Ciclo compensador

Ciclo compensador

Impulsionada pela colheita de volume recorde de soja, safra de grãos 2020/2021 do Rio Grande do Sul traz rentabilidade ao produtor

Por
Nereida Vergara

Estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 32,2 milhões de toneladas, a safra de grãos do Rio Grande do Sul se aproxima do final como uma injeção de ânimo para o produtor – que sofreu com a estiagem no ano passado – e para a economia gaúcha. A colheita se encaminha para a consolidação com destaque para o volume de 20,06 milhões de toneladas de soja (obtidos em área de 6 milhões de hectares), 75% superior ao do ano passado – prejudicado por estiagem – e recorde até aqui. O rendimento também é bom para o arroz, que atinge 8,3 milhões de toneladas, 6,5% acima do ciclo anterior, e para o milho, cultura sacrificada por falta de chuva na primavera passada, mas que vai superar em 10% o volume de 2019/2020 e somar 4,3 milhões de toneladas.

A demanda firme pelos três grãos e o dólar em patamares superiores a R$ 5,00 vêm garantindo preços históricos e que não tendem a baixar nos próximos meses. Nesta semana, a cotação média da saca de soja no Estado foi de R$ 175,00; a do milho de R$ 85,00; e a do arroz de R$ 87,00, segundo a Emater/RS-Ascar.

Cálculos da Assessoria Econômica do Sistema Farsul indicam que a safra de verão gaúcha – incluindo grãos e outros produtos, como as frutas – acumulará um Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 80,6 bilhões, provocando um impacto econômico de 266,1 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) estadual. “Do total do VBP, os grãos representam R$ 76 bilhões e a soja, sozinha, R$ 52 bilhões”, detalha o economista-chefe, Antônio da Luz. O faturamento substancioso vai remunerar quem colheu bem, diz Da Luz, ao alertar que o resultado, entretanto, não deve desviar o produtor da realidade. O economista lembra que a safra foi plantada com custos baixos e, por isso, terá excelente lucratividade. Mas observa que, nos últimos doze meses, o Índice de Inflação do Custo de Produção (IICP) acumulou a maior alta desde que a série histórica começou a ser calculada, em 2011, chegando a 20,84%. “Aconselhamos que o produtor pegue o lucro desta safra e invista em seu caixa, diminua seus custos de alavancagem e o endividamento, pois o próximo plantio será bem mais caro e os preços continuarão os mesmos”, adverte.

Mestre em Economia, o vice-presidente da Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Fernando Marchet, diz não ter dúvidas sobre o impacto econômico da safra no PIB do Estado. “É evidente que o resultado da safra vai capitalizar o produtor e espalhar efeitos secundários em toda a economia”, analisa. Marchet estima que o dinheiro que a colheita coloca em circulação terá efeito significativo nas comunidades identificadas com a produção rural, mas não é só. Haverá reflexos também na indústria – sobretudo na de máquinas e implementos agrícolas – e no segmento de bens e serviços, que entende ter sido o mais prejudicado pela pandemia.

Vantagem na largada

“É uma safra muito boa”, comemora o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja/RS), Décio Teixeira. O dirigente concorda com Antônio da Luz quanto à relação de troca, que desta vez está bastante favorável ao produtor. Teixeira acredita que o sojicultor vai vender o grão conforme a necessidade de cumprir seus compromissos, mas sem atropelos, e lembra que em torno de 30% da safra já foi comercializada no mercado futuro e em contratos de barter, com preços que variaram de R$ 100,00 a R$ 130,00 a saca. “A vantagem que estamos tendo neste ano, em razão da demanda e da cotação do dólar, é que a colheita está avançando e os preços não estão caindo”, complementa, observando ainda que os compradores do mundo interessados na oleaginosa terão na América do Sul a principal fonte de abastecimento até setembro, quando começa a entrar a safra dos Estados Unidos.

Alexandre Velho, presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), celebra o fato de que “finalmente” o orizicultor poderá aproveitar os preços aquecidos do grão. O dirigente recorda que, na safra passada, o produtor já não tinha mais arroz para vender quando a saca começou a se valorizar e, por isso, não chegou a usufruir as cotações que ultrapassaram os R$ 100,00 no segundo semestre de 2020. “Agora estamos com preços interessantes já na largada da colheita”, pontua. O presidente do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Ivan Bonetti, diz que o arroz foi favorecido pelo clima, o que conferiu ao grão grande qualidade e produção média de 8,8 toneladas por hectare.

