Casa Azul vive impasse em Porto Alegre

Casa Azul vive impasse em Porto Alegre

O que resta da edificação localizada no coração do Centro Histórico apresenta sinais de abandono e é alvo de disputas na Justiça

Felipe Samuel

Casa Azul

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Um imóvel histórico deteriorado na esquina entre as ruas Riachuelo e Marechal Floriano Peixoto segue alvo de disputas na Justiça há mais de duas décadas. Conhecida como Casa Azul, a edificação localizada no coração do Centro Histórico de Porto Alegre apresenta sinais de abandono. Desde março de 2020, quando foram concluídas as reformas que garantiram a estabilização da fachada e permitiram a liberação do fluxo, a estrutura não recebe manutenção.

Sem cobertura e com janelas quebradas, o prédio mantém parte do que um dia foi a fachada. Tapumes e uma tela precária ao redor da edificação tentam preservar o que resta da estrutura. Por conta desse cenário, a prefeitura avalia pedir a desapropriação do imóvel. No balancete da Secretaria Municipal da Fazenda, o imóvel acumula dívidas. Constam lançamentos, desde 2009, no valor total de R$ 386.256,34 referentes a valores atrasados de IPTU.

Classificado pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) como Imóvel Inventariado de Estruturação, o casarão não pode ser destruído, mutilado ou demolido. E, por se tratar de um local inventariado, a responsabilidade do bem é do proprietário. Mesmo com a concordância dos herdeiros em custear a restauração do prédio, orçada em R$ 1,6 milhão, a Justiça bloqueou recursos da família por entender que a recuperação de outro imóvel, o antigo Hotel Aliado, localizado na rua Voluntários da Pátria, é prioridade. E desde então segue o impasse jurídico.

O procurador-geral adjunto de Domínio Público, Urbanismo e Meio Ambiente, Nelson Marisco, afirma que a questão envolvendo a Casa Azul pode ter o mesmo desfecho do prédio da Confeitaria Rocco, localizado na rua Riachuelo com a Doutor Flores, no Centro Histórico. Em 21 de junho, a prefeitura publicou decreto que declara de utilidade pública o prédio da antiga confeitaria, o que representa o primeiro passo para a desapropriação do imóvel.

“Estamos pensando em tomar uma decisão mais radical que implica efetivamente a desapropriação da chamada Casa Azul”, ressaltou. Conforme Marisco, o tema ainda é objeto de estudo da prefeitura, uma vez que o Paço Municipal destinou recursos para a recuperação de patrimônio histórico que pertence a particulares. À época das obras de estabilização da estrutura, a prefeitura arcou com cerca de R$ 400 mil da reforma.

Casa Azul | Foto: Antônio Jorge Silva Sobral / Divulgação / CP

“Algo semelhante precisa ser feito ali na Casa Azul. Qual é a diferença? Tem uma diferença gritante: se tu passas na frente da Confeitaria Rocco, por mais que observe que está abandonada, necessitando de cuidados, percebe que, com algum dinheiro, tu reformas aquela casa e deixa ela em perfeitas condições de uso. E pode ser inclusive um ponto de referência ali no Centro da cidade. Agora a Casa azul não. A Casa Azul de casa não tem nada”, afirmou.

Conforme Marisco, a prefeitura estuda a melhor forma de fazer a desapropriação. E adianta que existe a possibilidade de o imóvel ser adquirido por terceiros. “Vamos avaliar se isso vai ser feito pelo próprio município ou se o município vai dar um jeito, por intermédio, por exemplo, de uma lei, permitindo que aquele imóvel seja comprado por um terceiro.” Ele observa que a modelagem do processo não é simples. “O ideal seria inclusive que a gente conseguisse uma autorização da Epahc ou do Ministério Público para que se conseguisse replicar aquela imagem da Casa Azul, ou seja, que não fosse exatamente aquela, porque na medida que for mexer, aquilo ali vai cair. Então tem toda essa preocupação. Ali não tem o que restaurar, não é que nem a confeitaria Rocco que está lá a casa. A Casa Azul são duas paredes. O resto caiu”, explicou.

Conforme Marisco, o pedido de desapropriação do imóvel seria feito com base no interesse público. “A Casa Azul é uma parede. É gastar R$ 1,5 milhão para manter uma parede que daqui a 2 a 3 anos vai precisar de novo de reforma, porque é difícil manter uma parede sem o resto da casa. Tem só um escoramento segurando aquilo”, pontuou. Ele ressalta que a prefeitura também precisa estudar qual uso dará para o imóvel, caso o processo de desapropriação se concretize.

“Por isso que não é assim simplesmente desapropriar e o abacaxi ficar com o município. Esse abacaxi é difícil, a gente está vendo o que pode acontecer depois. Essa é a nossa preocupação, não é nem a questão da desapropriação, porque com a desapropriação a situação vai continuar na mesma. É o que vai ser feito depois”, ressalta. 

Prejuízo com obras 

Proprietário de uma loja de roupas infantis localizada na rua Marechal Floriano Peixoto, Hélio Martins afirma que as condições precárias do prédio do outro lado da rua prejudicam o comércio da região. “É uma situação ruim, não se sabe o que tem ali dentro, se tem porcarias ou coisa podre, pode ter foco de mosquito. O impacto é total em toda a região, porque é uma coisa que não está funcionando.” Os prejuízos ao seu negócio, que mantém desde 1997, remontam a 2017.

Conforme Martins, as obras parciais para impedir a queda da estrutura trancaram a rua por muito tempo, entre 2017 a 2020, com aberturas temporárias da rua naquele período. “Em 2020, o problema foi resolvido para o prédio não cair”, destacou, em referência às obras realizadas pela prefeitura naquele ano. “Tivemos prejuízo porque a rua ficou fechada por 17 meses. Quando abrimos, veio a pandemia. Os comerciantes sofreram muito”, avaliou.

Casa Azul | Foto: Antônio Jorge Silva Sobral / Divulgação / CP

As obras de estabilização iniciaram em maio de 2019 e custaram aproximadamente R$ 400 mil, valor pago pela prefeitura de Porto Alegre. As reformas garantiram a estabilização da fachada e permitiram a liberação do fluxo. Passados três anos da intervenção, a estrutura ainda é precária. “Isso ‘mata’ a esquina, porque é basicamente um projeto abandonado”, pontuou.

Responsável pelas reformas que garantiram a estabilização da fachada e permitiram a liberação do fluxo, o arquiteto Antônio Jorge Silva Sobral afirma que a estrutura não oferece riscos. “Fiz a estrutura de concreto interna que não foi completada. Pararam as obras e tudo ficou aberto”, destaca. Sobral afirma que ainda é preciso recuperar fachadas, colocar cobertura provisória e as esquadrias do segundo pavimento.

“Fico chateado porque aquele prédio tem cem anos. Não tem o mesmo valor da confeitaria Rocco, mas tem características de ecletismo, de mistura de estilos”, afirma. “Temos que dar continuidade à restauração da fachada com a colocação da cobertura, terminar a parte da estrutura de concreto e recuperar as fachadas com revestimentos e esquadrias. E liberar o passeio público”, salientou o arquiteto.


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