Silvicultura busca reconhecimento ambiental

Silvicultura busca reconhecimento ambiental

Com base em processo de licenciamento único no país, setor de florestas plantadas é responsável pela conservação ambiental de 395 mil hectares no Rio Grande do Sul, equivalente a 37,87% do total

Por
Itamar Pelizzaro

Depois de 15 anos sob as regras do Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS), o setor de base florestal gaúcho mostra que transformou as dificuldades de expansão em um ativo ambiental. Sob um processo de licenciamento único no país, as atividades envolvendo florestas plantadas e licenciadas respondem por 37,87% dos 652 mil hectares de áreas de conservação ambiental do Rio Grande do Sul, perfazendo 395 mil hectares em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de vegetação nativa, conforme dados da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam). Apesar do tamanho das áreas conservadas, o setor ainda busca ser reconhecido pelas contribuições ambientais.

“O licenciamento gera custos e oportunidades. Na medida em que temos um setor altamente regrado, com regras ambientais rígidas, também temos sua qualificação”, afirma o presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), Luiz Augusto Alves. O segmento conta com 5.385 empreendimentos licenciados para atividades silviculturais. “Os números, por si só, dão a dimensão da importância do setor florestal para a conservação. É uma conta simples: se não existissem as florestas plantadas, de onde sairia a madeira para indústrias, para lenha, energia, o carvão vegetal do nosso churrasco? O plantio de florestas é uma estratégia para conservação das nativas”, diz Alves. 

Segundo Alves, as áreas conservadas são hábitats para fauna. As empresas mantêm monitoramento em função do licenciamento e de certificações como Forest Stewardship Council® (FSC), organização independente para promoção do manejo florestal responsável pelo mundo, e Cerflor - Programa Brasileiro de Certificação Florestal, criado pela Sociedade Brasileira de Silvicultura (SBS) em parceria com associações, instituições de ensino e pesquisa organizações não governamentais e apoio de órgãos do governo. Essas normas foram elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Nesses locais, a fauna acaba circulando na área de nativas e dentro da área plantada, inclusive espécies que estão em lista de ameaçadas de extinção”, afirma. “No Rio Grande do Sul, a correlação é de um hectare de plantio e um de preservação”, detalha.

Perfil do setor

  • 926.959 hectares de florestas plantadas no RS

  • Acácia-negra: 54.442 hectares

  • Eucaliptos: 589.674 hectares 

  • Pinus: 282.842 hectares 

  • 66.889 empregos diretos em 2022 

  • Valor da produção florestal no RS em 2022: R$ 3,78 bilhões 

Fontes: Canopy, Caged e Seapi

A resolução que instituiu o ZAS foi publicada em 2008, com previsão de revisão a cada cinco anos. Os estudos para sua atualização, no entanto, começaram apenas em 2018 e duraram três anos, com discussões nas câmaras técnicas do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e consulta pública com mais de 200 contribuições. A revisão buscou atualizar a base de dados e inserir novas ferramentas de geociências para as análises. Este mês, resolução do Consema aprovou a atualização e instituiu um grupo de trabalho na Câmara Técnica Permanente de Biodiversidade para tratar de assuntos como as distâncias entre maciços e os parâmetros de conectividade e permeabilidade, com prazo de atuação de seis meses.

À época da criação do ZAS, o consumo de água pelas espécies arbóreas era uma das maiores preocupações ambientais. “Na atualização do ZAS, foi provado cientificamente que a floresta plantada não seca o solo, que consome água como qualquer outra cultura e espécies nativas”, destaca Alves. Atualmente, o impacto na paisagem está entre as maiores preocupações de organizações ecológicas como o Instituto Ambiente e Conservação, grupo com sede em Porto Alegre que já tem 13 anos de trabalho, acompanhando questões da Mata Atlântica e água por meio de comitês de bacia. “Quando plantações florestais são feitas em áreas degradadas, há conservação, muitas vezes, até de fauna, mas há toda uma problemática de colocar árvores em área de campo, mesmo quando os plantios são em consórcio com gado e outras culturas”, pondera a presidente Kathia Vasconcelos Monteiro. “Ainda temos essa preocupação, mesmo reconhecendo o esforço das empresas, principalmente das certificadas, em minimizar impacto.”

