ICMS que pesa no bolso

ICMS que pesa no bolso

Desde 2015, o Rio Grande do Sul convive com alíquotas majoradas do imposto

Por
Eduardo Andrejew

Basta circular pelas ruas, conferir o preço dos produtos nas vitrines, fazer as compras no supermercado, pagar a conta do telefone ou da energia elétrica e, principalmente, abastecer o carro no posto. A constatação é invariável: tudo está muito caro. Para além da crise econômica ou do preço do barril do petróleo no mundo, que afetam todos os brasileiros, o cidadão gaúcho vive uma situação particular. Desde 2015, o Rio Grande do Sul convive com alíquotas elevadas de ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação). Assim, o tributo, que incidia em 25% sobre gasolina, álcool, energia elétrica e telecomunicações, foi para 30%. E a alíquota geral, que incide em praticamente todos os demais produtos (vestuário, calçados, eletrodomésticos, entre outros), foi de 17% para 18%.

A medida, na época tomada pelo então governador José Sartori, visava aumentar a arrecadação estadual para equilibrar as contas. Seis anos depois, entretanto, a sociedade gaúcha e as empresas do Estado seguem com este peso extra no orçamento. O governo de Eduardo Leite optou por manter as alíquotas majoradas, inicialmente por mais dois anos, com o argumento de buscar o equilíbrio nas contas. Porém, para surpresa e decepção de muitos, acabou prorrogando as alíquotas elevadas para 2021, sob o compromisso de que, no próximo ano, os índices retornarão aos patamares anteriores a 2015. O consolo é que, neste ano, a alíquota para o ICMS geral está um pouco mais baixa, pois foi de 18% para 17,5%. Porém, segue em 30% para gasolina, energia e telecomunicações.

A situação, que afeta diferentes setores da economia, também atinge o bolso do consumidor, que já convive com a crise da pandemia do coronavírus. Por tudo isso, ele é obrigado a ser bastante seletivo na hora de comprar. “A gente precisa fazer muita pesquisa para achar um preço bom”, reconhece Adriana Rosa Fontoura, 53 anos, que no momento está desempregada. O motorista Luís Otávio da Silva, 44, nota os efeitos da majoração especialmente na gasolina. “E a gente vê que em Santa Catarina está mais barato do que aqui”, compara.

De fato, no estado vizinho a alíquota para gasolina, por exemplo, está em 25%, enquanto que a alíquota geral está em 17%. E essa diferença tem consequências. Significa, alertam as entidades empresariais gaúchas, que o Rio Grande do Sul perde competitividade em relação a outros estados da Federação, o que dificulta a atração de investimentos. Com essa desvantagem, a previsão de muitos é que a roda da economia vai demorar mais tempo para engrenar em um cenário pós-pandemia. Embora representantes de diferentes setores tenham reconhecido a necessidade de o governo estadual equilibrar as contas, a opinião geral agora é de que já passou da hora de se retornar aos índices mais baixos. Do seu lado, por sua vez, o Piratini assegura que irá cumprir o que foi combinado no final do ano passado e finalmente retirar a majoração no ICMS. Até lá, serão mais quatro meses de espera ansiosa.

O motorista Luís Otávio da Silva, de 44 anos, diz notar os efeitos da majoração especialmente nos preços da gasolina. Foto: Alina Souza

Majoração desnecessária

Anderson Trautman Cardoso, presidente da Federação de Entidades Empresariais do RS (Federasul-RS), avalia que a manutenção da majoração da alíquota do ICMS foi, de fato, uma medida necessária nos primeiros anos do atual governo para o enfrentamento da crise orçamentária. Porém, segundo ele, a situação já mudou. “Entendemos que, passados esses dois anos, não se justifica uma prorrogação por mais tempo dessas alíquotas elevadas”, diz. Cardoso entende que o Piratini vem promovendo mudanças importantes para sanear as contas estaduais, como as reformas administrativa e da previdência. Acrescenta que tramita na Assembleia Legislativa a proposta de emenda à constituição (PEC) que inclui um teto dos gastos estadual e a obrigatoriedade do realismo nas premissas orçamentárias e parâmetros para os duodécimos. “São medidas importantes para o enfrentamento deste déficit fiscal. E tudo isso torna desnecessário, portanto, a manutenção da majoração das alíquotas do ICMS.”

