Galvani e os seus amores por Porto Alegre

Galvani e os seus amores por Porto Alegre

Por Eugenio Bortolon*

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Conheci Walter Galvani em 1975 quando ele assumiu a direção da Folha da Manhã do grupo Caldas Júnior, um jornal que ficou na memória da imprensa gaúcha. Foca, ou novato no jargão jornalístico, ele me deu a impressão de durão e de que teríamos tempos de cara feia na redação. Temíamos a figura, pois ela agiria com mão de ferro no comando do jornal e na forma do jornal se apresentar. Me enganei redondamente. Os dias foram se passando e as impressões iniciais desceram ladeira abaixo. Não se confirmaram. Diagnóstico equivocado.

Galvani se mostrou camarada, coloquial, simpático. Ele ria. Até sobre isso me impressionei algumas semanas depois. Um riso sincero e que chamava a atenção pela franqueza. Não dava para acreditar. O homem tinha um coração adocicado. No jornal, mudou a forma de apresentação: a linguagem ficou mais simples, mais direta, mais próxima do leitor.

No andar da carruagem, ficamos amigos. Saimos para lugares diferentes na mesma empresa. Ele andou aqui e ali e sempre que nos encontrávamos era um sorriso prá cá e outro prá lá, um respeito imenso, mesmo com as diferenças de idade. Ficava satisfeito de ver que éramos amigos. Nos acompanhamos. Mais eu a ele do que ele a mim, mas ele sempre sabia onde podia me encontrar.  Galvani ficou famoso, mas nunca embarcou nesses barcos com estrutura frágil. 

Acompanhei com muita alegria dois dos seus livros, 'Um século de Poder - Os bastidores da Caldas Júnior' e 'Nau Capitânia', além de dezenas, centenas de crônicas que ele escrevia em várias publicações. Estes dois livros exigiram dele muita pesquisa, muita paciência e muita determinação. Linguagem simples, como qualquer jornalista gostaria de apresentar os seus escritos. Tudo direto. Objetivo.

Acompanhei Galvani assim, sempre por perto, ou longe. Via ele com frequência na parada de ônibus na 24 de Outubro, quando ele morava no bairro Auxiliadora, em Porto Alegre, ou na parada de ônibus da Caldas Júnior, quando se preparava para voltar para Guaíba, onde morou nos últimos anos, uns 25, segundo fiquei sabendo por ele em seus últimos tempos. Não era dado a luxos. Nunca fiquei sabendo se ele teve, alguma vez, um carro ou se sabia dirigir. Algumas vezes também o via em cerimônias jornalísticas, em visitas às redações onde eu estava, ou por aí, com a Carla, sua mulher e também colega jornalista.  Neste tempo todo sempre nos encontramos e sempre trocamos palavras carinhosas, gentis. Ele enchia a minha bola com elogios sinceros, talvez exagerados. Eu gostava, claro, ainda mais vindo de um cara extraordinário, um jornalista qualificado, com história, biografia e, aquilo que considero essencial, com uma humildade e modéstia impressionantes.

Contei até aqui minha história com Galvani. Simples, rotineira, mas marcante. Mas ele fez muito mais por Canoas, sua cidade, por Guaíba, onde morou, e por Porto Alegre, que adotou como o seu centro, o seu norte, a sua capital preferida, amada. Porto Alegre estava na sua cabeça como um amor que se conquista dia a dia, como uma joia rara que se deve usar todos os dias. Aqui ele respirava jornalismo, cultura, literatura, patrimônio histórico e arquitetônico, história, ruas, tudo, enfim, e expandia também para outros horizontes o seu olhar jornalístico. Ele fez tanto por aqui como escritor e jornalista, fez tanto para que Porto Alegre fosse cada vez mais especial e melhor que, agora, merece realmente uma homenagem por tanto amar a cidade: dar o seu nome ao Mercado Público. Não preciso repetir aqui tudo que ele fez para manter este local de encontros e de histórias intacto e mais espetacular. Campanhas, artigos, palavras e ações na imprensa foram marcantes e decisivas. Porto Alegre precisa devolver a Galvani, com um simples gesto, toda a trajetória de lutas deste jornalista. 

* Jornalista


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895