Escalada solitária

Escalada solitária

Amanda Criscuoli é a única atleta em todo o Rio Grande do Sul que pratica profissionalmente a escalada esportiva

Por
Carlos Corrêa

Por um breve momento, imagine praticar algum esporte no qual você é o único atleta profissional em todo o Estado. Estranho? Não para Amanda Criscuoli, que não precisa fantasiar uma situação assim, afinal de contas não há mais nenhum outro atleta da escalada esportiva no Rio Grande do Sul além dela. Aos 15 anos, divide os treinamentos com outros colegas, mas profissionalmente, só ela mesmo. Mais ninguém.

Levando-se em conta que a escalada, pelo menos no viés esportivo, é algo relativamente novo na comparação com outras modalidades mais tradicionais como, por exemplo, atletismo, natação e futebol, não chega a surpreender ainda estar em uma fase de amealhar seguidores. Mas apenas um profissional em todo o Estado é uma situação que chama a atenção da própria Amanda.

“É bem diferente. Acabo não tendo muita base de comparação para saber como estou evoluindo. É mais difícil saber se estou melhorando ou ficando igual”, explica ela, citando, por exemplo, o treinador, que tem um nível técnico mais aprimorado e que não pode servir de parâmetro. Fora isso, ter mais gente seria o ideal também por outros aspectos. “Falta uma presença adolescente e feminina”, comenta.

O mais curioso é que a escalada nunca foi algo solitário para Amanda. Pelo contrário. Filha de um casal de praticantes da modalidade – bem antes de virar esporte, com o foco muito mais na aventura –, ela conta que ainda bebê já era levada junto. “Com 3 meses me levavam, com 3 anos eu comecei a escalar brincando e com 6 eu peguei um gosto mais profissional, a treinar mesmo. Meu primeiro treinador foi meu pai”, diz, revelando logo em seguida que o seu primeiro campeonato foi com 8 anos.

Tanta intimidade com as rochas e as cordas fez com que tempos depois ela encarasse com naturalidade o que para muitos pode parecer uma loucura: subir parede acima apenas com a força do corpo a alturas nas quais não convém nem olhar para baixo, quem dirá estar pendurado lá em cima.

Não por acaso, a atleta fala de marcas como 30 ou 40 metros como se fossem pouco mais que a porta de casa. “Até hoje, quando as pessoas ficam sabendo que eu faço escalada, me perguntam se eu não tenho medo de morrer”, brinca Amanda. Mas e não tem mesmo? “A escalada é muito envolvida com equipamento de segurança, é muito raro acontecer alguma coisa”, observa ela, lembrando que a lesão mais séria que já sofreu foi indoor, ao cair em um colchão mais duro, mas que, por exemplo, nunca teve qualquer tipo de fratura.

Em vez de problemasmais graves decorrentes de quedas de grandes alturas, Amanda conta que as lesões mais comuns estão muito mais ligadas à rotina de treinos do que qualquer coisa. Ela cita, por exemplo, que é comum os atletas terem problemas nas articulações dos dedos, em função da força que exige para os movimentos, ou mesmo lesões musculares menores.

Em 2016, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou que a escalada estaria entre as modalidades que seriam integradas ao programa dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020. A luz dos holofotes jogou mais atenção sobre um esporte que parecia escondido, pelo menos na comparação com os demais.

As disputas na Olimpíada serviram para despertar ainda mais a curiosidade do público e para deixar claro que se trata de um esporte fácil de entender. Quem pratica a escalada, no entanto, não viu com bons olhos a decisão do COI em Tóquio, que fez uma espécie de mescla de diferentes modalidades – boulder, velocidade e dificuldade – em uma só, quando na verdade vários atletas são especialistas em uma delas. Muito grosso modo, seria como reduzir as várias diferentes distâncias da natação apenas à disputa dos 100m livre.

A expectativa é que a presença na mídia durante os Jogos traga mais atletas para a modalidade. Há um projeto em andamento da Associação Brasileira de Escalada Esportiva (Abee) que planeja recrutar mais atletas para estabelecer uma categoria de base consistente no país buscando o longo e médio prazos. Existem ainda alguns percalços no caminho, como a falta de uma programação maior de competições no país. No âmbito regional, a última disputa foi ainda antes da pandemia da Covid-19 – há um torneio programado para outubro no Estado, mas que ainda depende de liberação da Abee. Para o mesmo mês, está previsto o campeonato brasileiro, em Curitiba.

Aos interessados, um spoiler: os treinos são tão puxados como em qualquer outro esporte. Ao contrário do que poderia se imaginar, o foco não é apenas em exercícios que fortaleçam os braços. “A escalada tem um foco grande nas pernas também, tem bastante coisa de salto. Muita gente tem essa impressão de que a força está no braço. Quem está começando faz mais força no braço até entender que tem toda uma técnica que facilita a escalada, botando mais força na perna”, descreve Amanda.

Aos 15 anos, a gaúcha sabe que o tempo está a seu favor e que a carreira na escalada profissional está ainda nos seus primeiros passos. Agora que a modalidade está incluída no programa olímpico, não é difícil imaginar qual é um dos maiores sonhos de Amanda em um futuro próximo. “Com certeza é um sonho para mim, sempre quis estar nas Olimpíadas. Imagina, só de estar lá”, conta, sem segurar o entusiasmo adolescente, para logo em seguida continuar: “Quando eu era pequena, queria muito ir, mas não tinha escalada nos Jogos. Quando descobri que ia ter, nossa, enlouqueci, queria muito ir já para essa edição (Tóquio-2020). Só que nem podia, porque na escalada tem um limite de idade, tem que ser, no mínimo, a partir de 16 anos”, explica ela, sem trocadilhos, mirando alto.

A presença da atleta nos Jogos Olímpicos de Paris-2024 tem muito mais cara de projeto do que de sonho. Mesmo com 15 anos, Amanda fala com segurança e conhecimento sobre a estrutura e os investimentos na modalidade no Brasil nos últimos anos. Conta que se a organização ainda carece de uma categoria de base mais estabelecida, por outro lado, a organização está bem melhor e foi por detalhe que o país não teve um representante na Olimpíada deste ano.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895