A situação atual, avalia Cardoso, afeta o empresariado gaúcho como um todo, pois o imposto incide sobre itens incontornáveis. “Nós temos energia elétrica, combustíveis, itens essenciais para todos os setores e que acabam impactando no preço”, exemplifica. Ele acrescenta que dessa forma o Rio Grande do Sul acaba ficando em desvantagem frente a outros estados brasileiros, perdendo a chance de atrair novos investimentos. “Cada vez que nós agregamos mais custos, estamos perdendo em atratividade”, alerta.

O presidente da Federasul lembra ainda que a pandemia deixou tudo mais difícil para as empresas gaúchas. E haverá maior dificuldade para a retomada do crescimento quando a Covid-19 finalmente for controlada. “A nossa expectativa é que não tenhamos uma nova prorrogação dessas alíquotas majoradas e possamos encerrar esse capítulo ruim do nosso Estado neste momento”, conclui.

Foto: Guilherme Almeida

Fernando Marchet, vice-presidente e coordenador da Divisão de Economia da Federasul, complementa o raciocínio de Anderson Cardoso. Também defende as reformas promovidas pelo governo do Estado. “A gente sempre defendeu como agenda que o governo tomasse ações que pudessem, de um lado, equacionar esse aumento de despesas que nunca para, fazendo com que a médio e longo prazos a gente pudesse ter uma pressão menor de aumento de despesas, principalmente de incapacidade de se pagar conta básica, e até, quem sabe um dia, sobrar dinheiro para fazer algum tipo de investimento”, explica. Ele avalia que os resultados dos esforços do governo já estão aparecendo.

“Hoje, o Estado, depois de muitos anos, vem apresentando superávit nessa equação de despesas e receitas. Então, de fato, discutir nova alíquota do ICMS, aumentar o ICMS, manter a alíquota majorada, realmente parece não fazer sentido”, opina. “Eu acho que é o único ponto de divergência com relação ao que o governo vem encaminhando desde o início. A Federasul tem apoiado várias das pautas do governo, eu diria que todas, com a exceção do aumento das alíquotas do ICMS”, enfatiza.

Marchet também destaca a necessidade de se melhorar o ambiente de negócios no Rio Grande do Sul. “Para que as empresas continuem potencializando resultados melhores e paguem mais impostos, não há necessidade de aumentar imposto. Bem pelo contrário, é criando ambiente de negócios, melhorando o ambiente de negócios. Em um ambiente competitivo com relação a outros estados é que se melhora a capacidade das empresas para gerar resultado e, portanto, pagar impostos e, de outro lado, também empregar, gerar mais emprego, gerar mais renda, dinheiro na mão das pessoas que vão consumir.”

Período "muito ruim" para a indústria

O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Porcello Petry, não tem meias palavras para definir o período atual de impostos elevados. “Em termos de impactos para a indústria, esse período de majoração foi muito ruim e culminou com uma década de crise para o setor no Brasil”, define. “A indústria, que estava inserida em um contexto nacional muito desfavorável, ainda teve que enfrentar um aumento de carga tributária promovido pelo governo estadual. Uma maior carga tributária reduz a competitividade dos produtos gaúchos e encarece o consumo para todos os habitantes do Estado”, explica.

De acordo com Petry, de maneira geral, quanto mais processos de transformação são utilizados durante a produção industrial e quanto mais complexos forem os produtos, mais afetada será a atividade pela elevação tributária. “Isso acaba atingindo produtos de diversos segmentos da indústria”, resume. O presidente da Fiergs acrescenta que até indústrias que vendem para o exterior ou para fora do Estado são prejudicadas pela situação. “A consequência disso é uma menor atratividade para as grandes fabricantes atuarem no Estado”, observa. Petry reconhece que existem medidas de equalização de competitividade, entre elas a redução de base de cálculo e crédito presumido. Porém, lembra, não são todos os insumos que podem ser creditados, “o que resulta na cumulatividade de impostos, encarecendo o preço final do produto”.

O cenário de pandemia, acrescenta Petry, impactou de forma intensa o caixa das empresas do setor. Porém, desde o final de 2021, há uma retomada na produção para atender a uma demanda reprimida. “Não podemos dizer que não houve sensibilidade por conta do fisco, pois o prazo de pagamento de diversos impostos foi postergado”, avalia.

Apesar da recente fase complicada, Petry projeta crescimento para o próximo ano. “Tanto nesse ano quanto no próximo, o que temos verificado é um forte avanço na arrecadação provocado pela retomada da atividade, principalmente a industrial, e pelo avanço da inflação”, analisa. “A arrecadação de ICMS no primeiro semestre foi de R$ 18,9 bilhões, um avanço real de 20,6% em relação a 2020. Na comparação com 2019, período pré-pandemia, o crescimento foi de 13,7% em termos reais. Nesse mesmo período, a economia permaneceu estagnada. A perspectiva para 2022 é de continuidade do crescimento, logo, a arrecadação também deve crescer”, prevê.

