Não há futuro sem partilha

Não há futuro sem partilha

Por Marcelo Costa*

Marcelo Costa

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Vivemos a semana que marca a data da promulgação da lei que aboliu a escravatura no Brasil. Desde lá, há pouquíssimas conquistas capazes de serem consideradas como bases para a construção de uma verdadeira nação, ente coletivo cuja base é seu povo. Nosso país é estruturalmente racista. Basta uma breve leitura dos indicadores sociais, nos quais se verifica que as pessoas pretas formam, em sua imensa maioria, a base da pirâmide social. Políticas afirmativas, como a do estabelecimento de cotas em universidades públicas ou em concursos públicos, devem ser não apenas defendidas por alguns, mas compreendidas por todos, pois não são em benefício de pessoas pretas apenas, mas avanços para todo o país. 

A propósito, nestes tempos sombrios, cada vez mais temos convivido com práticas discriminatórias. São notícias de vandalismos praticados contra centros religiosos de matiz africana, intolerância cultural, sendo a música afro-brasileira ainda tratada por muitos como apenas “popular” e “grosseira”, algo que Chiquinha Gonzaga, no século XIX, já percebera que não. O Brasil “branco”, oficial, relega a contribuição do negro brasileiro à função do braço que regava campos de charqueadas e canaviais com seu sangue para abastança de uma elite econômica que o escravizava sob tortura. E prefere seguir ignorando, exemplificativamente, que Machado de Assis não era um caucasiano, mas um homem preto. 

O Brasil ignora, não tolera e busca não reconhecer, se possível, inclusive, apagar, a contribuição das pessoas pretas na construção do país. Não é apenas descuido ou esquecimento, mas uma política cultural arraigada na sociedade, com o intuito de, não reconhecendo, não promover iniciativas para recuperar o mal até aqui causado. 
De forma obtusa, o Brasil, tanto na esfera pública quanto na esfera privada, discrimina a maior parte da população, empurrando-a para a marginalização. Como um país composto, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019, por aproximadamente 43% autodeclarados brancos, 56% de não brancos, incluídos pretos e pardos, poderá ser uma nação? A sociedade brasileira segue sendo pouquíssimo inteligente. Precisa “empretecer” o pensamento. É imprescindível despertar para progredir. E como já cantou a escola de samba Mangueira, “não há futuro sem partilha”.

Procurador do Estado e Diretor do Departamento de Direitos Humanos da Apergs*


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895