No caso do milho, poucos produtores têm o que comemorar. O presidente da Associação dos Produtores de Milho no Rio Grande do Sul (Apromilho/RS), Ricardo Meneghetti, reconhece que o cultivo enfrentou frustrações novamente. “A safra tem produtividade variada, de 70 sacos a 160 sacos (por hectare), dependendo da região e da época da semeadura, mas não é possível que as lavouras mais tardias, implantadas depois que o clima se estabilizou, venham a surpreender”, admite. A Apromilho/RS prevê que a produção de milho grão não ultrapasse 3,5 milhões de toneladas no Estado.

 

Bom tempo, colheita farta

Técnicos e dirigentes de entidades consideram cotações atuais da soja “remuneradoras” e sugerem que produtor aproveite a chance para se capitalizar e fazer um planejamento para o futuro

Qualidade da oleaginosa colhida neste ano é considerada excepcional graças aos grãos pesados e com alto teor de proteína e óleo. | Foto: CLOVIS PACHECO/ESPECIAL/CP

Na safra 2019/2020, os produtores amargaram uma perda de 47% na produtividade da soja. A estiagem atingiu a cultura em diversos estágios de desenvolvimento, e, onde as chuvas foram insuficientes ou não havia disponibilidade de irrigação, a produtividade média por hectare despencou para menos de 2 toneladas, o que fez com que o Rio Grande do Sul colhesse 11,4 milhões de toneladas do grão, 9 milhões de toneladas a menos do que os mais de 20 milhões de toneladas esperados para a safra atual. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a área cultivada com a oleaginosa passou de 5,9 milhões no ciclo 2019/2020 para 6,05 milhões de hectares no ciclo 2020/2021, com crescimento de 1,54%.

O diretor técnico da Emater/RS-Ascar, Alencar Rugeri, recorda que o plantio da safra 2020/2021 começou atrasado e com preocupação por causa do quadro climático que se apresentava no final do ano passado. A volta da regularidade das chuvas, no início deste ano, abriu nova perspectiva e acabou por consolidar esta que será a maior safra de soja que o Estado já colheu. Conforme a Emater, na maioria das regiões, a produtividade da lavoura alcançou 3,3 toneladas por hectare, média superior à da safra 2018/2019, quando o Estado colheu cerca de 18,5 milhões de toneladas. “Esta safra é a chance do produtor se capitalizar, de fazer uma boa renda que lhe garanta um planejamento seguro do próximo plantio, porque não é garantia que o cenário deste ano vá se repetir”, avisa.

O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (FecoAgro), Paulo Pires, também atribui à melhora climática grande parte do sucesso das lavouras de soja no Estado e afirma que a safra vai ser “remuneradora”. As cooperativas filiadas à entidade são responsáveis pela originação de 50% da soja colhida em solo gaúcho e estão preparadas, segundo Pires, para a armazenagem e comercialização. “Os preços estão bons, mas não há como prever se continuarão assim”, avalia, ao destacar que 35% da soja foi comercializada no mercado futuro com preços menores que os praticados no momento.

O dirigente também reclama do reajuste dos fretes para transportar os grãos das regiões produtoras até o Porto de Rio Grande e diz que em praças como a de São Luiz Gonzaga, nas Missões, as tarifas chegaram a subir 100% sobre a tonelada transportada.

Economista da FecoAgro, Tarcísio Minetto calcula que o ganho do produtor com a soja será significativo, já que a relação de troca está favorecida. A estimativa de custos feita pela entidade antes do plantio, em junho de 2020, apontava para um custo total de R$ 3,6 mil por hectare, equivalente a 60 sacos de grãos. Considerando uma cotação média de R$ 160,00 no Estado, em abril, o resultado por hectare pode ser superior a 100% em relação ao que foi gasto.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja/RS), Décio Teixeira, garante que a qualidade da colheita é excepcional. “Temos um grão bem pesado, com muita proteína e óleo”, destaca.

 

Rentabilidade sucede frustração

Valnir Vieira Severo (de boina) e Nerison Luís Vieira de Abreu estão satisfeitos com resultados das colheitas. | Foto: Cristiano Lenz de Abreu Lima/Divulgação

Em Senador Salgado Filho, no Noroeste do Estado, Valnir Vieira Severo está satisfeito com o resultado da lavoura de 170 hectares de soja que cultivou com familiares nesta safra. A colheita plena representa uma recuperação depois da perda de 90% do cultivo provocada por estiagem em 2020. Ele lembra, entretanto, que nunca perdeu a confiança na cultura e nem a convicção de que o ciclo 2020/2021 seria bom. “É só o que sabemos fazer, mantivemos a área e seguimos em frente”, ressalta, ao lado do também produtor Nerison Luís Vieira de Abreu.

