Obras são alvo de dúvidas sobre sua execução

Obras são alvo de dúvidas sobre sua execução

Nas últimas semanas, o Correio do Povo percorreu as ruas do Quadrilátero Central com um representante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS e ouviu a prefeitura sobre os trabalhos no Centro Histórico

Nas ruas, foram achadas redes de gás natural e de telefonia enterradas fora do padrão

Por
Felipe Faleiro

As obras do Quadrilátero Central, que estão em andamento no centro histórico de Porto Alegre, e fazem parte de um projeto para o qual foram encaminhados inicialmente R$ 16 milhões, têm falhas elementares que podem inclusive chamar a atenção de órgãos como o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) e o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). É a avaliação do conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), arquiteto José Daniel Craidy Simões.

Nas últimas semanas, o Correio do Povo percorreu a pé as obras com Simões, algumas já prontas, outras em estágios diferentes de trabalhos, a fim de obter um respaldo técnico independente da construção até o momento. “Existem órgãos com atribuições de fiscalização sobre as obras públicas, e que, acredito, devem estar atentos ao resultado que está havendo aqui. Acho também que há motivos para atenção por parte do TCE-RS e do MPRS”, comenta. A fala denota a percepção de que o resultado já visível, conforme ele, é “assustador”, colocando de certa forma em xeque as possíveis melhorias previstas.

São pedras mal colocadas, desniveladas, sem material que as una e soltas, pisos táteis, que deveriam guiar adequadamente deficientes visuais, porém, que estão quebradiços, inúmeros buracos, estética mal resolvida em pontos como a esquina das ruas Voluntários da Pátria com Dr. Flores, em que o mesmo piso tátil se confunde com um poste e um hidrante de plástico, tampas de bueiro acima ou abaixo do nível do solo, entre outros problemas. “Acompanhamos as obras com preocupação. Em alguns pontos, me recuso a acreditar que esteja pronto”, afirma Simões.

A justificativa da afirmação, de acordo com ele, decorre do fato de que o Centro Histórico é uma região densamente povoada e, por isso, requer de forma permanente os chamados pisos de alto impacto. Tecnicamente, regiões assim precisam de um tratamento especial, pois são mais “agredidos” pela circulação de pedestres e veículos. “Não é o que está acontecendo. Alguns locais vão se deteriorar bem rapidamente”, pontua. Na visão do especialista do CAU/RS, as falhas no que está visível à população são apenas um dos pontos destacados negativamente, mas já havia problemas antes e possivelmente haverá depois.

Iniciadas em abril de 2022 e com prazo previsto de conclusão para dali a 18 meses, ou seja, outubro de 2023, as obras devem ficar prontas mesmo em 2025, segundo o cronograma prorrogado da administração. Ao todo, trechos de nove ruas fazem parte do conjunto de modificações, cada uma a seu tempo: Andradas, Uruguai, Voluntários da Pátria, Otávio Rocha, General Vitorino, Dr. Flores, Vigário José Inácio, Marechal Floriano Peixoto e Borges de Medeiros, incluindo locais icônicos, como a Esquina Democrática, e um extenso e vibrante polo de comércio popular e serviços.

Em relação ao CAU/RS, o órgão é mais fiscalizador da atuação dos arquitetos gaúchos, mesmo os que atuam no poder público, do que propriamente das obras. A ressalva, no entanto, é que uma boa qualificação técnica naturalmente gera menos problemas, especialmente, como é o caso, em uma obra com potencial de repercutir por décadas, localizada no coração de Porto Alegre.

Os pontos abordados ao longo dessa matéria pelo especialista do CAU/RS foram levados ao contraponto do titular da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi), André Flores. Para ele, que destaca não ter estado na secretaria quando as discussões do projeto iniciaram, há plena confiança no trabalho realizado pela administração. “Tanto na técnica quanto nos projetos e na execução. As adaptações que tiveram de ser feitas foram necessárias, muito mais na questão da usabilidade, porque se identificaram formas mais viáveis e melhores de execução. Não foram o prefeito ou o secretário que resolveram fazer de tal jeito.” Pelo projeto, houve discussões com diversas secretarias.

Em seu gabinete no 8º andar do Centro Administrativo Municipal (CAM), Flores reconheceu que há “muitas pequenas coisas a serem feitas”, inclusive nas vias já concluídas e com o fluxo liberado. Em relação a possíveis questionamentos dos órgãos de fiscalização, ele afirma que até podem ocorrer, porém, diz acreditar que “perderam o timing”. “Pela lei, qualquer cidadão tem direito a impugnar o edital até três dias antes da disputa. A empresa tem até dois dias antes. No entanto, já licitamos, o contrato assinado está em execução. Se fosse algo relativo a uma ilegalidade, por exemplo, se fizéssemos um pregão eletrônico para uma obra de engenharia, o que é proibido por lei, isto se torna um ato anulável. Mas não foi o caso”, comentou.