Dados da Fepam indicam que os imóveis com áreas licenciadas estão inseridas em propriedades rurais que somam 1,3 milhão de hectares. Segundo o órgão, nesses locais, 643,7 mil hectares são licenciados para atividades florestais, o que resulta em aproveitamento de 47%. Plantios de acácia-negra e eucalipto com menos de 40 hectares e de pinus abaixo de 30 hectares são isentos de licenciamento. Conforme a Ageflor, as florestas plantadas somam 926.959 hectares no RS, o que equivale a 3,28% do território. 

Mais de 1,3 mil espécies em hortos florestais

Conservação, monitoramento e pesquisa ambiental recebem R$ 13 milhões anuais em investimentos da CMPC, empresa que soma 236,2 mil hectares para produção e outros 211,8 mil hectares de ecossistemas naturais.

Maior empresa florestal do Rio Grande do Sul, a CMPC investe, em média, R$ 13 milhões anuais para atividades de conservação e proteção ambiental, monitoramento e pesquisa em áreas de conservação. Entre os 139 hortos florestais que já tiveram estudo de biodiversidade, foram identificadas 1.349 espécies de flora e fauna, sendo 75 delas ameaçadas de extinção, endêmicas (que ocorrem exclusivamente em determinada região) e/ou raras (53 de flora e 22 da fauna). Os destaques são onça-parda, gato-palheiro-pampeano, gato-maracajá, papagaio-charão, bugio-ruivo, peixes-anuais, araucária, cactáceas (tunas) e butiás. “A preservação ambiental está fortemente incorporada na estratégia da CMPC em várias frentes”, afirma o diretor Florestal da companhia, José Bazzo. 

A empresa sediada em Guaíba mantém 95 colaboradores diretos e 4.101 indiretos, de 21 empresas parceiras, treinados e capacitados para atuar com operações em suas atividades, visando evitar interferências nas áreas de conservação. Em uma área de manejo de 487 mil hectares, a CMPC conta com 236,2 mil hectares, em 72 municípios, com plantios de eucaliptos destinados à produção de celulose, e outros 211,8 mil hectares para conservação, preservação e restauração de ecossistemas naturais.“Ou seja, 43% da área total, ou ainda, para cada um hectare produzido, 0,9 hectare é destinado à conservação ambiental de fauna, flora e recursos hídricos”, explica o diretor. 

Em territórios como o horto florestal Barba Negra, em Barra do Ribeiro, são feitas ações de monitoramento de fauna e flora e pesquisas acadêmicas, com registros de espécies ameaçadas de extinção, e atividades produtivas de plantio de eucaliptos | Foto: cecília stein/ Fazenda Barba Negra/divulgação/ cp.

Conforme o porta-voz, a empresa faz monitoramento ativo para conservação da biodiversidade e destaca que as plantações ocupam apenas locais consolidados, respeitando áreas com vegetação nativa, independentemente do estágio de desenvolvimento. “Essa abordagem resultou na obtenção de certificados de manejo florestal nacionais e internacionais, entre eles o FSC e PEFC, consolidando a reputação da empresa em responsabilidade ecológica, econômica e social em suas operações de produção de madeira”, ressalta. 

As áreas de conservação são os principais ativos ambientais da empresa. Entre Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e Reserva Legal (RL), são 17 áreas de alto valor de conservação e duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), a Barba Negra, em Barra do Ribeiro, e a Boa Vista, em Santana da Boa Vista. Nesses territórios, são feitos monitoramento de fauna e vegetação campestre nos hortos florestais, pesquisas acadêmicas, registros de espécies ameaçadas de extinção. Também são executados os planos de manejo da Barba Negra e Boa Vista. No horto florestal Barba Negra, as atividades e estudos começaram em 2006, com pesquisa e monitoramento de aves e mamíferos e estudos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre aves campestres e o Liolaemus arambarensis, espécie rara de pequeno lagarto encontrada somente na costa oeste da Lagoa dos Patos. Bazzo enfatiza que pesquisas mostraram a presença de espécies como Melanophryniscus dorsalis (sapinho-da-barriga-vermelha) e do Puma concolor (onça-parda), entre outras.