Severo divide a administração da propriedade com o filho e o irmão. São 200 hectares de área destinados à oleaginosa, com uma parcela, de 30 hectares, em rotação com o milho, nos quais é cultivada a chamada soja safrinha, de colheita mais tardia.

De acordo com Severo, a semeadura é feita em pequenas frações, o que faz com que a produtividade mude de um talhão para outro. A colheita chegou a atingir 4,7 toneladas por hectare (78 sacas) em algumas áreas, mas a média foi de 3,9 toneladas (65 sacas) e ficou acima da média estadual deste ano, de 3,3 toneladas.

No ano passado, Severo comprou insumos com preços baixos. Conseguiu, com isso, implantar suas lavouras a um custo entre 18 e 22 sacas por hectare. Agora, chegada a hora da comercialização, acredita que o fechamento de contratos antecipados fez com que deixasse de ganhar o que poderia com os preços atuais. “Fiz contratos de R$ 95,00 a R$ 102,00”, revela o agricultor. Nas últimas semanas, porém, chegou a faturar R$ 160,00 por saca entregue em cooperativas e empresas privadas da região.

 

Leve recuperação das perdas

Produção de milho ficou novamente abaixo da esperada e prejuízo não foi maior porque parte dos produtores conseguiu replantar lavouras que a estiagem dizimou na primavera passada

Com volta das chuvas, na segunda quinzena de dezembro, plantas novas cresceram normalmente e formaram boas espigas. | Foto: Eduardo Brocca Lentz/Divulgação

Os revezes do clima foram os principais adversários da cultura do milho no Rio Grande do Sul tanto na safra passada quanto na atual. No ciclo 2019/2020, a produção de milho grão no Estado, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), fechou em 3,93 milhões de toneladas, 32% abaixo do que se esperava, em consequência da estiagem. No ciclo 2020/2021, em uma área de 791 mil hectares (expansão de 1,3% em relação à de 2019/2020), a colheita deve fechar em 4,33 milhões de toneladas. O volume é 10% superior ao da safra passada, mas fica bem abaixo da expectativa inicial, que era de 5,69 milhões de toneladas.
Embora ainda não confirme a estimativa da Conab, a Associação dos Produtores de Milho do Rio Grande do Sul (Apromilho/RS), entende que a ligeira recuperação em relação ao ano anterior é fruto da possibilidade que os agricultores tiveram de descartar lavouras perdidas para fazer um novo plantio na segunda metade de dezembro, quando a chuva voltou a ser regular.

O presidente da Apromilho, Ricardo Meneghetti, acredita que de 5% a 10% dos produtores conseguiram se beneficiar do replantio, comunicando as perdas e solicitando o recebimento do Proagro. “Mas, na realidade, vamos repetir a frustração do ano passado, e, em alguns locais, a quebra na produção pode chegar a 50% do que foi plantado”, afirma. O dirigente entende que o retorno da chuva conseguiu estancar as perdas, mas não reaproximou a cultura das estimativas iniciais de produtividade. Meneghetti salienta, ainda, que os preços remuneradores beneficiarão aqueles produtores que colherem bem e servirão como estímulo para o agricultor não desistir do grão na próxima safra. “Existe demanda para o nosso milho no setor de proteína animal e o produtor sabe disso”, acrescenta.

O déficit de milho apontado pelas cadeias da avicultura e suinocultura no Estado é de 1,5 milhão de toneladas em safras normais e ficou maior com as recentes safras frustradas.

Além da estiagem, neste ano, o produtor de milho precisou ficar atento à cigarrinha. O inseto, vetor de doenças provocadas por vírus e bactérias, de difícil manejo e que não tem controle químico totalmente eficaz, foi identificado em cerca de 100 municípios gaúchos. “Felizmente, no Estado, a cigarrinha não causou perdas significativas, a maior parte do prejuízo realmente advém da falta de chuva”, complementa Meneghetti.

