Na madrugada, acordando com os pássaros

Na madrugada, acordando com os pássaros

Em Porto Alegre, aves de hábitos noturnos têm disturbado o sono de alguns moradores. Essas espécies, porém, desempenham papel importante no ecossistema urbano. Conheça algumas das que estão presentes na Capital

Felipe Falero

A corujinha-do-mato é uma ave pequena, bastante associada a regiões com muitas árvores

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A presença de elementos da natureza é sempre bem-vinda em meio à paisagem urbana. No entanto, em Porto Alegre, e de forma ainda mais especial no Centro Histórico, há quem diga que o canto dos pássaros, mais do que apenas a comunicação do ecossistema, representa certo inconveniente, principalmente à noite, quando ocorre, em sua maioria, o descanso dos seres humanos. Enquanto a cidade em geral dorme, algumas aves de hábitos noturnos trinam e gorjeiam, caçando alimentos e enchendo o ar com suas cantorias.

No território da Capital, conforme o Clube de Observadores de Aves de Porto Alegre (COA-POA), estão catalogadas 273 espécies a partir da atualização mais recente, de agosto de 2020, das quais um bom número é notívaga, ou seja, são mais ativas depois do pôr do sol. Membro do COA-POA, o jovem Augusto Pötter, que ministra inclusive oficinas de observação de pássaros, não tem dúvidas de que a responsabilidade das melodias ouvidas pela população porto-alegrense à noite são de cinco delas: o bacurau-da-telha, a suindara, a coruja-orelhuda, a corujinha-do-mato e a mãe-da-lua ou urutau.

Mais comum de todos os pássaros listados, e possível de ser visto o ano todo, o bacurau-da-telha, cujo nome científico é Systellura longirostris, da família Caprimulgidae, tem cerca de 20 centímetros de comprimento e está presente tanto na zona urbana quanto na área rural. “Essa ave passa boa parte das noites e madrugadas cantando. É um canto simples, uma nota aguda e contínua que dura pouco menos do que um segundo, repetida novamente após um intervalo de cerca de três segundos de forma contínua por horas”, afirma ele.

Pötter observa ainda que, embora o cântico possa desagradar alguns, a ave em questão tem papel fundamental para o controle de insetos, já que pode se alimentar de centenas de moscas, mosquitos e formigas-aladas em uma única noite. A seguir, a suindara (Tyto furcata), da família Tytonidae, é uma coruja de coloração branca e seu canto “parece o de um pano sendo rasgado”, afirma o jovem observador. Por isso, a ave também é conhecida como rasga-mortalha. “Ela faz seus ninhos no topo de celeiros ou torres, fazendo com que ela seja conhecida ainda como coruja-das-torres ou coruja-da-igreja.” A suricata, acrescenta-se, se alimenta de roedores, como ratos.

Com nome científico de Asio clamator, a coruja-orelhuda tem porte médio para grande e seu nome advém de dois conjuntos de penas no topo da cabeça, que lembram bastante orelhas. Na fase adulta, esta espécie apresenta coloração clara, branca e marrom pálido, com manchas pretas rajadas no peito e asas. Ela também se alimenta de grandes ratos, morcegos e lagartos, aves menores e insetos grandes. “A coruja-orelhuda tende a ser mais encontrada próxima a grandes árvores, se abrigando abaixo de suas copas. Portanto, é muito atrelada a áreas como parques urbanos”, afirma Pötter. 

O canto da coruja-orelhuda, cuja família é a Strigidae, é assemelhado a um grito agudo ou um grave e baixo “vu” que pode lembrar um mugido. A corujinha-do-mato (Megascops choliba), da mesma família, é uma ave pequena, que, como sugere o nome, é bastante associada a regiões de floresta com muitas árvores. “Este animal emite um canto rápido de várias notas agudas, como um ‘turururu tu tu’. Essa coruja, devido a seu tamanho, captura principalmente insetos e rãs e é comum ser observada próxima a postes de luz capturando os insetos.”

O urutau (Nyctibius griseus), da família Nyctibiidae, cujo nome em tupi significa “ave fantasma”, é um pássaro noturno com aparência “semelhante a um tronco de madeira ou poste”, o que confere uma vantagem de estar camuflado durante o dia, quando dorme. Ela é uma ave migratória, segundo Pötter, portanto presente em Porto Alegre apenas na primavera e no outono. Sua alimentação consiste em insetos capturados durante o voo, como mariposas. “Além de uma aparência enigmática, possui também um lindo e característico canto, que se compõe de um longo assobio melancólico de quatro extensas notas”, diz o observador. Outra característica do urutau é que ele pode enxergar mesmo com as pálpebras fechadas, devido a fendas presentes nelas.

Há ainda uma menção honrosa, de acordo com ele, para a coruja mocho-diabo, de nome científico Asio stygius, também da família Strigidae e que eventualmente aparece no Jardim Botânico de Porto Alegre, onde passa os dias descansando. À noite, esta ave sai para caçar ratos, morcegos, pombos e outros animais pequenos. Seu nome provém de sua aparência, na qual há dois aglomerados de penas no topo de sua cabeça, lembrando chifres, semelhante à coruja-orelhuda.

Outras aves da Capital

As aves de Porto Alegre consideradas comuns ou muito comuns pelo levantamento do COA-POA, organizada por Glayson Bencke, ornitólogo do Museu de Ciências Naturais da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), e pelo biólogo Eduardo Chiarani, somam 78 espécies, dentre as quais o sabiá-laranjeira, ave-símbolo do Brasil e de nome científico Turdus rufiventris, o tico-tico (Zonotrichia capensis), o pombo-doméstico (Columba livia), o beija-flor-dourado (Hylocharis chrysura) e a andorinha-pequena-de-casa (Pygochelidon cyanoleuca).

No outro extremo da listagem do Clube de Observadores, o anambé-branco-de-rabo-preto (Tityra cayana) é considerada a única ave encontrada de maneira acidental na Capital, ou seja, sua localização pode não mais ocorrer ou ser imprevisível. Aves raras de serem encontradas, e apenas em períodos específicos do ano na cidade são 18 espécies, das quais duas se espera que haja uma expansão pela região, e por isso tendem a se tornar mais comuns em um futuro próximo: a guaracava-de-crista-alaranjada (Myiopagis viridicata) e a guaracava-grande (Elaenia spectabilis). Conforme os organizadores, a lista é baseada em artigos científicos, que compilam a presença de aves diurnas e noturnas, coleções de museus, registros na plataforma de fotos e sons WikiAves, assim como observações pessoais dos autores.

 


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