O presidente da Fiergs, entretanto, elogia as recentes reformas promovidas pelo governo do Estado. Segundo ele, os ajustes têm ajudado a melhorar a situação fiscal do RS. “Assim como a crise fiscal não foi obra de um governo e de uma legislatura, a solução dessa crise passa pela cooperação de várias lideranças ao longo do tempo”, opina. Ele acrescenta que, nesse sentido, tanto o setor produtivo, especialmente a indústria, quanto os consumidores gaúchos têm sacrifícios no atual cenário. “No primeiro caso, os empresários renunciaram ao crescimento dos seus negócios e da remuneração do capital, sem contar os tantos que ficaram pelo caminho e encerraram as operações por pagar maior carga tributária nos seus produtos. No caso dos consumidores, há cinco anos que se paga mais caro quando se vai ao supermercado, abastecer o automóvel, ou na compra de um eletrodoméstico, por exemplo.”

Competição desigual

Foto: Guilherme Almeida

Uma das entidades mais críticas à atual situação das alíquotas é o Sulpetro (Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes no Estado do Rio Grande do Sul). A expectativa é que a alíquota do ICMS sobre o preço de combustíveis como gasolina e álcool, que no momento se encontra em 30%, retorne ao patamar de 25%. O presidente do Sulpetro, João Carlos Dal’Aqua, diz que 25%, na verdade, é um patamar elevado (o diesel permanece com a alíquota de 12%), porém, melhor do que o atual. O fim da majoração, destaca, ajudará a resolver uma distorção que tem sido prejudicial para quem vende combustível no Rio Grande do Sul, especialmente na fronteira com o estado vizinho. “Além da perda de competitividade que a gente tem na região fronteiriça, se cria uma questão muito mais ampla, que seria o produto adquirido no Rio Grande do Sul. Santa Catarina não produz gasolina, adquire aqui no Estado”, observa. “Quando compra daqui, adquire para Santa Catarina com um preço mais barato exatamente em função do ICMS. O grande problema é se alguém estiver de má fé, comprando para Santa Catarina, mas descarregando aqui no Rio Grande do Sul. Aí se cria uma competição desigual.” Essa prática predatória seria difícil de ser controlada pelo Estado, que tem dificuldades para conseguir fiscalizar de forma eficiente, opina Dal’Aqua.

O presidente do Sulpetro entende que a situação é mais complexa do que à primeira vista. É que, em Santa Catarina, a alíquota de 25% também é aplicada sobre um preço projetado de base menor que o do Rio Grande do Sul. “O ICMS é pago lá na refinaria. Quando a refinaria vende o produto para uma distribuidora, ela já embute esse ICMS, que é calculado sobre um preço projetado. E então nós temos uma diferença com Santa Catarina, normalmente na faixa de 50 centavos de custo, 40, 50 centavos, conforme a quinzena pode variar para cima ou para baixo. Porque, além da alíquota, o valor projetado é diferente deles”, compara. Dal’Aqua lembra que outros fatores incidem sobre o preço final da gasolina. O preço internacional do barril de petróleo fica em torno de 70 dólares e o dólar está acima dos R$ 5,00. “E, com essa questão tributária, hoje o Estado está arrecadando muito mais do que ele projetava no início. Porque houve uma elevação do preço internacional e isso acaba projetando o preço sobre o qual é cobrado o ICMS.

Então o Estado tem um superávit enorme na nossa área. Certamente ele tem gordura para fazer esse retorno à alíquota de 25%”, argumenta. “As condições têm que ser iguais, para que a competição venha em base igual, hoje não está acontecendo isso”, critica, lembrando que essa reivindicação não é apenas para o empresariado. “Eu acho que é importante reforçar que, se retornam as alíquotas anteriores, ela vai trazer fôlego ao consumidor.”

Frustração no comércio e nos serviços

Foto: Guilherme Almeida

Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio-RS (Federação do Comércio de Bens e Serviços do Estado do Rio Grande do Sul), aponta que a alíquota majorada para 2021 não estava nas expectativas do setor. Ele lembra que a situação, criada a partir de 2015, estava inicialmente prevista para durar quatro anos, no decorrer do governo de José Sartori. Porém, quando assumiu em 2019, o governador Eduardo Leite solicitou pela manutenção da alíquota majorada por mais dois anos apenas. Ou seja, deveria ser encerrada no final de 2020.