O diretor técnico da Emater/RS-Ascar, Alencar Rugeri, ressalta que a possibilidade de refazer o plantio foi fundamental para diminuir o impacto das perdas. “O milho sofreu com a falta de chuva em novembro, mas quem conseguiu comunicar o seguro e fez o novo plantio entrou em 2021 já com produtividade próxima do normal”, observa. O gerente regional adjunto da Emater em Santa Rosa, José Vanderlei Waschburger, atesta que produtores da região conseguiram fazer o replantio. Mas também constata que parte deles desistiu do milho e migrou para a soja, plantio de menos risco e preços mais atrativos.

Um dos produtores que conseguiram fazer a nova semeadura é Martinho Diel, de Santo Cristo. Sua lavoura de 3 hectares de milho primeira safra sofreu com a falta de chuva em novembro de 2020 e o desenvolvimento das plantas ficou comprometido. “Nem nasceram as espigas, tive de arrancar tudo e transformar o que tinha de palha em silagem”, recorda. Em 21 de dezembro, depois do laudo que reconheceu as perdas, Diel replantou a área com milho, que vem evoluindo dentro do esperado. “Vou colher 7,5 toneladas por hectare, o que vai pagar o que eu investi e me dar um lucro, menor que aquele que teria se tivesse colhida a primeira safra, mas bom”, calcula. Na lavoura atual, constata Diel, as plantas crescem de forma perfeita, com a espiga bem estabelecida e as folhas ainda verdes.

Como também é criador de suínos no sistema integrado, Diel costuma depositar o milho que colhe nas cooperativas da região. Em anos com clima dentro do normal, ele chega a produzir 12 toneladas por hectare. O produtor também planta soja em outros 22 hectares da propriedade, o que, nesta safra, deve lhe render 65 sacos por hectare. “O que ia ser uma safrinha, no sentido de pequena, acabou sendo um ‘safrão’ e eu estou muito satisfeito”, brinca.

 

Tempo de bons resultados

Colheita do arroz terá desempenho superior ao do ano passado e chegará a 8,3 milhões de toneladas, com preços emuneradores desde a largada

Cultivares eficientes e clima favorável ajudaram a lavoura a formar grãos de ótima qualidade. | Foto: DIVULGAÇÃO/ EMATER-RS 

O acompanhamento feito pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) indica que os gaúchos vão colher 8,3 milhões de toneladas do grão na safra  que está chegando ao final. O arroz foi a cultura que passou praticamente incólume pela estiagem do ciclo 2019/2020 e que, mesmo com o atraso do plantio em dezembro, decorrente da falta de chuva, não teve a produtividade do ciclo 2020/2021 afetada.

O presidente do Irga, Ivan Bonetti, diz que o desempenho comprova o aumento da eficiência da lavoura de arroz, que vem obtendo produtividade cada vez maior mesmo com  redução de área total destinada à cultura ocorrida em anos recentes. A safra atual repetiu a extensão da anterior, com 946 mil hectares, cerca de 200 mil hectares a menos do que a área máxima de plantio que o Rio Grande do Sul já registrou. “A produção se mantém igual em área menor graças à profissionalização do orizicultor e às tecnologias disponíveis, entre elas as cultivares desenvolvidas pelo Irga”, ressalta.

De acordo com Bonetti, a qualidade do grão também é excelente, já que as lavouras não sofreram com temperaturas extremas abaixo dos 16° C e acima dos 35° C. “Temos grãos inteiros em maior quantidade, o que não ocorre em temperaturas extremas, que ocasionam grãos quebrados ou manchados, e isso foi possível graças ao clima favorável e o alto índice de irradiação solar”, avalia.

O produtor rural Fernando Rechsteiner, de Pelotas, considera os resultados deste ano tão bons quanto os do ano passado e revela que nos dois ciclos conseguiu colher, em média, 200 sacos em cada um dos 1,2 mil hectares que cultivou. Cerca de 90% da sua produção são destinados às indústrias beneficiadoras  e 10% à exportação, tendo como mercados países das Américas do Sul e Central.

O que Rechsteiner considera diferente e vantajoso neste ano é o patamar de preços. Ele lembra que o preço da saca de 50 quilos estava a R$ 50,00 no início das vendas e a R$ 120,00 no final. “Agora, já no início da comercialização já está a R$ 90,00”, compara. Mesmo com o resultado garantido e o preço compensador, o produtor se diz preocupado com o futuro. “Quando olho para frente não sei se o preço será bom, pois o custo do adubo, do óleo diesel e da manutenção das máquinas subiu muito”, pontua, ressaltando que não é possível calcular antecipadamente   a quantia necessária para cultivar um hectare do arroz, já que os números mudam diariamente.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895