Trigo expande área

Trigo expande área

Conjuntura favorável ao cereal, que mantém boas cotações graças ao acréscimo da demanda da agroindústria da proteína animal, exportação e vendas futuras, leva produtor a ampliar o cultivo para mais de 1 milhão de hectares no Estado

Produtores gaúchos estão plantando suas lavouras de trigo neste mês

Por
Danton Júnior

Se em anos recentes o plantio do trigo se justificava apenas pelo aspecto agronômico, em 2021 o cultivo ganhou um novo apelo. Além de preparar o solo para a soja, o principal cereal de inverno poderá representar uma perspectiva de rentabilidade ao produtor rural, graças à valorização recente do produto. O cenário deverá levar ao incremento da área cultivada com o grão. Entidades do setor projetam expansão de 10% a 20%, o que significa que o plantio de trigo no Rio Grande do Sul deve passar de 1 milhão de hectares, o que não acontecia desde 2014. No ano passado, foram cultivados 930 mil hectares, segundo a Conab.

O preço do grão alcançou sucessivos recordes nominais ao longo do primeiro semestre deste ano. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), a tonelada de trigo estava cotada a R$ 1.517,53 no Rio Grande do Sul no dia 17 de junho (o equivalente a R$ 91,08 pela saca de 60 quilos). Tomando-se como base a cotação de R$ 1.188,63 há um ano, a variação atingiu 27,6%. “Estamos vivendo algo que nunca tínhamos visto”, resume o coordenador da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim. A entidade projeta plantio de 1,150 milhão de hectares no Estado.

A expectativa de crescimento na produção gaúcha de trigo está sustentada não apenas na valorização do cereal, mas também na boa rentabilidade obtida com a safra de verão, que deixou o produtor capitalizado, no aumento do uso do trigo na ração animal e na melhora da qualidade do grão produzido no Estado, o que tem garantido a liquidez.

O consultor Irineu Pedrollo, da I&MP Consult, ressalta que gigantes do setor de proteína animal, como a BRF e a JBS, já anunciaram a compra do cereal de inverno com entrega futura para ser utilizado na avicultura e na suinocultura, em razão da escassez de milho, principal componente da alimentação animal.

Esse fator ajuda a explicar o atual patamar de preços do trigo. “O grande motor do preço de grãos hoje, no mundo, é a preocupação com o abastecimento de milho”, observa Pedrollo.

Na avaliação do consultor, o Rio Grande do Sul teria potencial para cultivar 2 milhões de hectares de trigo. Para a safra 2021, ele afirma que não se surpreenderia se o aumento de área chegar a 30%. “As condições me parecem ideais”, justifica. “Temos preços incentivadores, oportunidade de venda antecipada, exportação e indústria de ração dando liquidez”, acrescenta. Além disso, ele ressalta que o produtor gaúcho não tem outra opção para o inverno, ao contrário do que ocorre no Paraná e no Centro-Oeste, onde há a segunda safra de milho.

A venda antecipada, inclusive para a exportação, registrou incremento nos últimos meses. O chefe-geral da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski, acredita que esse formato de negociação gera um cenário de confiança. “Se caminharmos para o diálogo negocial de contratualização antecipada de boa parte da safra, isso será um progresso”, descreve. No ano passado, segundo Lemainski, a contratualização registrou a marca de 1 milhão de toneladas. Além da exportação e da venda para o setor de proteína animal, o chefe-geral da Embrapa Trigo ressalta que a produção de etanol com cereais de inverno também começa a demandar trigo, o que deve fortalecer a liquidez.

O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (FecoAgro/RS), Paulo Pires, acredita em um aumento de área de 20% para esta safra. “Quando o produtor viu que o preço permaneceu, ele resolveu plantar”, observa, referindo-se à manutenção de boas cotações desde o ano passado. “A prova é que quase não tem sementes mais”, complementa. Além do preço, Pires destaca que outro fator que estimula o plantio é a viabilidade econômica, tendo em vista os custos de produção estimados para esta safra. Segundo levantamento da própria FecoAgro/RS, mesmo que o preço dos insumos tenha apresentado elevação, o número de sacas para cobrir o custo por hectare registrou queda de 19% em relação à última safra.