O MPRS, por meio de sua assessoria de Comunicação, disse que tramita no órgão um inquérito civil, a partir de uma reclamação do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Comdepa), relacionado aos problemas de acessibilidade no Quadrilátero. No último dia 14, o assunto foi tema de reunião entre Flores, a promotora de Justiça dos Direitos Humanos, Márcia Rosana Cabral Bento, e a arquiteta Alda Gislaine Rocha da Silva. 

Já o TCE-RS afirmou que acompanha as obras desde a fase de elaboração do edital, inclusive solicitando alterações, mas ainda não realizou auditorias nos trabalhos. O órgão disse que não recebeu representação do CAU/RS relacionada à obra do Quadrilátero Central.

Antes da obra, divergências sobre palavras usadas no projeto

A concepção do projeto já apresentava ruídos. “A própria terminologia da obra tem problemas. Quando a gente fala de revitalização, comentamos a respeito de algo que teve vida e se perdeu. Não é o caso do Centro Histórico, em que enxergamos vida em todos os pontos deste bairro. Ele precisa sim de reestruturação, de requalificação”, pontua Simões. Outros termos que o preocupa são restauração e reurbanização. “O primeiro envolve técnicas específicas de recuperação de estruturas e muitas vezes é utilizado de forma equivocada pela prefeitura. Quanto ao segundo, as ruas têm uma estrutura deficiente, é verdade, mas a urbanização é presente”.

Sobre as palavras usadas no projeto de licitação, o titular da Smoi, o secretário André Flores diz: “Quando houve a discussão sobre as alterações do Plano Diretor do Centro Histórico e do 4º Distrito, foi discutido que não se usaria ‘revitalização’ porque não deixava de estar vivo e nenhuma ‘reurbanização’ porque nunca deixou de ser urbano. Usamos, sim, requalificação e obras do Quadrilátero”. Cabe ressaltar que Flores não era o secretário na época da licitação, porém, o texto da licitação do projeto disponível no site do TCE-RS informa a “revitalização do calçadão da rua dos Andradas e rua Uruguai e urbanização do Quadrilátero Central”. Já as notícias publicadas no site da prefeitura referem os trabalhos de maneiras distintas. A Secretaria Municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos (SMPAE) também fala em “revitalização”, enquanto o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi) preferem o termo “obras no Quadrilátero Central”. Para Simões, a profusão de termos pode confundir mais a população do que explicar, ao informar algo irrealizável.

Outro aspecto que chama a atenção do arquiteto do CAU/RS na documentação é o tipo de licitação por menor preço global, o que, em tese, segundo ele, faria a prefeitura prescindir da qualidade do resultado final em favor da reserva orçamentária, geralmente apertada. Ocorre que os R$ 16 milhões são oriundos de financiamento do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), dentro do programa Orla POA, ou seja, o valor não foi originalmente disponibilizado pela administração, embora seja ela quem esteja intermediando os trabalhos, executados pela empresa vencedora do processo licitatório, a RGS Engenharia.

O secretário Flores, que também é advogado, concorda que pode haver diferença na qualidade do material, ou mesmo da execução da obra, porém, defende que isto é resolvido por meio de normativas técnicas que a prefeitura, e principalmente a empresa contratada, são obrigadas a seguir, sob risco justamente de apontamentos e frustração do contrato. “Acredito que não é mais hora de ficar bravo por isso”, relativiza.

Simões ressalta, porém, que nem tudo são problemas e dores de cabeça. A empreitada por preço unitário como regime de execução é elogiada, sendo esta uma forma de contrato comumente usada na construção civil. Como cada item é precificado separadamente, eventuais reajustes em um ou outro material são aplicados no escopo da obra, permitindo desta maneira maior flexibilidade. A ideia é que, no início, contratante e contratado façam um acordo a respeito dos preços praticados e o empreiteiro em questão somente vai receber pelas quantidades efetivamente utilizadas no projeto.