“As ações e monitoramentos gerais possuem o foco em comunidades de fauna e flora considerados indicadores biológicos”, diz o diretor, citando répteis, aves, mamíferos, vegetação campestre e campos pedregosos com afloramentos rochosos. Bazzo afirma que também há acompanhamentos de espécies ameaçadas de extinção ou com interesse de conservação, como bugio-ruivo, papagaio-charão, papavento-do-sul, peixes-anuais, onça-parda, o sapinho-da-barriga-vermelha e a rã Physalaemus henselii. 

Foto: cecília stein/ Fazenda Barba Negra/divulgação/ cp

A biodiversidade nos hortos vem de matas nativas, campos secos, banhados, açudes, áreas alagadas, afloramentos rochosos e capoeiras, entre outros. “Esses ambientes são protegidos na forma de APPs e RLs dentro do sistema de silvicultura. As APPs e RLs funcionam como corredores de fauna que transpassam os plantios de eucalipto e tornam inegável a extrema importância destes espaços para a manutenção dos níveis de diversidade que vêm sendo observados”, avalia.

Segundo o relatado pelo diretor florestal, as áreas de conservação se destacam ainda pelos serviços ecossistêmicos que geram vantagens como a produção de vegetação utilizada na pecuária, mel e substâncias bioativas, regulação da qualidade do ar e do clima local, provisão e regulação da qualidade da água, controle de eventos adversos, formação e conservação de solo, controle biológico, polinização, provisão de hábitats e manutenção da diversidade genética, paisagem cênica e herança natural para usufruto das futuras gerações.

Maior potencial para capturar carbono

Florestas plantadas estão entre os principais mitigadores das emissões de gases de efeito estufa, sendo eficientes na retirada e armazenamento de carbono atmosférico, razão pela qual o Estado pretende expandir a área para os cultivos

Entre as tecnologias reconhecidas internacionalmente como mitigadores de emissões de gases de efeito estufa (GEE), as florestas plantadas têm o maior potencial para captura e armazenamento de carbono atmosférico. No Rio Grande do Sul, o Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC+) tem como meta a expansão de 322 mil hectares de plantações florestais, o que representa 8,05% da meta nacional de florestas plantadas. “Espera-se que, com aumento dessa área, seja possível mitigar cerca de 41 milhões de toneladas de CO2, o que equivalente à emissão anual da Noruega”, afirma o coordenador do Comitê Gestor Estadual do Plano ABC+RS, Jackson Brilhante, engenheiro florestal do Departamento de Desenvolvimento e Pesquisa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi).

Brilhante destaca que tecnologias como os sistemas agroflorestais e silvipastoris integram o Plano ABC+ e têm o componente florestal que potencializa o sequestro de carbono e promove a adaptação às mudanças climáticas na produção. “Neste último verão de estiagem, os sistemas silvipastoris foram responsáveis por minimizar os efeitos da estiagem para pecuaristas de gado de leite e de corte devido ao microclima proporcionado pela presença das árvores”, afirma. “Portanto, a presença do componente florestal é fundamental não somente para atingir as metas ambientais de redução de emissões de GEE no setor agropecuário brasileiro e gaúcho, mas, sobretudo, para promover o desenvolvimento econômico e social no Estado.”

Meta do RS é aumentar em 322 mil hectares a área plantada com florestas, cerca de 8% da meta nacional. | Foto: fernando dias/seapi/divulgação/cp.

No setor produtivo, as atividades florestais da CMPC no Rio Grande do Sul, em razão de suas áreas de plantios, captaram 11,9 milhões de toneladas de CO2 equivalente no ano passado. No mesmo período, as operações florestais e industriais totalizaram a emissão de 1 milhão de toneladas de CO2e (carbono equivalente) na atmosfera, enquanto as emissões biogênicas foram de 3,4 milhões de toneladas de CO2e. Além disso, a geração de energia limpa dos empreendimentos renováveis evitou a emissão de 434,1 mil toneladas de CO2e. O estoque de carbono de áreas de conservação, ao final de 2022, era de aproximadamente 53,2 milhões de toneladas de CO2e.