O uso do trigo na ração animal, que vem crescendo nos últimos anos, é um dos componentes que ajudam a assegurar a liquidez para essa safra. Pires acredita que a escassez de milho deve perdurar pelo menos até fevereiro do próximo ano, o que garante uma boa janela para as cadeias de proteína animal se abastecerem de trigo. Neste sentido, a Embrapa tem desenvolvido um projeto com foco na alimentação de suínos e aves, por meio do desenvolvimento de cultivares de trigo, aveia, centeio, cevada e triticale.

 

Nos passos da soja

Assim como a oleaginosa, trigo se expande para a Metade Sul do Estado, onde já há relatos de boa produtividade

Cultivo requer terrenos secos e, mesmo em anos que gera menos renda, deixa palhada no solo para o plantio posterior | Foto: Lucas Santos / Biotrigo / Divulgação / CP

Uma das apostas para a expansão da área de trigo em 2021 é o aumento do cultivo na Metade Sul do Estado. Assim como ocorreu com a soja, a expectativa é de que o cereal de inverno ganhe espaço na região onde predominam a pecuária de corte e as lavouras de arroz. As características de clima e de solo, porém, fazem com que o cultivo tenha especificidades em relação às regiões onde o plantio já está consolidado.

Produtor de trigo desde 1977, Oreste Müller é a prova de que é possível obter bom desempenho com o cultivo do cereal na Metade Sul. Na propriedade que ele administra junto com os irmãos Ivo e Ivar, localizada na divisa entre São Gabriel e Santa Margarida do Sul, será mantida a área semeada no último ano, de aproximadamente 800 hectares. Em 2020, a produtividade ficou em 60 sacas por hectare, volume semelhante à média estadual. Porém, em anos anteriores, a colheita chegou a alcançar 75 sacas.

Mesmo nos anos em que o clima do inverno derrubou a produtividade, Müller afirma que o cultivo do trigo demonstrou ser vantajoso. O motivo é o papel agronômico que o cereal tem para a cultura da soja, que no verão ocupa 1.700 hectares na propriedade.

“Houve anos em que o inverno foi muito chuvoso e fechamos com média de 35 a 40 sacas. Foi um ‘empate’ de dinheiro, mas ficamos menos tristes porque sobra toda a palhada”, observa o produtor. O resultado dessa combinação foi uma colheita de 66 sacas de soja por hectare na última safra de verão – o melhor ano da lavoura em termos de produtividade. Neste ano, além de preparar a área para a oleaginosa, o investimento no trigo também gera a perspectiva de rentabilidade.

Assim como muitos produtores de trigo da Metade Sul, Müller é natural do Norte do Estado. Nascido em Saldanha Marinho, na região do Planalto, ele conhece bem as diferenças entre plantar o cereal nas duas regiões. “Aqui (no Sul) tem muita área de várzea, encharcada. Nestas áreas não tem como colocar o trigo, só nas áreas altas”, observa. Por outro lado, ele garante que a lavoura tem obtido melhores produtividades que a dos seus parentes do Norte. Uma das vantagens, segundo o agricultor, é que o vento é mais constante durante o inverno na Metade Sul, o que ajuda a enxugar a planta e mantê-la afastada de doenças.

PECUÁRIA

O cultivo de trigo na Metade Sul foi tema de um webinar recente promovido pela Biotrigo Genética, empresa de pesquisa e monitoramento de sementes. Segundo o gerente comercial da empresa para a América Latina, Fernando Michel Wagner, a área de trigo nesta região terá um crescimento expressivo em termos percentuais, mas, por ser pequena, seguirá com pouca representatividade no total cultivado no Estado neste ano. Uma das vantagens da região é a facilidade de logística para a exportação, que tem sido uma das formas de escoamento do trigo gaúcho. Com relação à pecuária de corte, um dos carros-chefe da economia da Metade Sul, Wagner afirma que o trigo dá ao criador a oportunidade de manejar o uso da propriedade rural. “Talvez esteja aí uma oportunidade de o pecuarista, rotacionando essas áreas, melhorar a estrutura e a fertilidade do solo”, observa.

