No encerramento do “Mês de Conscientização do Autismo”, denominado como “Abril Azul”, é possível perceber que, cada vez mais, o tema precisa ser tratado para além de datas como essa. O aumento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido reforçado por diferentes pesquisas, que alertam a urgência de governos, professores e gestores escolares estarem preparados para atender à nova demanda.
Dados do Censo Escolar da Educação Básica 2022 indicam crescimento no percentual de alunos com TEA. Ao todo, são 405 mil matriculados em escolas de ensino regular (com níveis escolares e faixa etária estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular) e 24 mil em classes especiais (instituições especializadas em Educação Especial).
O estudo “Características da População com Transtorno do Espectro Autista no RS”, da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para PcD e PcAH no RS (Faders), revela que o número de solicitantes da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) foi duas vezes maior, se comparado à edição anterior relativa a essa demanda. Foram mais de 9,5 mil solicitações aprovadas, cujas informações foram analisadas pela Faders. O levantamento aconteceu entre junho de 2022 e março de 2023.
Este cenário indica crescimento de demanda. E profissionais da área apontam a importância da criação de políticas públicas que qualifiquem a Educação Especial. Para Alberto Moura, psicopedagogo e assessor técnico pedagógico do Centro Educacional Incluir, os principais desafios no setor estão na adaptação do currículo escolar e na qualificação dos professores.
Alberto, que realiza consultorias em 12 municípios gaúchos, explica que “os professores foram construídos para pensar as aulas do quadro para o livro”. Assim, segundo ele, a chave é entender que existe diversidade de novos recursos além do tradicional. “A dificuldade está na variação de práticas. É preciso profissionais especializados para fazer essa integração”, assinala.
Respeitar as singularidades, o ritmo de aprendizagem e observar a melhor forma que o aluno aprende são alguns dos pontos essenciais, destacados pelo especialista, para o ensino acessível. O professor esclarece que o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) nunca será padronizado por deficiência. “O que pode ocorrer é utilizar a mesma estrutura para construir PDIs que considerem as singularidades de cada um.” Essa personalização é necessária, pois cada estudante tem especificidades distintas. “Se o aluno se comunica melhor visualmente, uma atividade com contraste e materiais visuais vai ajudar mais que um exercício em que é preciso se comunicar através da escrita.”
Relativo às diferenças entre escolas especializadas em Educação Especial e escolas regulares, o educador salienta que a decisão por matricular a criança em uma ou outra modalidade é exclusivamente dos pais. “Nós, psicopedagogos, precisamos orientar os pais, se necessário (...). Em nenhum momento pode haver determinação dos órgãos.”
Alberto argumenta que a orientação acontece quando os alunos não são incluídos plenamente no ensino regular por questões orgânicas, estruturais, físicas ou familiares. E acrescenta que, na Escola Especializada, as turmas são menores e contam com profissionais especializados para a oferta de atendimento diferenciado. Já na escola regular, a inclusão plena só ocorre com o aluno sendo ‘abraçado’ pela comunidade, fazendo o que os demais realizam e com a adoção de práticas acessíveis a todos.
Leis e ações
Durante audiência na Comissão de Educação do Senado (em 12/4), o Ministério da Educação (MEC) informou que irá lançar pesquisas e seminários para reunir dados sobre Educação Especial.
Na Câmara dos Deputados, em audiência realizada dia 18/4, representantes do MEC revelaram uma série de programas e ações em curso. Entre as medidas, destacou-se a retomada da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva e da Rede Nacional de Formação Continuada. O Plano de Ações Articuladas (PAR) para a formação de professores e gestores também será intensificado pelo MEC, assim como deve acontecer a criação de sistemas educacionais inclusivos.
Em relação à acessibilidade, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) prevê aprimorar proposições, projetos e atuações.
Estão em foco os programas Acessibilidade na Educação Superior, Nacional do Livro Didático Acessível, Sala Recursos Multifuncionais, Escola Acessível e Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Uma Comissão Nacional de Educação Especial será constituída na perspectiva da educação inclusiva e contando com representantes de governo e sociedade civil.
Atualmente, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência/Lei n 13.146, de 6/7/2015, prevê a obrigatoriedade de assegurar e promover, igualmente, direitos e liberdades fundamentais para pessoas com deficiência.
Já a Resolução n 4, de 2/10/2009, institui as diretrizes operacionais para Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica.
Necessidade de capacitação profissional é destacada em diferentes escolas
Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Vera Cruz, em Gravataí, que atende 272 alunos – da Educação Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental –, a inclusão dos oito estudantes com TEA é um desafio diário. A vice-diretora da escola, Roselaine Moreira, explica que, atualmente, é somente reduzido um aluno em sala a cada novo estudante de inclusão. “Estamos com dificuldade, devido à quantidade de alunos em aula. É inviável trabalhar com 22 estudantes e mais 2 alunos do Ensino Especial”, considera.
