Indígenas escavam cidade origem da conquista

Indígenas escavam cidade origem da conquista

O trabalho arqueológico, coordenado por um italiano e desenvolvido em sua maioria por mulheres, vem revelando vestígios da primeira cidade espanhola das Américas, fundada em 1510

O arqueólogo Alberto Sarcina e sua equipe.

Por
Lina Vanegas / AFP

Um grupo de indígenas escava com ferramentas uma camada do solo em meio à floresta colombiana. O que parece ser uma antiga doca empedrada brota da terra. Trata-se de uma das possíveis entradas fluviais para Santa María la Antigua del Darién, primeira cidade espanhola fundada em solo continental americano, em 1510.

A maioria é mulher. Indígenas, negras e camponesas da comunidade participam dos trabalhos de escavação, sob o comando do arqueólogo Alberto Sarcina, um italiano que reconstrói há uma década a história da primeira capital hispânica em terra indígena. Ao redor, está a densa selva do Darién, que se estende até o Panamá. “Gosto de encontrar coisinhas que ninguém sabe fazer. Imagino como seria antes, que faziam sua própria argila e não tinham que comprá-la. Eram muito engenhosos”, comenta Karen Suárez, de 28 anos, do povo embera, após encontrar uma cerâmica indígena sob o antigo embarcadouro.

Cristóvão Colombo chegou primeiramente à ilha Hispaniola (hoje dividida por República Dominicana e Haiti). A partir dali, liderou expedições à terra firme e foram criados assentamentos efêmeros, mas foi apenas com a fundação dessa cidade que o projeto de colonização foi traçado. “É um desses momentos em que a história dá uma guinada dramática. Há um antes e depois”, diz Sarcina, 55. “Aqui começa a se desenvolver o que será a conquista de todo o continente, aqui começa o genocídio indígena, a chegada de populações da África, a miscigenação e a resistência a essa conquista”, explica o pesquisador, que trabalha para o Instituto Colombiano de Antropologia e História.

Sarcina percorre o parque arqueológico de cerca de 50 hectares, dos quais 33 são a cidade subterrânea. De vez em quando, abaixa-se para recolher azulejos, pregos antigos e cerâmicas das comunidades pré-hispânicas expulsas pelos espanhóis. O solo revela a história da cidade, que durou 14 anos e, em sua melhor época, chegou a ter 5 mil habitantes.

A comunidade é remunerada por escavar, hospedar turistas e restaurar peças. “Nós nos sentimos bem com este trabalho, somos beneficiados um pouquinho pela economia e pelos aprendizados e informações sobre a história dos antepassados”, disse o indígena Antonio Chamarra, de 40 anos.

Em seu ateliê, o restaurador Gilberto Buitrago, de 67 anos, monta um quebra-cabeças com as peças encontradas: vasos, figuras humanas, moedas, punhais, utensílios. Mulheres o ajudam a polir as peças. Em um povoado sem eletricidade permanente, o restaurador e seus aprendizes começam o dia trabalhando à meia-luz, com a lanterna do celular. 

Santa María la Antigua del Darién fica no departamento (estado) de Chocó (noroeste), povoado de Tanela, região vitimada pelo Clã do Golfo, maior grupo ligado ao narcotráfico da Colômbia. Para Jeniffer Álvarez, o parque arqueológico é um refúgio em meio à violência e ao machismo. As mulheres da região costumam ser relegadas às tarefas domésticas. As indústrias, como a da banana, oferecem bons salários e atraem a maior parte dos homens. 

Ao longo do parque arqueológico, várias estações explicam os sítios antigos, a história da conquista e suas vicissitudes: a tentativa de recriar uma cidade castelhana no meio da selva, a descoberta de outro mar para ir à Ásia, a violência da conquista.

Inicialmente, foi difícil convencer a comunidade sobre o projeto, porque muitos “não queriam saber nada sobre a cidade que deu início à tragédia”, lembra Alberto Sarcina.
A transferência da capital de Castilla del Oro para o Panamá marcou o declínio de Santa María la Antigua del Darién. Em 1524, os indígenas escravizados mataram seus senhores e incendiaram a cidade, que já estava quase desabitada. As pesquisas arqueológicas dão conta do incêndio e dos vestígios queimados que resistiram à passagem do tempo. Um museu em forma de ferradura e telhado de palha exibe as peças encontradas e apresenta a história da cidade para turistas e moradores. Quando o sol se põe, transforma-se em um cinema para as crianças do povoado.

O projeto arqueológico é uma universidade a céu aberto para moradores que carecem de serviços de saúde e educação de qualidade, como Héctor Monterrosa, 16 anos, que deseja seguir os passos de Sarcina: “Tem sido maravilhoso, porque daqui posso ir me instruindo para o que quero fazer, que é estudar arqueologia”.

Fotos: Raul Arboleda / AFP / CP

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