Infraestrutura escolar em xeque

Infraestrutura escolar em xeque

No RS, mais de 830 mil estudantes estão em escolas com pelo menos um problema de falta de estrutura mínima para desenvolver trabalho pedagógico

Por
Maria José Vasconcelos

A pandemia permitiu deixar mais evidentes e nos fez encarar problemas de infraestrutura básica ainda não resolvidos e que persistem em muitas escolas públicas brasileiras. São quase 10 milhões de estudantes sem condições básicas na rede pública escolar no país. E, no RS, 834.132 estudantes estão matriculados em escolas que apresentam pelo menos um problema de infraestrutura que dificulta o cumprimento dos protocolos de segurança para o enfrentamento da Covid. São 173.714 das redes municipais e 660.418 da rede estadual. E não se trata de grandes exigências ou sofisticados equipamentos. Diz respeito ao básico mesmo, como ter água potável, banheiro ou energia elétrica no ambiente escolar. Talvez dispor de Internet banda larga possa se aproximar de algum “luxo escolar”; no entanto, o atual contexto e a necessidade de ensino remoto mostram serem itens essenciais e cada vez mais integrados ao cotidiano.

Mais do que dados, o levantamento realizado pelo Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB), ligado aos Tribunais de Contas (TCs) do Brasil, revela importância e urgência em dirimir entraves à aprendizagem. O recorte, com base no Censo Escolar de 2020, traz informações sobre conexão à Internet, existência de esgoto sanitário, energia elétrica, água potável, quadra e pátio cobertos nas dependências da escola.

Em relação às redes municipais gaúchas, 321 escolas (6,7%) não têm acesso à água potável e 2.272 (47%) não têm pátio ou quadra cobertos (importante para atividades em espaços arejados). Além disso, 24 estabelecimentos de ensino (0,50%) não dispõem de banheiro, 21 (0,44%) de rede de esgoto e 12 (0,25%) de água (inviabilizando a limpeza dos locais). Já na rede estadual, 329 estabelecimentos de ensino (13,65%) não têm banheiro, 1.783 (73,98%) não dispõem de acesso à água potável, 1.996 (82,82%) não contam com pátio ou quadra cobertos e 10 (0,41%) instituições públicas informaram não possuir abastecimento de água (ver tabelas).

“Essas estruturas são fundamentais para que a comunidade escolar possa seguir os protocolos mais básicos de segurança para evitar a contaminação pelo coronavírus. As escolas precisam estar abertas para atender e acolher os estudantes. Acesso à água potável, existência de banheiros e rede de esgoto são apenas o ponto de partida”, argumenta o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) e presidente do CTE-IRB, Cezar Miola. O sistema de ensino on-line ou híbrido, que, apesar de atrasos e fragilidades, segue como uma das principais formas de oferta da educação durante a pandemia, é uma realidade distante para 16,75% (802) das escolas da rede municipal e para 28,92% (697) da rede estadual. Esse é um dos fatores que ampliaram ainda mais as desigualdades entre as redes pública e privada, pois, enquanto os colégios particulares rapidamente adotaram e se valeram de ferramentas digitais para atender aos alunos, parte dos estabelecimentos públicos ainda não conseguiu implementar esses sistemas. “O acesso à Internet precisa ser considerado um direito fundamental, juntamente com aqueles já consagrados na Constituição. E, no caso da realidade atual, um direito capaz de viabilizar a concretização de outro – a educação, traduzida no acesso e na permanência na escola, com garantia de qualidade, para todos os brasileiros”, destaca o presidente do CTE-IRB. Conforme Miola, as informações do estudo foram encaminhadas a todos os Tribunais de Contas com o objetivo de subsidiar as ações de fiscalização dos órgãos.

Um dos aspectos que preocupa é o fato de a ausência do vínculo entre os estudantes e as escolas refletirem em evasão e abandono escolar. O estudo “Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – Um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação”, realizado pelo Unicef em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), indicou que, em novembro de 2020, um contingente de 5,1 milhões de meninos e meninas de 6 a 17 anos de idade não tiveram acesso à educação. E mostrou, ainda, que a pobreza e sua relação com a exclusão escolar aparecem de forma muito evidente. Em 2019, pelo menos 90% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos que estavam fora da escola tinham renda familiar per capita menor que um salário mínimo.

O levantamento do CTE-IRB sobre a infraestrutura das escolas públicas brasileiras está disponível aqui. Além disso, para não ficar apenas no diagnóstico, as entidades representativas do sistema de controle externo emitiram nota contendo várias orientações e recomendações aos próprios TCs e gestores.