A decisão, lembra Bohn, trouxe muita frustração para o setor, especialmente após um ano tão traumático para a economia como foi 2020. “Assim, houve um aumento da carga na comparação com o que era esperado para 2021”, explica. “Em um cenário de compressão da renda em virtude de um mercado de trabalho ainda enfraquecido e com uma inflação crescente, as alíquotas majoradas aumentam a pressão sobre os orçamentos familiares, transferindo para o Estado uma parcela de renda das pessoas que poderia ser revertida em consumo e bem-estar, com reflexo direto sobre o comércio e os serviços”, analisa. “A nossa opinião sempre foi a de promover o ajuste pelo lado da despesa, pois, se existe uma solução pelo lado da receita, as pessoas perdem a noção da gravidade do problema e acreditam que o mecanismo de financiar o gasto é a alternativa mais rápida, e sempre possível, para lidar com o problema”, critica.

Bohn observa que, com os orçamentos comprometidos, as famílias deixam de comprar os itens que não são de primeira necessidade. São justamente estes produtos de bens e serviços que acabam sendo os mais prejudicados. “O problema é que esses segmentos foram justamente os mais afetados pelas medidas que restringiram a atividade econômica como medida de conter o avanço do coronavírus”, explica. E, dentro do cenário de pandemia, observa, houve um rearranjo do consumo das famílias e a desorganização produtiva. Isso e outros fatores, segundo o presidente da Fecomércio, desenharam um quadro de forte pressão inflacionária. “Viver esse cenário com a alíquota básica de ICMS majorada de 17,5% e 30% em comunicações, combustíveis e energia elétrica certamente torna a conjuntura ainda mais desafiadora.” Por conta disso, Bohn avisa que a entidade vai “trabalhar fortemente” para que seja cumprido o que foi definido no final de 2020: o retorno das alíquotas aos patamares de 17% e 25%. Bohn observa que 2022, por ser ano eleitoral, já será um período de muitas incertezas políticas impactando na conjuntura econômica. “Alíquotas majoradas tornariam o cenário ainda mais complicado.”

Patrícia Palermo, economista-chefe da Fecomércio-RS, observa que há um contexto perverso na atual situação. “Tributos sempre vão pegar uma fatia da renda das famílias, então, quanto maiores eles são, mais eles se apropriam dessa fatia da renda das famílias”, lembra. “Esse ano a gente tem uma situação um pouco diferente. Porque a gente tem vários outros aspectos se somando a esse esmagamento do orçamento das famílias. Um é o processo inflacionário”, cita. “Quando você tem inflação crescendo e salários não evoluindo na mesma medida da inflação, os preços vão ficando maiores e a capacidade de compra dos indivíduos fica menor”, esclarece. Outra questão destacada pela economista é que muitas famílias perderam renda. Perda de renda, inflação e tarifas majoradas, somadas, contribuem decisivamente para a retração do consumo. É preciso priorizar gastos, mas alguns são inevitáveis: gasolina, energia elétrica e telefonia. “As famílias têm que priorizar certas coisas e algumas elas botam de lado. Mas o que elas tendem a botar para o lado, dentro de um orçamento apertado, são aqueles itens que foram considerados não de primeira ordem, que justamente são aqueles que, ao longo de 2020 especialmente, foram considerados pelos governos como os ditos não essenciais e que portanto sofreram absurdamente ao longo do ano passado em termos de restrição de atividade.” Trata-se de mais um freio para a retomada econômica no período pós-pandemia.

Patrícia fala ainda de outro fator que precisa ser considerado: a mudança de hábito dos consumidores, moldada pelo medo da doença e pelos cuidados sanitários. “Será que as pessoas irão a bailes e restaurantes do mesmo jeito que iam antigamente?”, questiona. A economista acrescenta que mudanças de hábito também significam alterações de consumo. Por todas essas questões, ela torce para que a situação se normalize no próximo ano, que poderá ser marcado pela polarização eleitoral. “A gente já esticou demais essa corda de aumento de alíquota”, argumenta. “Simplesmente ajustar a carga para que o gasto caiba é como se a gente não discutisse mais se este gasto é necessário ou não, se a sociedade pode tolerá-lo ou não.” Por essa razão, ela defende também as mudanças estruturais que o atual governo estadual vem empreendendo. “A gente precisa pensar em meios de melhorar a eficiência dos gastos públicos, porque só assim será possível pensar em reduzir os gastos públicos.”