 

Triticale também ganha mais espaço

Grão pode entrar na composição de rações e na produção de etanol | Foto: Alfredo do Nascimento Junior / Embrapa / Divulgação / CP

Resultado do cruzamento entre o trigo e o centeio, o triticale deve ganhar espaço na safra 2021. O Rio Grande do Sul tem cultivado cerca de 5 mil hectares por ano, segundo dados da Conab. No ano passado, porém, foram registrados 2,2 mil hectares para a produção de sementes no Estado, o que permite semear uma área entre 40 mil e 50 mil hectares. Essa área poderia gerar uma produção de 130 mil toneladas de grãos. “O triticale pode substituir total ou parcialmente o milho na composição de rações”, afirma Jorge Lemainski, da Embrapa Trigo, lembrando que o grão pode ser utilizado para silagem, pastejo ou pré-secado. Com uma tonelada de triticale também é possível produzir 380 litros de etanol, devido à alta quantidade de amido.

 

Por uma safra mais rentável

Há produtores que vão expandir ou que vão repetir a área de cultivo, mas todos mantêm a aposta no cereal neste inverno

Em Giruá, Jairo Lucas e sua família vão ampliar área de cultivo | Foto: Marcello Lucas / Divulgação / CP  

Em Giruá, na região das Missões, a família Lucas preparou o terreno para iniciar o plantio de trigo nesta semana. O planejamento, feito com base no cenário favorável para a comercialização do grão, levou à opção pelo aumento de 50% na área cultivada, em relação à safra passada. O agrônomo Matheus Lucas administra a propriedade com o pai, Jairo Lucas, e com o irmão, Michel Lucas. Eles decidiram ampliar a área destinada à cultura de 10 para 15 hectares. Matheus confirma que a cotação do grão foi o que motivou a expansão da lavoura. “Apesar do custo também ter aumentado, o cultivo ainda vale a pena, pois o preço do grão subiu mais do que o dos insumos, proporcionalmente”, justifica o produtor.

Como exemplo do raciocínio, Matheus explica que, na época da implantação da lavoura no ano passado, o custo da produção por hectare era de R$ 2 mil enquanto o valor de comercialização da saca do grão ficava em R$ 40. Neste ano, o desembolso para formar e cuidar da mesma área de lavoura subiu, em média, para R$ 2,5 mil. Já o preço médio estadual da saca do grão chegou a R$ 83 na semana passada, segundo levantamento da Emater/RS-Ascar. Diante disso, a expectativa é de uma boa margem de retorno nas plantações de trigo de Arroio Varejão, no interior do município.

A família Lucas projeta colher 55 sacos por hectare. Matheus lembra que, geralmente, o valor do grão cai na época da colheita. “No ano passado, isso não ocorreu”, lembra. “Esperamos que isso se repita neste ano”. O agrônomo diz que os produtores contam com ajuda do clima, com frio e sol, para atender as expectativas da safra. No ano passado, a geada, perto da colheita, trouxe prejuízos para a cultura. O clima também deve ser favorável para outro cultivo de inverno, a canola, que ocupa cinco hectares na propriedade dos Lucas. A oleaginosa foi plantada há 30 dias, com previsão de colheita em setembro. (Felipe Dorneles)

 

Investimento em tecnologia para garantir qualidade

Em Independência, Alegranzzi escolheu período do plantio que aumenta probabilidade de proteger a planta de intempéries | Foto: Edith Copetti Alegranzzi / Divulgação / CP

O cenário favorável para a safra do trigo, com expectativas positivas para a comercialização, não foi suficiente para que o produtor Volnei Alegranzzi, de Independência, decidisse aumentar a área destinada ao cultivo do cereal. Ele entende que, além de considerar as circunstâncias do mercado, é preciso levar em consideração o risco gerado pela cultura de inverno, que é mais sensível que as demais. Na área de 54 hectares, 30 estão destinados para receber o trigo. É a mesma extensão do ano passado. Alegranzzi, que trabalha com a mãe na propriedade localizada em Lajeado Pessegueiro, revela que investiu em tecnologia para garantir a qualidade do grão. “A semente é certificada e a adubação é de primeira”, afirma.