O Plano ABC é a política pública de descarbonização e sustentabilidade do setor agropecuário nacional e tem como objetivo promover a adaptação à mudança do clima e o controle das emissões de GEE na agropecuária, com aumento da eficiência e resiliência dos sistemas produtivos, considerando uma gestão integrada da paisagem rural. Até 2030, o plano prevê a expansão de áreas com adoção de tecnologias reconhecidas internacionalmente como mitigadores de emissões de GEE com potencial de mitigar cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2. Nesse horizonte, a meta de expansão no território nacional com florestas plantadas é de cerca de 4 milhões de hectares, área equivalente ao território da Holanda, e com potencial de mitigação de 510 milhões de toneladas de CO2, o equivalente a duas vezes a emissão anual da França.

Conforme a Federação da Agricultura (Farsul), o Rio Grande do Sul é a unidade federativa com maior diversidade produtiva, contando com 35 cadeias produtivas organizadas, produzindo alimentos, energia, fibras e produtos especiais. A entidade informa que, além das obrigações da legislação ambiental, os produtores rurais também buscam adequação quanto ao manejo com práticas sustentáveis e de baixa emissão de carbono. Dentro do Plano ABC+ RS, há metas desenvolvidas sobre oito eixos: recuperação de pastagens degradadas, plantio direto, sistemas de integração, florestas plantadas, sistemas irrigados, bioinsumos, tratamento de dejetos animais e abate em terminação intensiva. A Farsul destaca que todas essas técnicas já são utilizadas no campo, cabendo disseminar ainda mais as boas práticas produtivas.

Setor reivindica revisão de requisitos da legislação

Considerada potencialmente poluidora aos olhos da lei, a silvicultura vem lutando por novo enquadramento para a atividade, desvinculando o pinus e a acácia-negra das plantas invasoras nocivas, como o temido capim-annoni 

Além de buscar o reconhecimento pelas contribuições socioambientais do setor da silvicultura, a Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor) tem como prioridade ações que alterem o enquadramento legal da atividade. Pela legislação federal, o plantio de árvores comerciais está incluso em uma lista de atividades consideradas potencialmente poluidoras. Já em nível estadual, uma portaria classifica a acácia-negra e o pinus como plantas exóticas invasoras, equiparando-as ao capim-annoni e outras espécies vegetais e animais como o javali. 

No Congresso, o setor acompanha a tramitação do projeto de lei Nº 1.366, de 2022, proposto pelo então senador Alvaro Dias para alterar a descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, acrescido pela Lei nº 10.165, de 27 de dezembro de 2000, e excluir a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais. Em sua proposta, o ex-senador argumentou que a silvicultura é uma atividade agrícola sustentável e benéfica ao ambiente. Conforme a Ageflor, essa classificação acaba por impor um processo de licenciamento burocrático e caro que prejudica o desenvolvimento do setor. 

Ainda segundo a Ageflor, baseado nessa classificação, o Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS) foi aprovado em 2008 estabelecendo restrições e, segundo a associação, burocratizando o processo de licenciamento, equiparando a silvicultura às atividades de mineração, indústria metalúrgica, indústria química, indústria de produtos plásticos, atividades de galvanoplastia, usinas de asfalto, transportes e terminais de cargas perigosas, entre outras, para fins de licenciamento ambiental com base na Resolução Conama 237/97. 

O pinus ocupa uma área de 282,8 mil hectares no Estado, correspondente a 14,82% do total plantado com espécies deste gênero no Brasil | Foto: Kátia Pichelli/Embrapa/divulgação/cp.

O projeto já foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara e aguarda votação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. A Ageflor, demais organizações estaduais do setor e a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), responsável pela representação institucional da cadeia produtiva nacional, fazem articulações em Brasília para que a proposta avance.

Outra ação prioritária do setor florestal gaúcho é buscar a exclusão da acácia-negra e do pinus da Portaria Sema Nº 79, de 2013, que as classifica como plantas exóticas invasoras. 

Segundo a Ageflor, o Rio Grande do Sul concentra 100% dos plantios de acácia-negra no Brasil e ocupa 54,4 mil hectares plantados, com concentração na região do Vale do Rio Pardo (26 mil hectares). Já o pinus soma 282,8 mil hectares no Estado - 14,82% da área plantada com espécies deste gênero no Brasil. Os plantios de pinus têm maior presença nos Campos de Cima da Serra, com 118 mil hectares, no Litoral (66 mil hectares) e Vale do Rio Pardo (40 mil hectares).

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895