Sem conseguir contatar Bombeiros e Defesa Civil após chuvas, pessoas usam as rádios no RS

Sem conseguir contatar Bombeiros e Defesa Civil após chuvas, pessoas usam as rádios no RS

Enchentes causaram colapso dos meios de comunicação e a interrupção do sinal de telefonia e Internet

Por
Felipe Nabinger

Com o colapso dos meios de comunicação e a interrupção do sinal de telefonia e Internet, pela falta de energia nas torres ou pela queda das estruturas, as rádios locais transformaram-se um meio para a população do Vale do Taquari pedir por socorro, buscar informações sobre a situação dos municípios ou sobre parentes desaparecidos.

“Pessoas nos relataram, depois que a água baixou, que estavam sem comunicação nenhuma, mas com um radinho de pilha ouvindo as informações e conseguindo saber o que acontecia. Mas não tinha WhatsApp, não tinha telefone e não podiam dizer aos familiares que estavam vivos”, diz Fernando Weiss, apresentador e diretor da Rádio A Hora, de Lajeado. 

Ele recorda que, logo nas primeiras horas da noite de segunda-feira, chegavam relatos que a água estava invadindo cidades como Roca Sales, Muçum e Encantado. “Foi um relato atrás do outro.” A emissora tem um posto avançado em Encantado, mas a conexão foi interrompida. “Começou um certo pavor, principalmente por volta das 22h, quando perdemos o contato com a região alta”, lembra.

Rita de Cássia, jornalista e apresentadora da Rádio Independente, de Lajeado, recorda que muitas vezes os moradores entravam em contato com a emissora por desespero. “Era um ato de desespero, muitas vezes. Até já haviam conseguido falar com alguma autoridade, mas demorava a chegar o resgate. Aí acabavam ligando ou mandando mensagem.”

“Os pedidos de socorro foram os mais diversos possíveis. A maioria começou na terça-feira, à tarde, e aumentou de quarta para quinta-feira. Muita gente pedia resgate para chegar de helicóptero”, lembra Moisés Ely, também comunicador da Rádio Independente. Ely diz que já estava sendo informada a gravidade da situação, mas que algumas pessoas não acreditavam. 

Sem luz, muitos encaminhavam mensagens enquanto duravam as baterias dos celulares e, por vezes, um contato enviado em um horário levava cerca de quatro horas para chegar no celular da rádio, pois o sinal estava oscilando. “Muitas pessoas também avisavam ‘olha, meu último contato é com a rádio agora, minha bateria está acabando. Por favor, me ajuda’”, afirma o radialista, que diz não ser possível mensurar a quantidade de contatos, mas que somente os de maior gravidade teriam sido mais de 200. 

Apresentador na rádio A Hora, o jornalista Henrique Pedersini diz que, a partir da tarde de segunda-feira, quando a emissora “derrubou” a programação (termo usado para a suspensão dos programas da grade em detrimento de cobertura especial), começaram os contatos de cidades da região, como Muçum e Roca Sales, as mais atingidas pelas enchentes do Taquari.

Roca Sales | Foto: Maria Eduarda Fortes

“Houve pedidos de socorro de pessoas que estavam em telhados. Não estava funcionando telefone nem Internet”, recorda. “Nos olhávamos e pensávamos que não era possível falar com tanta gente em cima de telhado”, diz Rita de Cássia. “‘Por favor, façam alguma coisa, eu vou morrer’. Lembro de uma senhora que ligou de cima do telhado dizendo que éramos a única esperança e não sabia mais para quem ligar”, diz Weiss. 

Rita lembra que, em uma entrevista, um dos comandantes de resgates aéreos da Brigada Militar afirmou que eles se guiaram pelos relatos que estavam ouvindo pelo rádio para realizar os resgates. “Aí caiu uma ficha. Até então só estávamos fazendo nosso trabalho, mas estávamos ajudando no resgate.” O diretor da emissora recorda os momentos mais tensos, tendo que manter a calma. “‘Por favor, por favor, minha família está como?’ Foi muito triste e agoniante para nós naquele momento. Era um momento de muita dor, não tínhamos a informação para dar.”

O grupo ao qual pertence a rádio providenciou gerador e Internet via satélite para poder manter a cobertura, que conta também com transmissões paralelas em redes sociais. “A gente ajudou a encontrar muitas pessoas”, afirma Pedersini, que foi um dos primeiros a chegar a Roca Sales, onde foi montado um posto avançado. A falta de comunicação impactou também o trabalho jornalístico. Era necessário realizar os registros e deslocar-se até Encantado, distante cerca de sete quilômetros para a transmissão.

Moisés Ely diz que, após as águas baixarem, houve uma mudança no perfil dos pedidos de ajuda por parte da população. “Nos últimos dias piorou. Começamos a ter relatos de pessoas que tentam, através da rádio, localizar parentes vivos. Isso é muito complicado, é muito difícil. As pessoas tentam fazer com que as autoridades acelerem esse processo”, diz. 

O comunicador ressalta que há na região uma lista com cerca de 70 nomes de pessoas desaparecidas, mas que algumas cidades, como Cruzeiro do Sul, não emitiram listas. “Eles (os familiares) nos enviam endereços onde os entes ficaram até o horário em que havia comunicação para tentar fazer com que a Defesa Civil e o Exército cheguem lá”, conta.

Rita de Cássia enfatiza que também há um grande número de contatos relacionados às doações e trabalho voluntário. “Chega o tempo todo. Pessoas se oferecem para ajudar e pedem para onde ir. Damos as orientações no ar e respondemos as mensagens, sempre que possível.”

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895