Atualmente, a Vera Cruz possui uma monitora e uma agente de inclusão. “Estamos com falta de recursos humanos, não porque a rede não queira nos dar, mas a Secretaria diz não ter profissional para suprir”, esclarece. Para ela, o ideal seria cada turma ter, no máximo, 17 alunos (sendo dois do ensino especial). “Não temos monitor específico por turma, apenas uma, que atende toda a escola. E, às vezes, ela não dá conta, pois está atendendo um e precisa sair para atender outro.”
O supervisor educacional da escola, Paulo César Machado, informa que, recentemente, a instituição implementou sala para Atendimento Educacional Especializado (AEE), com uma profissional que atende no turno inverso. A ideia é cada professor de aluno com TEA se reunir com esta profissional, juntamente com a supervisão e montar o currículo adaptado. Ele frisa que este é “um processo de tentativa e erro”, construído com base na vivência diária. “As especificidades são múltiplas e não existe fórmula pronta”, afirma, reforçando que “precisa haver uma política de formação voltada ao profissional que atua em sala de aula”.
Uma das profissionais que vivencia a inclusão diariamente na escola é a professora Hilda Braga e Silva, que leciona para a aluna Manuella, com TEA. Aos 10 anos e no 5<SC120,176> ano do Ensino Fundamental, a criança veio de Belo Horizonte e foi transferida para a instituição, em Gravataí, neste ano. De acordo com Andressa Bonotto, mãe da aluna, a escola tem trabalhado com bastante acolhimento e cuidado. “Eu fiquei um pouco receosa de mandá-la para lá sem ter um auxiliar que pudesse ajudá-la nas atividades. Mas a professora, diretora e coordenadores me deixaram muito segura.” Sobre o aprendizado, a mãe relata que ainda existem algumas dificuldades em Matemática devido ao período da pandemia, porém reforça que Manuella é muito dedicada e participativa. Animada, a estudante conta que tem dois irmãos e que adora aprender. “Fiz muitos amigos aqui e gosto de todas as matérias. Tá sendo bem legal.”
A professora Hilda explica que a aluna apresenta ótimo desenvolvimento de aprendizagem e integração. “A Manu é curiosa, inteligente e organizada. No caso dela, é preciso um tempo maior para entender e focar nas tarefas.” Ainda pondera que, apesar de a aluna ser aplicada, a presença do monitor faz falta. “Quando estou dando atenção para ela, os demais também pedem orientação e acabam desconcentrando. Assim como quando estou no quadro, com outro aluno, não consigo atender ela.”
ESCOLA ESPECIALIZADA
A Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Professora Lygia Morrone Averbuck, localizada no bairro Jardim Botânico, em Porto Alegre, atende 170 alunos, sendo que, destes, em torno de 160 têm TEA. A professora Maria José Baltar de Azambuja, que trabalha na instituição desde 2016, assinala que existe uma alta procura por vagas no local. “O número de alunos com TEA vem aumentando a cada ano. A lista de espera por vagas aumentou muito, mas a Escola Lygia é pequena e não tem como disponibilizar vaga para todos.”
A educadora explica que a maior dificuldade é quando o aluno ingressa na escola, pois muitos deles vêm indicados da Educação Infantil e outros nunca frequentaram a escola de educação regular. Assim, segundo ela, é preciso, primeiro, conhecer o aluno, entender como ele se comunica e age, para apresentar as rotinas da escola. “Em um primeiro momento, precisamos acolher, criar um vínculo, estabelecer as rotinas, as regras e os comportamentos dentro da escola”, relata.
Assim como os demais profissionais, Maria José também salienta a importância de observar, entender e respeitar as individualidades de cada estudante. “O autismo tem características bem comuns, mas que variam. Antes de iniciar a escolarização, é importante considerar as necessidades de cada um (...). Cada caso é um caso, mesmo a atividade sendo a mesma para todos, ela será adaptada para cada aluno. Não se pode exigir que eles tenham a mesma aprendizagem.”
Sobre políticas públicas e legislações atuais, a professora opina que “a inclusão, no papel, é muito bonita, mas na escola regular os professores não têm capacitação ou formação”. Ela aponta que, muitas vezes, estudantes que voltam ao ensino regular retornam para a escola de Educação Especial. “Falta apoio de saúde, profissionalizante e, principalmente, a capacitação de professores. Acho que esse é o ponto principal, especialmente agora, que está aumentando a demanda.”
Pesquisa revela dados no RS
O estudo da Faders reúne dados de 65 municípios.
A Região Metropolitana de Porto Alegre detém a maior parte das Carteiras de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) do Estado (30,79%).
Há predomínio de pessoas do sexo masculino (78%).
Quase 90% estão na faixa etária entre 0 e 18 anos.
Mais de 79% estão na escola. Os maiores percentuais são do Ensino Fundamental (48%) e Educação Infantil (45%).
No Ensino Médio, apenas 4% estão matriculados.
Em cursos técnicos são 0,3%, na graduação 1,6%, pós-graduação 0,2%, mestrado 0,07% e doutorado 0,04%.
A maioria que tem idade que possibilita o ingresso no mercado de trabalho ainda não está trabalhando (974).