As obras

Revitalização

Rua dos Andradas: trecho entre a rua General Câmara e a rua Marechal Floriano Peixoto, reforma completa do calçadão de pedestres;
Rua dos Andradas: entre a rua Marechal Floriano Peixoto e a rua Dr. Flores, recuperação do pavimento histórico e reforma completa dos passeios;
Rua Uruguai: entre a rua dos Andradas e a rua Sete de Setembro, reforma completa do calçadão de pedestres;

Urbanização

  • Rua Voluntários da Pátria: entre a rua Marechal Floriano Peixoto e a rua Dr. Flores, recuperação do pavimento do corredor de ônibus, reforma dos passeios;
  • Rua Otávio Rocha: trecho entre a rua Marechal Floriano Peixoto e a rua Dr. Flores, recuperação do pavimento da via, reforma completa dos passeios e qualificação do canteiro central;
  • Rua General Vitorino: entre a rua Marechal Floriano Peixoto e a rua Dr. Flores, substituição do pavimento da via e reforma completa dos passeios;
  • Rua Doutor Flores: entre a rua General Vitorino e a rua Voluntários da Pátria, substituição do pavimento da via e reforma completa dos passeios;
  • Rua Vigário José Inácio: entre a rua General Vitorino e a rua Voluntários da Pátria, substituição do pavimento da via, reforma completa dos passeios e do calçadão de pedestres;
  • Rua Marechal Floriano Peixoto: entre a rua General Vitorino e a rua Otávio Rocha, substituição do pavimento da via e reforma completa dos passeios;
  • Avenida Borges de Medeiros: entre a avenida Salgado Filho e a rua Sete de Setembro, substituição do pavimento da via, reforma completa dos passeios, qualificação do canteiro central e da Esquina Democrática. 

*O termo “urbanização” foi usado aqui conforme presente no site da prefeitura, no link: https://prefeitura.poa.br/smpae/noticias/prefeitura-se-prepara-para-revitalizacao-do-quadrilatero-central

Fonte: PMPA

Durante os trabalhos, prefeitura encontra surpresas debaixo do solo

O projeto do Quadrilátero Central está avaliado hoje pela prefeitura em pouco mais de R$ 22 milhões, 37,5% a mais do que o valor original, de R$ 16 milhões, e recebeu quatro aditivos, dois por acréscimo de valor e dois por redução, bem como um reajuste de preços, este de R$ 3,8 milhões, em março deste ano. Entre outros fatores, a justificativa deste último foi o aumento tanto no Índice de Reajustamento de Obras Rodoviárias do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) quanto no Índice Nacional de Custo de Construção (INCC), apurado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
 
Nas obras, Simões aponta certa falta de cuidado nos trabalhos, como em emendas mal fixadas e cortes feitos de maneira despreparada. “Isto pode durar poucos anos se continuar assim”, relata ele. É elogiada, no entanto, a forma como está sendo depositada a areia, material usado para preencher as frestas entre os blocos, evitando maiores solturas. Nos pontos onde o piso se encaixa, o trabalho é feito também com o uso do pó de brita, item maleável e que serve como base. Depois, há o encaixe das pedras e a sustentação com areia e rejunte. 
 
Esta é uma técnica que causa relativa aceleração dos trabalhos e a liberação do fluxo de veículos e pedestres em tempo mais ágil. No entanto, as falhas em destaque vão sendo mantidas e não são corrigidas, de acordo com ele, para quem as inadequações provavelmente permanecerão em seus locais, na esteira do cumprimento dos prazos exigidos. “É muito fácil uma pessoa passar aqui e querer furtar um destes tijolos. É só tirar. Depois faz isto com outros”, comenta Simões, demonstrando um breve exemplo prático.
A rua dos Andradas, entre a Dr. Flores e a Marechal Floriano, tem distintos paralelepípedos tricolores, formando dois mosaicos que são mais visíveis do alto dos edifícios próximos do que propriamente do chão. Entre a Dr. Flores e a Vigário José Inácio, predominam os tijolos cinzas com pequenos losangos em peças vermelhas, enquanto no trecho entre as ruas Vigário José Inácio e Marechal Floriano, os paralelepípedos vermelhos e pretos formam uma malha com grandes losangos intercalados, conforme registra a prefeitura. 
 
Ainda que os formatos das peças estejam parcialmente visíveis na atualidade, e menos ainda durante as obras, o conjunto, construído sob o governo do intendente José Montaury e que por acaso completa cem anos de instalação em 2023, é tombado pelo patrimônio histórico municipal desde o ano de 1989. Uma a uma, as pedras centenárias estão sendo tragadas do chão pelos trabalhadores para a repaginada do Quadrilátero Central. A promessa é a de que as pedras de granito voltem a seus antigos lugares assim que houver o término do atual projeto. Mas Simões afirma ter dúvidas sobre como isto será realizado.
 