Levantamento

  • A situação escolar de ensinos remoto, híbrido e retorno presencial motivou o estudo, no sentido de verificar se as dependências estão aptas a receber a comunidade escolar em cenário de pandemia.
  • A auditora do TCE-RS e assistente do CTE-IRB Júlia Cordova Klein, que coordenou esse recente estudo sobre a infraestrutura das escolas públicas brasileiras, assinala que o levantamento foi todo feito com base no Censo Escolar de 2020.
  • Está organizado de forma didática e também expõe dados por estado, permitindo oferecer subsídios aos TCs, para saberem como estão as redes e terem uma visão geral.
  • O mapeamento feito pelo estudo busca ainda garantir que as escolas estejam preparadas para receber seus alunos, após 15 meses fechadas (desde março/2020). Júlia alerta que o Censo 2020 expõe a estrutura das escolas antes da pandemia, pois se reporta ao ano letivo 2019. E considera que além de questões prioritárias em infraestrutura básica (como água, esgoto ou banheiro), atualmente a Internet faz parte da realidade dos estudantes e do ensino, mas falta boa qualidade desse serviço nas instituições, e disponíveis para alunos e professores.
  • A coordenadora aponta que “o estudo é uma base para iniciar análise mais profunda, onde se revelam deficiências a serem supridas e onde devem ser empreendidos mais esforços. Não deixa de ser informação para gestores saberem onde precisam atuar”.
  • Entre dados que chamam a atenção, se verifica que 54 mil escolas no país não possuem Internet banda larga e falta banheiro ou água potável em redes de ensino. No RS, se percebem maiores dificuldades na rede pública estadual (tabelas).
  • Conforme Júlia, “de modo geral, não tem nenhum estado 'perfeito'. E questões como falta de esgoto, fossa, banheiro e contingente de acesso a Internet já deveriam ser fatores universalizados e integrados à rotina escolar. Daí a importância do controle social, do levantamento de dados e das informações publicizadas, para que, a partir do conhecimento, sejam buscadas providências e ações de sociedade, TCs e órgãos de controle.
  • Sobre o estudo, a auditora lembra que os dados são oficiais, diretamente retirados do Censo Escolar, que é preenchido por dirigentes ou responsáveis pelas escolas ou secretarias de educação. Por isso, apresenta informação técnica e não política sobre o setor educacional.

Acesso, permanência e qualidade

No RS, conforme recente estudo nacional realizado pelo CTE-IRB, foram identificados maiores problemas de infraestrutura básica na rede pública estadual de ensino. Foto: Mauro Schaefer

O presidente do CTE-IRB, Cezar Miola, revela que existem inúmeras iniciativas nos Tribunais de Contas do país para avaliar as condições das escolas públicas, mesmo antes da pandemia. Trata-se de visitas e inspeções de auditores ou parcerias com o controle social, incluindo o uso de aplicativos em que estudantes e famílias também podem denunciar problemas.

Os relatórios do CTE-IRB, conforme Miola, apresentam informações quanto à infraestrutura das escolas de Educação Básica na área de competência de cada tribunal do país – todos tendo recebido os respectivos dados e podendo tratá-los de acordo com as especificidades de cada município, rede e escola. O trabalho tem por base o Censo Escolar de 2020, do Ministério da Educação/Inep. “O CTE-IRB não produziu dados, o que fizemos foi estruturar e reunir informações e colocá-las para o conhecimento amplo da população. Por vezes, há questionamentos, sendo mencionados possíveis equívocos nos números apresentados, mas, nesses casos, lembro que os administradores responsáveis podem solicitar retificações às secretárias de educação. Ao mesmo tempo, se procedente o argumento quanto a pontuais equívocos, coloca-se também um outro efeito pedagógico dessa divulgação: levar as secretarias de educação a treinarem os técnicos e dirigentes que alimentam as bases do Censo, evitando que tais problemas se repitam em outros exercícios, já que o procedimento é feito anualmente. Dados corretos são fundamentais para o planejamento e a boa execução das políticas públicas, daí a importância de tratarmos da informação com a máxima responsabilidade”, pondera.

A intenção é contribuir para a atuação dos órgãos de controle e dos gestores, sobretudo agora, no retorno gradual às aulas presenciais. “E porque não podemos deixar ninguém para trás, em se tratando do acesso e da permanência na escola, a qual deve ser de qualidade para todos os brasileiros”. Ele acrescenta que essa iniciativa também considera que, em 2020, em razão da pandemia, diversos administradores alegaram não ter conseguido investir o mínimo constitucional na educação. Porém aponta que, ao mesmo tempo, se constata que, em determinadas redes, faltam itens básicos para o funcionamento das escolas em condições mínimas de segurança, higiene e conforto. “Trazendo à tona essas evidências, desejamos dar transparência sobre os problemas existentes. E, contando com o acompanhamento e a participação das famílias e da sociedade, cobrar as providências de responsabilidade do Poder Público competente”, resume Miola.

Na próxima semana: os problemas de infraestrutura em escolas públicas gaúchas e ações de Tribunais de Contas e Secretaria Estadual da Educação/RS.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895