O abandono de uma vida dedicada ao leite

O abandono de uma vida dedicada ao leite

Depois de três décadas, em 2022, produtor de Augusto Pestana deixou a atividade, motivado pelas sucessivas crises do setor, pela baixa rentabilidade, pela falta de sucessão e pela dificuldade de encontrar mão de obra

Por
Patrícia Feiten

O dia 15 de dezembro de 2022 está gravado na memória do produtor rural Paulo Afonso Anezi (foto), de 55 anos. Foi nessa data que ele viu as últimas vacas holandesas serem retiradas de sua propriedade, no município de Augusto Pestana, após a venda a outros pecuaristas. Na época com 45 animais em lactação, que produziam 1,2 mil litros de leite por dia, Anezi encerrava 32 anos de trabalho nesse emblemático ramo do agronegócio, ao longo dos quais presenciou a chegada de muitos avanços que transformaram a rotina dos chamados tambos – do método “balde ao pé”, em que os bovinos eram ordenhados individualmente e o leite era depositado em um recipiente, até a ordenha canalizada, sistema tubular que direciona o líquido extraído do úbere diretamente para tanques de resfriamento.

O abandono da produção leiteira, segundo Anezi, foi motivado por um conjunto de fatores que desafiavam o futuro da propriedade. A começar pela falta de um sucessor, na família, disposto a dar continuidade à produção de leite e pela dificuldade de encontrar mão de obra qualificada para o manejo dos animais. “Por ser uma atividade que não tem feriado, não tem domingo, precisa-se dessa parceria, de alguém que vá tocar contigo. Nos últimos três anos, começou uma rotatividade enorme, (os empregados) ficavam três, quatro meses”, relata o produtor, atualmente focado no cultivo de grãos.

Também pesou na decisão a baixa rentabilidade proporcionada pela atividade nos últimos anos, um impasse que as lideranças do setor atribuem principalmente à disparada das importações de leite e derivados da Argentina e do Uruguai, especialmente o leite em pó. Os itens, que entram no Brasil sem tarifas em razão do Mercosul, acabam achatando os preços pagos pelo leite aos produtores locais. “A gente havia investido em genética, buscando melhorar a produtividade e qualidade do leite. Não posso dizer que eu não tinha resultado, mas era muita oscilação. Quando parei, já estava muito próximo de uma margem (de lucro) zero”, afirma Anezi. Ex-fornecedor de uma cooperativa, ele recorda que negociou os derradeiros volumes de leite a R$ 2,70 o litro no final do ano passado. 

Anezi ilustra as mudanças que sacudiram a pecuária leiteira em menos de uma década. Entre 2015 e 2023, o número de produtores vinculados a indústrias de laticínios no Rio Grande do Sul encolheu 60,78%, de acordo com o Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no RS – 2023, estudo realizado pela Emater/RS-Ascar a cada dois anos. Hoje, há apenas 33.019 propriedades dedicadas à produção de leite no Estado, frente às 40.182 verificadas no levantamento anterior, de 2021, e a 84.199 existentes em 2015. Apesar do recuo, o número de vacas por estabelecimento rural aumentou 67% em oito anos, para uma média de 23 animais, e o desempenho das fazendas saltou de 137 para 317 litros de leite diários. “Se a gente tivesse conseguido manter esses 84 mil produtores, o Rio Grande do Sul estaria produzindo hoje 9,8 bilhões de litros por ano, em vez de 3,8 bilhões. Teríamos virado um grande exportador de leite”, diz o zootecnista Jaime Ries. 

O técnico da Emater/RS-Ascar observa que a pecuária leiteira gaúcha passa por um forte processo de especialização. Fatores conjunturais, como a alta de custos de insumos e prejuízos acarretados pelas últimas estiagens no Estado, vêm levando muitos a desistir dos tambos. “Tem agora a questão das importações, é o que está pesando momentaneamente. Quando o produtor não consegue fazer investimentos, aumentar a escala, tornar a atividade mais rentável e menos penosa e não consegue que os filhos se mantenham na propriedade, interessados na produção de leite, é complicado”, avalia Ries.