No último dia 31 de agosto, o Correio do Povo publicou uma denúncia proveniente da Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs), cuja sede fica em um edifício localizado na Vigário José Inácio, defronte a uma das frentes das obras. A entidade alegou na oportunidade não ter sido ouvida nem nas audiências públicas reunindo a população em geral e tampouco nas reuniões com os trabalhadores e empresários do conjunto das nove ruas. O resultado foi uma obra literalmente inacessível, com graves problemas de caminhabilidade, de acordo com a entidade, conceito este ainda mais delicado a esta parcela da população que se guia por outros sentidos que não a visão. 

Uma das grandes dores, afirmam eles, era, e de certa maneira continua sendo, a construção dos pisos podotáteis em apenas um lado das vias como a própria Vigário, dificultando quem transita a pé pelo outro extremo da rua. Conhecendo a demanda, Simões faz paralelo com alguns cortes assimétricos e solturas detectadas nos pisos podotáteis, que via de regra deveriam conduzir as pessoas com esta deficiência, mas que podem causar tropeços e quedas indesejadas. “Ficou claro que a acessibilidade não está sendo cumprida como se deveria. Há interrupções dos pisos, obstáculos que não são adequados. Existe a necessidade de uma atenção, e é provável que precisará haver retrabalho em alguns pontos que teoricamente estão concluídos e não atendem às exigências”, afirma ele.

Reforçando o que está no projeto desde o início, as pedras históricas da Andradas vão retornar ao local do mesmo jeito que estão sendo retiradas e Flores ainda promete melhorias. “Há buracos no piso de paralelepípedos, algo que eu nunca havia visto. É preciso haver um padrão de metragem entre o meio-fio, a calçada e a rua e havia pontos em que a distância era muito maior. Então fizemos um piso de concreto e estamos assentando em cima para manter esta padronização do preto e do vermelho. Quando retiramos as pedras de uma cor, lavamos e guardamos em um local, assim como as outras”.

Flores reconhece que nem tudo o que foi encontrado no subsolo do Quadrilátero Central era o que efetivamente estava no projeto, mas a “culpa” disto recai mais por um certo descontrole histórico do que havia embaixo da terra. “A realidade se mostrou diferente daquilo que foi imaginado para a obra, principalmente na questão do piso da calçada e também pelo mapeamento. Havíamos mapeado o subsolo e no momento de executar a obra, encontramos profundas divergências”.

Ele cita como exemplos as redes de gás natural, que deveria estar a um metro de profundidade, mas foi encontrada a 40 centímetros, e telefonia, cujo padrão é de 60 centímetros, porém foi localizada a 25 centímetros, “imediatamente abaixo do paralelepípedo”. “Tem várias explicações, mas a principal delas é porque muitas destas redes foram instaladas há décadas, e seus registros estão marcados com tinta nanquim, desenhado em um papel manteiga com o uso de escalímetro. Não existe comparação com a precisão e o georreferenciamento que temos hoje.”

Depois da finalização, atenção para o clima e possíveis adaptações 

O que deverá ficar de lições da obra no futuro ainda é uma incógnita. No entanto, o conselheiro do CAU/RS tem certeza de que o resultado estará longe de ser igual ao descrito nos croquis e imagens de divulgação da obra, novamente considerando o fluxo natural de 300 mil pessoas diariamente no Centro Histórico, algo aventado reiteradas vezes pelo prefeito Sebastião Melo. A todo momento, salienta o arquiteto, são encontrados novos cabeamentos e redes subterrâneas, principalmente de gás, água, telefonia, energia elétrica e Internet que não se sabia estarem ali, porém tornam-se um inconveniente causador de atrasos.
 
Ao se acumularem, geram frustração aos comerciantes, demandando novas explicações à população. Os tradicionais floristas da Otávio Rocha não gostaram do resultado das bancas montadas na via após sua finalização, algo também registrado pelo Correio do Povo em julho, alegando que elas pareciam visualmente bonitas, porém, pouco funcionais, pelo espaço reduzido de exposição dos produtos e falta de acessibilidade aos módulos. Ainda antes da instalação das estruturas definitivas, houve certo ruído entre comerciantes e a prefeitura devido às casinhas temporárias instaladas no Largo Glênio Peres apresentarem problemas de infraestrutura. Algo que, para estes vendedores, já ficou no passado.