O tributo "vilão"

O que sempre pesa no bolso do consumidor, mesmo que ele não saiba, é o ICMS, alerta Fernando Bertuol, presidente da Associação da Classe Média (Aclame). “O ICMS sempre é o vilão dessa história”, define. Bertuol observa que a Aclame, ao longo dos anos, vem se esforçando para informar a sociedade a respeito do peso da carga tributária sobre os produtos que consome. “É o imposto que mais influencia no preço dos produtos. E ele é, talvez, o menos visto pela sociedade, porque na maioria das vezes os impostos são embutidos”, explica.

O presidente da Aclame avalia que a população ainda não percebe com clareza o quanto paga de tributos. “Há alguns anos, entre 2005 e 2006, a Aclame fez uma pesquisa nacional sobre o que as pessoas reconheciam de impostos”, lembra. “O ICMS, só 3% das pessoas entrevistadas conheciam. Qual era o imposto que elas mais reconheciam? IPTU, porque vem em um carnê todo ano. Depois vinha o IPVA, para quem tem carro”, revela. “E o ICMS as pessoas nem conseguiam identificar se era municipal, estadual ou federal, tamanho o desconhecimento sobre essa matéria”, lamenta. Por isso, Bertuol defende o cumprimento da Lei Federal 12.741, de 2012, que determina para todo produto vendido no país a discriminação dos tributos que incidem no seu valor.

A respeito do fim da majoração no índice do ICMS, Bertuol acredita que os efeitos para o consumidor serão muito sutis para serem percebidos.

Efeitos diretos e indiretos

Embora o aumento da carga de ICMS não tenha atingido o principal insumo do transporte rodoviário de cargas, que é o óleo diesel (índice está em 12%), o setor foi afetado pelo alto custo nos serviços de comunicação e fornecimento de energia elétrica. E estes acabaram impactando o setor de forma direta e indireta. Como houve aumento do custo da atividade, o preço do frete subiu também. Esta é a análise de Fernando Massignan, assessor jurídico-tributário da Fetransul (Federação de Empresas de Logística e de Cargas do RS), que congrega 13 sindicatos patronais da área de transporte e logística.

Massignan acrescenta que o transporte rodoviário de cargas é um setor altamente competitivo, pois há empresas de outros estados que disputam a mesma clientela dos gaúchos. “O aumento do custo da atividade dos transportadores gaúchos reflete necessariamente em perda de sua competitividade em relação aos transportadores situados em outros estados da Federação”, revela.

Mas este não é o único problema, segundo ele. A categoria enfrenta uma situação paradoxal. O transportador, em situações normais, antes de recolher o tributo ao Estado, teria o direito de se apropriar dos créditos sobre os insumos que consumiu para a prestação do serviço, como diesel, ativo imobilizado, lubrificantes, pneus, entre outros. Porém, conta Massignan, o governo estadual implementou isenção de ICMS no transporte rodoviário de cargas intermunicipal. Poderia ser uma boa notícia para o setor, mas ela não é percebida dessa maneira, segundo Massignan. “Essa situação acaba impedindo que o transportador obtenha acesso aos créditos, uma vez que, sem a incidência do tributo, deverá estornar todo o custo de ICMS sobre o insumo adquirido”, explica.

A isenção do frete intermunicipal encerraria em 31 de julho deste ano, porém, foi prorrogada. “Diante desse cenário, o setor do transporte tem um pleito recorrente perante a Secretaria da Fazenda do Estado, que é no sentido de que a referida isenção seja restringida apenas aos transportes realizados para setores bem definidos, como, por exemplo, dos produtos relacionados ao agronegócio”, propõe. A ideia é que, em relação aos demais setores, o serviço seja devidamente tributado, e assim permita ao transportador a “plena apropriação dos créditos de acordo com a Constituição Federal”.

A Secretaria da Fazenda, em nota, informa que “hoje, as prestações internas de transporte de cargas são isentas, assim como as relacionadas ao agronegócio”. E acrescenta: “Quanto à isenção para o transporte de algumas mercadorias e/ou setores econômicos, não há estudos concluídos neste momento”.