De janeiro a setembro deste ano, o Brasil importou 171,5 mil toneladas de leite, creme de leite e laticínios (exceto manteiga e queijo), volume 108,4% superior ao do mesmo período de 2022, de acordo com dados do governo federal. Desse total, 87% veio da Argentina e do Uruguai, países que dão subsídios aos seus produtores e têm custos de produção mais baixos. Para os representantes dos pecuaristas, as medidas de apoio já anunciadas pelo governo federal desde agosto, como a compra pública de leite em pó pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), trouxeram pouco alívio ao setor, que pede a oferta de algum tipo de incentivo à produção. “O sinal de alerta foi dado. Se não for alguma coisa urgente, vai sobrar muito pouco produtor”, prevê o vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS), Eugênio Zanetti. Na quarta-feira (11), agricultores mobilizados pela entidade em Jaguarão bloquearam a fronteira com o Uruguai, em protesto para cobrar mais ações. 

Segundo Zanetti, o leite em pó importado dos países vizinhos chega ao Brasil com preço de R$ 17 o quilo, enquanto a mesma quantidade do alimento nacional custa em torno de R$ 24. “Não tem como competir. Recebi notas fiscais de produtores que receberam (das indústrias) R$ 1,04, R$ 1,40, R$ 1,50 pelo leite entregue em agosto e pago em setembro”, diz o dirigente. Só estão tendo fôlego para enfrentar esse cenário, afirma ele, os pecuaristas que utilizam mão de obra familiar e produzem na própria fazenda a alimentação dada aos animais, com uma coleta mínima de 500 litros de leite por dia. Além de afetar o resultado financeiro das propriedades, a crise impacta a economia das cidades do interior, afirma o vice-presidente da Fetag-RS. “O leite tinha uma função social, de geração de emprego e renda. O dia de maior movimento no comércio nos pequenos municípios é o dia em que o agricultor recebe aposentadoria e o pagamento do leite”, explica.

Maior produtor de leite do Estado, o município de Santo Cristo, no noroeste gaúcho, produziu 65,3 milhões de litros de leite em 2022, de acordo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais local, Pedro Almiro Ullerich, diz que a crise desencadeada pelas importações deixou os produtores da região em situação “desesperadora”. “A lei da oferta e da procura é soberana, você compra onde é mais barato”, enfatiza. Em 2011, segundo Ullerich, havia 1,8 mil propriedades leiteiras na região. Hoje são menos de 400. “Mas o volume (de produção) continua o mesmo, em torno de 172 mil litros por dia. O pessoal investiu tudo nessa atividade, deixou de produzir grãos. Agora não tem como largar, porque é a única fonte de renda”, afirma. 

Importações de leite fragilizam cadeia leiteira

Com finanças prejudicadas por duas estiagens sucessivas nos últimos anos, produtores de leite do Estado veem preço do produto minguar diante do volume de compras de leite em pó de países como Uruguai e Argentina.

“Ainda tem de melhorar muito para ficar ruim.” Assim o presidente da Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando), Marcos Tang, resume o drama dos pecuaristas atingidos pelo que ele chama de uma “inundação” de leite argentino, após saírem com as finanças abaladas de duas estiagens sucessivas e, nos últimos meses, amargarem prejuízos também com as chuvas intensas ocorridas no Estado. Neste ano, afirma Tang, produtores com décadas de experiência na produção de leite vêm assistindo a um cenário atípico, em que os preços do produto caíram com força desde maio – em plena entressafra, um período tradicionalmente marcado por menor disponibilidade de pastagens para os animais. “Meu pai me ensinou que, quando tu tens de fazer uma continha extra, é melhor que seja em julho ou agosto, que é quando o leite remunerava um pouco melhor e tu produzias com menos custo”, conta Tang.

Segundo dados da Gadolando, custo de produção do litro do leite está hoje em R$ 2,30, enquanto remuneração média é de R$ 2,10

Segundo o dirigente, a falta de perspectivas na cadeia leiteira desestimula as novas gerações a permanecer no campo. “Faço palestras com estudantes. Tu tens de dizer para aquele jovem que vai herdar a propriedade que ele vai ter um mínimo de lucro. Só que nos últimos anos está difícil, ninguém mais quer trabalhar com leite”, enfatiza o pecuarista, citando estimativas de entidades do setor. De acordo com esses dados, o custo de produção do leite está em R$ 2,30 por litro, enquanto a remuneração média recebida pelos produtores hoje não passa de R$ 2,10 por litro. 