Simões afirma que o órgão no qual atua tem interesse em manter um diálogo permanente com a administração municipal para que “o resultado seja o melhor possível para a sociedade”. “O CAU/RS está buscando participar deste processo de acompanhamento, inclusive informal, com preocupações relacionadas aos resultados atingidos até o momento.”

O clima como um grande teste

Na última terça-feira, a Capital viveu um dia atípico, em que uma combinação de chuvas na cidade e no interior do Rio Grande do Sul fizeram com que o nível do Guaíba subisse à marca de 3,46 metros, a maior verificada em toda a série histórica desde 1941 e superando setembro deste ano, que já havia sido a de maior nível em 82 anos, em 28 centímetros. A cheia mais recente poderia ser até pior, caso houvesse o vento sul, temido pelos pescadores por segurar as águas nas margens e para dentro da Capital, como aconteceu há dois meses. Em geral, nas enchentes, a água costuma subir pelas bocas de lobo, vertendo no asfalto e enchendo ruas a exemplo da própria Voluntários, mas em uma área distante do Quadrilátero. Com o El Niño e as mudanças climáticas em curso, tudo indica que esse cenário irá se repetir. 

Diretor do Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec) e proprietário de um comércio na esquina da Voluntários da Pátria com a Dr. Flores, Sérgio Meirelles aponta que, em setembro, quando houve outro episódio de intensas chuva, a finalização da obra em frente a seu estabelecimento trouxe problemas que antes não existiam, a exemplo dos alagamentos. “Aconteceu quando houve uma pancada muito forte que durou pouco. A água não conseguiu descer a tempo e o esgoto subia inclusive pelo vaso sanitário”, relatou ele, engrossando o coro dos que reclamam da estética final da obra. A água, afirma Meirelles, ficou empoçada por cerca de meia hora, atrapalhando o fluxo de pessoas em seu comércio e em outros próximos.

As imprevisibilidades do clima, por si só, são fatores a serem considerados, devido ao RS, e consequentemente Porto Alegre, apresentarem notáveis variações de temperatura e precipitações durante o ano, refletindo na durabilidade e desgaste do material, conforme demonstram a presença de manchas escuras no piso. De acordo com arquiteto José Daniel Craidy Simões, tais alterações climáticas fazem o solo se expandir e contrair. Com efeito, rachaduras já visíveis hoje podem se transformar em um chão quebradiço e fraturado no decorrer do tempo.

Sobre a questão particular envolvendo Meirelles, o secretário municipal de Obras e Infraestrutura comenta que houve alguns inconvenientes na área da Voluntários com a Dr. Flores. Um deles foi o entupimento verificado com a presença de lixo na rede. Outro foi porque parte do encanamento por baixo da Dr. Flores, e que continua por um sistema que termina na área da Trensurb, ainda não estava concluído. “Como não tínhamos terminado na ponta, a água não deu vazão”, afirma o titular da Smoi, novamente citando as chuvas fortes que atingiram Porto Alegre como mais uma causa do problema, o qual ele acredita estar resolvido.

Já em agosto, Flores foi questionado sobre a acessibilidade durante e depois das obras e havia dito que a associação havia participado das reuniões de explicações do projeto do Quadrilátero, bem como que ele respeitava as normativas técnicas da disposição dos pisos podotáteis no solo. Ele afirma que a obra passou por adaptações nos 11 mil metros quadrados modificados e a resolução passa pela padronização delas. 

“Você garante, primeiro, uma melhor manutenção, e, segundo, um mesmo padrão. Há lugares em que existem basaltos e rejuntes de vários tamanhos ou onde foi quebrado para fazer um conserto. Pela minha condição, não faz tanta diferença. Mas as pessoas com deficiência têm, de fato, muita dificuldade para caminhar em razão da sensibilidade que o pé precisa pela aderência.” O titular da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura também comenta que o diálogo entre a pasta, comerciantes, órgãos técnicos e população em geral vem ocorrend, e que as conversas têm sido produtivas com a totalidade dos envolvidos.

Outras questões consideradas problemáticas por ele também já estão solucionadas, como a presença de vendedores ambulantes nas ruas e calçadas. “Ainda há o que arrumar, não há dúvida. Tenho certeza de que não ficou e não vai ficar perfeito. No contexto geral, o ambulante saiu da calçada. Não tem mais o camelô, a banca de revista em local inadequado, o carro-forte estacionado irregularmente. Evidentemente que não conseguiremos dar o arremate mais perfeito, porém não tenho dúvidas de que estamos qualificando o Quadrilátero e, por consequência, todo o Centro Histórico”, finaliza Flores. 
Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895