A área já foi dessecada, e a entrada na lavoura, para a semeadura, ocorre nesta segunda quinzena de junho. O produtor explica que optou por uma safra mais tardia neste ano, já que em 2020 a geada no período de floração prejudicou a safra. “O objetivo é proteger a planta, evitando que ela sofra no período mais sensível de desenvolvimento”, justifica.

Alegranzzi calcula que o custo da produção é alto e, neste ano, chegou quase ao dobro da última safra, tanto nas sementes quanto nos insumo. A expectativa é de uma produtividade de até 70 sacas por hectare e de um preço de R$ 70 reais pela saca na época da comercialização. A produção é entregue em cooperativas da região. A lavoura está segurada. 

Além do trigo, a propriedade reservou espaço para outras duas culturas de inverno. A aveia será cultivada em três hectares e o nabo forrageiro em seis. (Felipe Dorneles)

 

Entre os custos e os repasses

Indústria moageira está diante da necessidade de equilibrar os gastos crescentes com trigo e energia elétrica e os preços que cobra pela farinha

Uso do grão local na farinha para panificação reduz dependência de importações | Foto: Vinícius Roratto / CP Memória

A valorização que o trigo mantém desde o último trimestre do ano passado causa impactos na indústria moageira. O segmento alega que há uma defasagem de 30% entre o preço que cobra pela farinha e o que paga pelo cereal. Além disso, reclama da elevação dos gastos com energia elétrica. “Os custos estão crescendo numa velocidade muito maior do que o repasse de preços”, afirma o presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado do Rio Grande do Sul (Sinditrigo/RS), Rogério Tondo. De acordo com ele, a tendência é de que os repasses ao consumidor sejam feitos de forma escalonada.

O consultor Irineu Pedrollo, da I&MP Consult, ressalta que, enquanto o mercado de commodities se ajusta imediatamente à cotação do dia, no caso de produtos como farinhas, biscoitos e massas a reação se dá de forma mais lenta. “Os moinhos que têm mais estoque conseguem suportar um pouco mais, e os que têm menos têm que fazer um repasse mais rápido”, explica. “E o comprador exerce o seu direito de buscar a melhor opção”, complementa.

Um dos motivos que o setor vêm tendo para comemoração é a evolução da qualidade do trigo gaúcho, que há alguns anos era considerado inferior e tinha como desafio a evolução para fornecimento de matéria-prima para a panificação. Hoje essa equação mudou, amparada principalmente pelo investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas cultivares. Tondo recorda que na sua empresa, a Orquídea Alimentos, já se chegou a importar 50% da matéria-prima. Hoje esse percentual não passa de 20%. O dirigente acredita que, em 2021, a importação deve ficar abaixo de 20% da necessidade dos moinhos. Em anos recentes, o trigo importado representava de 30% a 40% do total utilizado pela indústria. “Com o incremento da qualidade do trigo gaúcho, a tendência é zerar as importações, seja do Uruguai ou da Argentina, nos próximos anos”, acredita. A notícia é positiva para a indústria moageira, principalmente porque o trigo importado é cotado em dólar, que hoje está na faixa de R$ 5,00.

Apesar dessa perspectiva, Pedrollo observa que cada região tem suas particularidades. “Ter um bom grão numa região não significa que tu possas abrir mão totalmente de outras características de trigo”, aponta.

POTENCIAL

“Em anos normais, nós temos trigos com as melhores qualidades do mundo”, avalia o chefe-geral da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski. O especialista afirma ainda que há potencial genético para superar a produtividade de 100 sacas por hectare, com alta qualidade. O aumento da produção ajudaria a minimizar o déficit na balança comercial. O Brasil produz cerca de 6,6 milhões de toneladas, mas consome 12,1 milhões. Para esta safra, segundo Lemainski, a expectativa é alcançar uma produção de 7 milhões de toneladas. Com isso, a dependência do trigo argentino deve cair. 

Um exemplo de sucesso citado pelo chefe-geral da Embrapa Trigo é o da Cooperativa Tritícola Mista Campo Novo (Cotricampo), que possui o seu próprio moinho, abastecido pelo trigo produzido pelos associados, e fornece farinha a nove estados brasileiros. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895