A face mais perversa da crise se revela quando se analisa o perfil dos impactados, muitos dos quais, segundo Tang, fizeram investimentos em tecnologias para aumentar a produção e a qualidade do leite entregue às indústrias – uma consequência de mudanças como a Instrução Normativa 51 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), de 2005. Entre outras exigências, a norma tornou obrigatória a refrigeração do leite nas propriedades rurais. “Esse ‘bom’ produtor, que se adaptou, que está bem em sanidade, qualidade, tecnologia, tem contas para pagar e esperava estar recebendo no mínimo R$ 3 (pelo litro). Quem está reclamando hoje é um cara que botou robô (na ordenha)”, destaca o presidente da Gadolando.

Thiago e Jaqueline, de Dois Lajeados, investiram no ano passado mais de R$ 1 milhão em sistema de ordenha robotizada e hoje afirmam que valor do leite não está mais cobrindo custos  | Foto: Jaqueline Tremea / Arquivo Pessoal / CP.

Com mais de 10 anos dedicados à pecuária leiteira, o casal Thiago e Jaqueline Tremea investiu R$ 1,150 milhão em outubro passado na aquisição de um sistema de ordenha robotizada, no qual as vacas escolhem o melhor momento para aliviar o úbere. A tecnologia veio para solucionar o dilema da falta de mão de obra na propriedade rural de 70 hectares administrada pela família no município de Dois Lajeados. “Fazíamos três ordenhas por dia. A gente não tinha qualidade de vida, não podia pensar em sair ou viajar”, afirma Jaqueline. O investimento possibilitou um acréscimo de cinco a seis litros na produção diária de cada animal, que hoje atinge uma média de 37 a 38 litros. 

Atualmente, a fazenda abriga mais de 100 vacas holandesas, sendo 56 em lactação, e produz em média 2 mil litros de leite por dia (ou 60 mil litros mensais), que são entregues a uma cooperativa. O uso do robô também trouxe bons resultados no bem-estar animal. “(O sistema) nos diz precocemente se a vaca não está bem, nos passando a temperatura do animal, a ruminação. A gente consegue tratar a vaca antes de a doença se agravar”, explica Jaqueline. Um ano após a aquisição do novo sistema de ordenha, porém, o casal diz que está difícil manter o balanço da propriedade no azul. Mesmo contando com o programa de remuneração do laticínio parceiro, que prevê o pagamento de bônus pelo volume entregue e pela qualidade do leite, eles avaliam que os valores do produto estão baixos demais. “Nós investimos quando o leite estava em alta. Hoje, o preço não cobre mais o nosso custo”, afirma Thiago. 

A situação só não é mais crítica, segundo o casal, porque toda a alimentação consumida pelo gado é produzida na própria fazenda. Planos traçados para 2024, como a implantação de um sistema de climatização no galpão, para evitar o estresse térmico dos animais no verão, tiveram de ser adiados. “Até agosto, nós conseguimos suportar. A preocupação é não conseguir honrar os compromissos. A gente começa a ter de gastar reserva, buscar recurso em banco”, diz Thiago. 

Lucratividade em queda mesmo em granja de alta produção

À frente de uma propriedade de 47 hectares herdada dos pais na localidade de Linha Lenz, no município de Estrela, o produtor César José Meinerz tem uma história ligada ao campo. Sua família se lançou na pecuária leiteira com uma produção diária de menos de 200 litros, na época vendida para a Lacesa, laticínio gaúcho adquirido pelo grupo Parmalat nos anos 1990. Hoje, tem um rebanho de 320 animais da raça Holandesa (entre terneiras, novilhas e vacas em lactação) e produz em média 6 mil litros por dia (ou 180 mil litros mensais), destinados a uma indústria. 

Margem de rentabilidade de Meinerz, de Estrela, que antes da crise gerada pelos importados chegava a 25% ao ano, caiu para 8% ao longo de 2023 e freou planos de investimentos | Foto: Cezar Meinerz / Arquivo pessoal / CP.

A boa performance, segundo o pecuarista, é resultado de uma série de investimentos, como um sistema de ordenha em carrossel. Adquirida em 2017, a um custo de R$ 650 mil, a plataforma giratória possibilita a ordenha de 24 vacas a cada rotação completa. No galpão climatizado da propriedade, que inclui camas de borracha, tudo é feito para proporcionar o maior conforto possível aos animais. “Com a climatização, a gente consegue em torno de quatro litros a mais por animal por dia no verão”, relata Meinerz.