“Situação complexa”

Antônio Cesa Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), observa que, apesar das críticas de diversos setores empresariais, já ocorreu redução da alíquota básica do ICMS, que incide na maior parte dos produtos, em 0,5% (de 18% em 2020 para 17,5% em 2021). Mas avalia que a situação tributária brasileira “é muito complexa”. O setor dos supermercados, explica Longo, se ressente principalmente da oneração na energia elétrica. “Mesmo que 60% dos custos de energia sejam para produção, o governo não permite que se credite, como a indústria faz, com créditos da energia elétrica”, compara. Longo se refere ao fato de que o consumidor industrial que usa energia elétrica no processo produtivo tem direito a creditar o ICMS pago na fatura de energia elétrica. “Isso é uma reivindicação antiga, mas a gente sempre tem os canais abertos com o governo e entende a situação. A projeção está com eles, a complexidade também”, avalia.

Na visão de Longo a situação ainda está longe do ideal, mas o governo estadual faz o que pode. “Nós não podemos reclamar, porque sempre fomos muito bem atendidos pela equipe técnica do governo. Mas a gente entende a situação de dificuldade em todos os setores, de toda a economia”, diz. “No momento exato, a gente vai continuar propondo melhorias e simplificação do sistema, mas, no momento conturbado, a gente realmente acredita que é melhor aguardar passar.”

“Temos que ter cuidado”

O economista-chefe de Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul), Antônio da Luz, explica que os produtores rurais sofrem da mesma maneira que os demais cidadãos gaúchos com a alíquota elevada, especialmente nas chamadas “blue chips” da majoração: combustíveis, energia elétrica e telefonia. Observa, entretanto, que o setor não está entre os mais atingidos, como é o caso de comércio e serviços. Antônio da Luz entende que as medidas tomadas a partir de 2015 pelo governo foram, de fato, amargas, mas fundamentais para a recuperação fiscal do Estado. “As alíquotas foram majoradas como uma tentativa desesperada de fazer com o que desequilíbrio financeiro do RS não fosse maior ainda do que seria. O Estado entraria em colapso, por conta de uma série de medidas absurdas que foram tomadas antes da majoração”, explica. “Não há casos de governantes que gastaram mais do que arrecadaram. Ou eles se endividam, ou aumentam impostos”, pontua. “Se a sociedade não entender por que nós nos endividamos e por que as alíquotas ficaram lá em cima, nós vamos cometer os mesmos erros”, alerta. Por essa razão, o economista defende que a redução da alíquota deve ocorrer no momento certo e com o necessário espaço fiscal. “Nós somos totalmente favoráveis a voltar com a tributação ao padrão que ela pertencia anteriormente. Só que temos que ter cuidado, pois não adianta eu baixar uma alíquota em ano eleitoral e depois ter que aumentar mais do que era para poder compensar.”

Último ano da majoração

O secretário da Fazenda do Estado, Marco Aurelio Cardoso, em nota, confirma que este é o último ano das alíquotas majoradas. Ele lembra que já em 2021 a alíquota geral de ICMS, que incide sobre milhares de produtos, caiu de 18% para 17,5% e passará para 17% a partir de janeiro do ano que vem. Também para 2022, destaca, as alíquotas de gasolina, álcool, energia e comunicações, que estão em 30%, passarão para 25%. Com isso, o secretário projeta “redução prevista de R$ 1,78 bilhão para o próximo exercício, afetando a arrecadação do Estado e dos municípios, que ficam com 25% do valor arrecadado com o ICMS, além do Fundeb”.

O secretário aponta outros ajustes já ocorridos neste ano. “Foi revisto o imposto de fronteira (Difal), mantido apenas em exceções destinadas à proteção da produção local, e foi também reduzida a carga para compras internas das empresas de 18% para 12%. E a revisão do Simples Gaúcho garantiu a manutenção da isenção de ICMS para empresas que faturam até R$ 360 mil por ano (cerca de 210 mil empresas, ou quase 80% das optantes do regime)”, detalha. “Os cenários para 2022 estão sendo atualizados considerando alternativas fiscais que evitem uma retomada de crise nos pagamentos do Estado”, acrescenta.

Marco Aurelio Cardoso salienta que a Secretaria da Fazenda segue focada na implantação das reduções de gastos públicos e na modernização tributária por meio do programa Receita 2030. Segundo ele, os resultados têm sido “bastante expressivos, com queda nominal nas despesas de pessoal e crescimento da arrecadação, permitindo novos investimentos e a retomada dos pagamentos em dia de servidores e fornecedores”. Ele também explica que as alíquotas majoradas do ICMS são um modelo de obtenção de receitas extraordinárias para cobrir déficits do Estado, mas não são uma forma eficiente de tributação do ponto de vista econômico. Ele lembra que essa percepção foi explicitada pela própria gestão atual nas propostas tributárias de 2020.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895