Violência cultural contra a mulher

Violência cultural contra a mulher

Oscar Bessi

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Mais uma Semana Internacional da Mulher e não vejo motivos para comemorações. Progressos? Sim. Tímidos demais. No campo da teoria e da utopia, não na vida prática. Que é o que interessa. Discurso não salva vidas. O que salva é atitude. De nada adianta dizer “estamos preocupados, e discutindo, e estudando sobre”, com mil teorias lindas sobre a rebimboca da parafuseta, se tudo continua cada vez pior. Aliás, eis um mal que permeia os maiores problemas dos cidadãos brasileiros. Morte no trânsito, mortes banais, golpes, ladrão de celular que te esfaqueia, juventude perdida para a criminalidade e a violência. E nada disso, que torna a vida cotidiana do povão tensa e cheia de medo, parece sensibilizar os “doutos” da nação. Ao contrário, o circo da impunidade segue fazendo vítimas e sorteando os beneficiados da vez.


Todos os índices de violência contra a mulher no Brasil, incluindo feminicídios — a forma mais extrema deste amplo leque de violências —, aumentaram nos últimos anos. E há quem culpe a pandemia. Mas se a pandemia trancou homens intolerantes dentro de casa, que não conseguem conviver pacificamente porque estão estressados, ela trancou também mulheres. Muitas. E por que elas não passaram a cometer mais crimes? É a cultura. Todo dia, nossos noticiários mostram o caso de um homem que matou, ou agrediu, ou ameaçou uma mulher por não aceitar a separação. Porque ela é dele e será para sempre dele e ponto final. Mulher coisa? Mulher propriedade? O que a pandemia tem a ver com isso? Isso é educação torta, é cultura nociva. Matar por ciúmes. Tá, sentir ciúme é humano, mas por que os homens se sentem tão autorizados a agredir se valendo dessa desculpa como se fosse um valor moral? Porque, de fato, acreditam nisto. Ou se transforma essa sociedade com educação, mas de forma profunda, primária e preventiva, ou não se mudará resultado algum nunca. E só se gastará dinheiro público. Claro, tem muito gente que adora isso, de gastar dinheiro público e não resolver o problema. Só para seguir gastando mais e mais dinheiro público. Mas aí é de outra violência que precisaremos falar.


O que chateia não é saber que toda ação educacional exige um trabalho longo, incessante e consciente de que vai enfrentar resistências de quem está acomodado em suas concepções. Mas a quantidade de gente jogando contra. Inclusive mulheres! Esta semana, vi cenas de um show — lotado de adolescentes, inclusive —, terríveis de uma funkeira. No palco, sexo oral explícito. E não é pelo sexo em si, mas pelos trajes, dando a entender que é uma “menina colegial” e um objeto na mão dos caras com quem contracena. Para piorar, esta “artista” declarou, na Internet, seu desprezo pelas professoras. Na opinião dela, gente que não tem nada pra fazer em casa, umas coitadas, pois ela, em apenas meia hora de palco, ganha quase quarenta vezes mais que uma professora. Mentira? Não! Este é o Brasil que nunca muda. Quantas meninas vão seguir essa onda, de achar bonito ser objeto sexual, que abuso não é coisa para ser denunciada, que assédio e desrespeito são naturais, que mulher é isso mesmo, só coisa para os homens se satisfazerem. E é só um exemplo. Infelizmente, pouco se consegue com a educação — e ainda há toda essa força contrária para piorar o que já é ruim.

 


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