Apesar da alta produtividade, o pecuarista, que costumava obter uma rentabilidade de 25% com a venda do leite ao longo do ano, viu suas margens de lucros despencarem para 8% em 2023. “A nossa ideia era aumentar a produção, partir para uma ordenha robotizada aos poucos, mas com esse cenário dá muito medo (de investir)”, observa Meinerz. Segundo ele, a fazenda ainda opera com lucro porque não tem gastos com mão de obra externa – são nove pessoas da família trabalhando na produção do leite. Mas ele teme dificuldades maiores se as importações de leite e derivados não forem contidas. “Hoje, a gente tem todos os equipamentos para fazer a silagem e para o milho pré-secado e ainda prestamos serviços para fora, o que ajuda a manter a propriedade”, afirma o produtor.

Transformar o leite para não desistir do ramo

Para boa parte dos produtores de leite familiares, a sobrevivência na atividade remete à famosa expressão “agregar valor” ao que se faz. Transportado do mundo corporativo para o dia a dia da pecuária, o conceito significar usar a matéria-prima produzida no tambo na elaboração de alimentos que levem a assinatura da propriedade rural e ajudem a ampliar a renda das famílias. Esse foi o caminho escolhido pela pecuarista Alexandra Vivan, que há cerca de seis anos vislumbrou em uma agroindústria a saída para driblar os altos e baixos do mercado de leite. Batizado de Laticínio Vó Elena, em homenagem à sogra da produtora, o empreendimento situado no município de Fagundes Varela produz até 70 quilos de queijos por dia, além de iogurte e ricota.

Quando a situação do setor leiteiro começou a se complicar, Alexandra Vivan e a família, em Fagundes Varela, decidiram procurar a Emater e abrir uma agroindústria, que hoje produz 70 quilos de queijos por dia, além de iogurte e ricota | Foto: Alessandra Vivan / Arquivo pessoal / CP.

“Começou a ficar complicado trabalhar com leite (na época). A gente resolveu fazer falar com o pessoal da Emater e eles sugeriram a ideia. Fiz curso, gostei e começamos a trabalhar nos queijos”, conta Alexandra. Mãe de quatro filhas, ela diz que a criação da agroindústria também foi uma forma de manter a família toda trabalhando na fazenda, de 45 hectares. Com um rebanho de 55 vacas, das quais 29 em lactação, a propriedade coleta de 600 a 650 litros de leite por dia e, até agosto deste ano, destinava toda a produção à elaboração dos lácteos. A derrocada dos preços do leite, porém, levou a família a vender parte do leite a uma cooperativa. “O produto estava saindo bem, a gente investiu em mais vacas. Uns meses atrás – março, abril, maio e junho –, eu estava sem estoque. Mas agora não tenho a clientela para comprar (os queijos)”, avalia.

Para Alexandra, a demanda fraca do lado do consumidor, somada à concorrência com os lácteos importados, torna ainda mais delicada a situação dos produtores da região. Ela compara o valor obtido na venda do leite aos gastos com ingredientes, energia elétrica, gás e água envolvidos na fabricação de queijos – para cada peça de 1 kg que sai do laticínio, por exemplo, são necessários 8 litros de leite. “No mês passado (agosto), quem recebeu mais pelo litro de leite recebeu de R$ 1,98 a R$ 2. Eu vendo os queijos a R$ 35. O pessoal quer que a gente baixe o preço, mas se a gente baratear não vai cobrir os custos. Me disseram que tem queijo no mercado a R$ 24 o quilo”, lamenta a pecuarista, que fornece os itens a restaurantes, pequenas lojas e programas de merenda escolar. “De todas as crises, esta está sendo a pior, está afetando todo mundo”, diz Alexandra.

Alimentação de animais a pasto equilibra custos

Situada em Serafina Corrêa, a Granja Perin é referência em técnicas de manejo de bovinos em sistemas a pasto. Focada na criação de gado Jersey, a propriedade tem um rebanho de 60 vacas, a metade em ordenha, e coleta diariamente uma média de 650 litros de leite. Essa produção, destinada a uma cooperativa, responde por 80% da renda da família, que trabalha também na terminação de suínos, com um total de 500 animais.

Segundo o pecuarista Gilson Perin, que assumiu o comando da fazenda em 2013, a granja de pouco mais de 20 hectares investiu em melhoramento genético e melhoria de pastagens nos últimos 10 anos. Integrante do projeto Elite a Pasto, desenvolvido pela Emater/RS-Ascar em parceria com a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Agronegócio do município, o criador conseguiu aumentar em até quatro litros a produção de leite obtida por animal desde 2020, com o cultivo da gramínea tifton 85 no verão e de trigo e centeio no inverno. “Hoje, as vacas produzem por dia em torno de 23 a 24 litros”, afirma Perin. A sanidade animal é outra parte importante do trabalho da propriedade rural, certificada como livre para tuberculose e brucelose.

