política partidária também amplia com a redemocratização, no final dos anos 80 e início dos 90, e o crescimento no número de siglas.

O Sr. Dante Barone


Foto: CP Memória

Porto-alegrense de origem italiana, Dante Barone nasceu no início do século passado em uma Capital bem diferente da atual, na qual era possível sentir o cheiro dos matadouros e charqueadas que existiam em Guaíba. Dedicou a vida às artes, assim como seus outros quatro irmãos. No seu caso, a estreia no mundo teatral ocorreu aos oito anos, quando participou de uma peça de teatro no Theatro São Pedro (TSP). A relação só cresceu e, em 1938, assumiu como administrador, cargo que exerceu até se aposentar, em 1970. Foi no teatro que viu a cidade crescer, assim como o perfil do público. 

À época, o Theatro São Pedro era frequentado pela “elite”. Em contrapartida, Dante ficou conhecido por “conceder ingressos gratuitos" aos estudantes e aos que não tinham condições de pagá-los. A prática fez com que alguns o chamassem de interesseiro ou louco. Sobre o comentário, Dante respondeu uma vez dizendo que só “traz satisfações de todos estes anos de trabalho”. Até hoje, a ação é relembrada por alguns dos beneficiados pela atitude. "Quando comecei a ir no teatro, em 1965, e não tinha dinheiro, ele deixava a gente entrar. Muita gente assistiu espetáculos apenas porque ele deixava entrar sem pagar", recorda Antonio Hohlfeldt. Nicéa Brasil também tem a mesma recordação. “Nós íamos no TSP e ficamos do lado de fora, esperando que o seu Barone dissesse ‘podem entrar’. Então, assistimos aos espetáculos de graça. Assisti a grandes espetáculos no TSP.” 

O perfil exigente e dedicado é relembrado por aqueles que conviveram com mais proximidade. Nicéa Brasil, por exemplo, exalta a postura profissional e o comprometimento de Dante. “O Barone era de uma dedicação com o trabalho excepcional. Não tinha fim de semana para ele, nem folga, nem horário. O seu Barone estava sempre ali”, comenta. Hohlfeldt também avaliza a homenagem e considera que é impossível falar de cultura e não citar Dante Barone e recorda que foram inúmeras as contribuições trazidas por ele à cultura. Entre elas, ele criou o primeiro festival de Coros, uma atividade que teve grande repercussão e tornou-se um evento internacional. Barone também presidiu a Casa do Artista Riograndense, que amparava e acolhia velhos artistas. "O Barone morava em um apartamento bem pequeno na rua da Ladeira (General Câmara). E ele cuidava da casa do Artista Riograndense. Subindo a lomba com pilhas de sacos de supermercados e, tenho certeza, que depois ele levava para ajudar os velhinhos”, pontua.

Pela sua atuação a favor da arte do Estado, Dante Barone foi homenageado com a Medalha Simões Lopes Neto. Na entrega da distinção, o trabalho que Dante desenvolveu à frente do auditório da Assembleia foi reverenciado. “Através de seu moderno auditório, incorporou-se à vida social e artística da nossa Capital. Prova disso foram as 100 mil pessoas que este ano (1977), ocuparam suas acomodações, por ocasião da realização de seus 300 espetáculos apresentados”. “Você transformou o nosso auditório na catedral de sua vida artística e fez da luta que há tantos anos vem desenvolvendo em favor das artes, da cultura e dos artísticas em verdadeiro sacerdócio”, dizia a homenagem, assinada pelo então presidente da Assembleia, deputado Nivaldo Soares, reproduzida no jornal Correio do Povo. 

Ao receber Medalha Simões Lopes Neto, em cerimônia no Palácio Piratini, então com 70 anos recém completos, em 1977, sem modéstia, disse que a medalha era “uma espécie de justiça divina”, como registrado em reportagem da Folha da Tarde. “Desde 1970 estou trabalhando para o Poder Legislativo. Não tenho vínculo empregatício. Só um cargo em comissão. Se continuo aqui, é porque estou bem servindo. E pretendo continuar até que não me queiram mais”, disse. Quis o destino que fosse o contrário, uma vez que ficou no cargo até quando faleceu, em 1986. Um ano depois, em 15 de setembro de 1987, o espaço recebeu o seu nome, que passa a ser chamado, em 2002, após reformas e a sua reabertura, oficialmente de Teatro Dante Barone. Como permanece até os dias atuais, assim como as premissas citadas no início da reportagem, de ser um espaço não só político e cívico, mas também cultural e educativo.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895