Propriedade de Gilson Perin ( à direita, com o pai, Roque Perin), apostou em melhoramento genético e melhoria de pastagens, obtendo uma produção média de 23 a 24 litros diários por vaca, mas a baixa rentabilidade da pecuária inviabiliza novos investimentos | Foto: Embrapa trigo / Divulgação / CP.

Segundo Perin, o tambo ainda se mostra rentável porque o sistema a pasto envolve custos menores na comparação com outros tipos de produção leiteira. Mas, com a redução dos preços do leite, a “euforia” proporcionada pela eficiência na atividade já ficou para trás. “Hoje, a margem de lucro gira em torno de R$ 0,40 a R$ 0,50 por litro. Com esse resultado, tu não consegues seguir investindo, comprar novos maquinários, ampliar instalações”, avalia o pecuarista. “Está entrando bastante leite (importado), acredito que quando parar um pouco o leite vai subir de novo.”

Indústria reconhece problema e auxilia produtor

Cooperativas ligadas à CCGL, que processa 2 milhões de litros por dia, fornecidos por 2,8 mil produtores, têm dado assistência às propriedades leiteiras para ajudar a reduzir os custos e aumentar o desempenho para dentro da porteira.

A indústria ligada aos tambos também sente o impacto da escalada das importações de leite e derivados do Mercosul. O secretário executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Derivados (Sindilat-RS), Darlan Palharini, admite que a pressão dos itens procedentes dos países vizinhos obriga o setor a reduzir os valores pagos aos pecuaristas e também levou empresas a fechar as portas nos últimos anos. As perspectivas para os próximos meses, afirma o dirigente, ficaram ainda mais desanimadoras após a decisão recente do governo argentino, de suspender até 31 de dezembro deste ano a cobrança das chamadas “retenciones”, impostos aplicados sobre o valor das exportações de leite em pó e outros lácteos.

O ingresso da produção de leite de Minas Gerais e Goiás no mercado também traz preocupação. “Somando isso, dá mais do que uma Argentina e um Uruguai em incremento de produção. A única esperança que a gente tem é (a alta do) câmbio, isso acaba sendo um inibidor das importações”, diz Palharini. Na avaliação do dirigente, ao mesmo tempo que obriga as empresas a adequar preços ao que o consumidor está disposto a desembolsar pelos alimentos, a conjuntura atual exige dos pecuaristas uma eficiência cada vez maior. “Os produtores no Rio Grande do Sul já têm uma boa produtividade por animal. Não temos tido a situação que já é relatada por outros estados, de laticínios deixarem de coletar leite na ‘Linha X’ ou ‘Y’. Ainda que os preços não estejam de acordo, o produtor tem uma renda certa”, diz.

Foto: CCGL / DIVULGAÇÃO / CP.

O presidente da CCGL, Caio Vianna, também vê com apreensão o avanço das importações de lácteos e diz que a organização aposta em assistência técnica para ajudar os produtores a reduzir custos de produção e turbinar o desempenho dentro da porteira. “As importações estão fazendo um estrago muito grande. Quando o mundo se liberou da pandemia, houve um excesso de con sumo, os preços dos alimentos subiram. Passado esse momento, os preços caem e (temos) leite importado chegando ao Brasil com preço de 25% a 30% mais baixo que o que estamos praticando aqui”, diz o dirigente.

Com 27 cooperativas associadas e sede em Cruz Alta, a CCGL processa por dia cerca de 2 milhões de litros de leite, fornecidos por 2,8 mil produtores. “Muitos desses eram pequenos produtores, que as cooperativas fizeram crescer, e não vão sair da atividade”, afirma Vianna. Hoje, os pecuaristas parceiros da organização produzem em média 7,9 mil litros de leite por hectare por ano, ante a média brasileira de 3,2 mil litros por hectare. No caso dos produtores gerenciados pela assistência técnica da CCGL, esse desempenho anual sobe para 17,9 mil litros por hectare. “Precisamos tornar a nossa produção brasileira mais profissionalizada. E, para isso, não é só cobrar do produtor: é ver o que as empresas e as áreas técnicas estão fazendo, o que existe de políticas públicas para estimular o produtor”, destaca Vianna.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895