Dez anos depois, ainda não temos respostas

Dez anos depois, ainda não temos respostas

Oscar Bessi

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Há uma década, o mundo assistia estarrecido a uma das maiores tragédias do mundo moderno. Centenas de jovens mortos ou outros tantos ficaram feridos no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. E não era resultado da demência fanática de um ato terrorista, não era a insanidade de outro bombardeio em mais uma guerra absurda. Era só o desfecho imprevisível (ou nem tanto) para o que deveria ser mais uma noite de festa. De euforia. A reunião alegre de jovens vitoriosos, unidos e reunidos pelo elo de terem, cada um deles, uma vida inteira pela frente, plena de oportunidades. Por estarem recém dando os primeiros passos certeiros, tão difíceis de se conseguir dar, que tantos tentam, alguns sem jamais conseguir, numa longa e ensolarada estrada de sonhos pessoais e profissionais. Sonhos. Planos. Interrompidos de forma brutal por um pesadelo inaceitável. Não era para ser assim.

Dez anos depois, nós ainda somos esse vazio que cada um desses meninos e meninas deixou entre nós. Somos a falta dessa gente boa que era para estar aqui, agora, entre nós, sorrindo, chorando, atendendo pacientes, construindo lares, gerenciando empresas, escrevendo, desenhando, criando e mudando nosso mundo no cerne de suas profissões, escolhidas ainda na adolescência, através de um vestibular movido por aqueles sonhos tão seus. Tão seus e tão dos seus entes queridos e orgulhosos dessa vitória. Familiares e amigos que não descansam em vigília até hoje, tantos anos depois, não só pela dor imensa que sentem. Mas para que nunca seja esquecido o que ocorreu. Que nunca mais se repita o que aconteceu. Que essa dor sentida jamais seja multiplicada, não do jeito que ela nasceu, no absurdo improvável. Nosso mundo já tem possibilidades demais de nos fazer chorar a falta de alguém. Somos pais, somos mães, buscamos e levamos nossos filhos nas festas onde eles, de forma justa e natural, precisam se reunir e se divertir, e fazemos isso porque temos medo do trânsito, temos medo dos criminosos à solta nas ruas, tememos as ruas em si com seus tantos perigos. Não precisamos temer também os lugares onde os julgamos protegidos de tudo isso.

Uma década depois da tragédia, ainda somos a falta de um ponto final. De uma solução. De uma sentença. De uma mostra de vontade da verdade, sem receios. De saber com certeza que a infinidade de lugares onde nossos filhos, e até nós mesmos, volta e meia entramos acompanhados de tanta gente, seguem as leis de proteção, prevenção e segurança. E isto inclui prédios públicos. E isto inclui todo tipo de lugar. As leis mudaram, endureceram um pouco certas regras, mas basta olhar por aí para constatar que há muito lugar clandestino sem qualquer segurança. Há muita ganância e omissão de mãos dadas calculando lucros e dando de ombros para o ser humano. Dez anos depois, ainda somos a falta da grande lição que a tragédia da boate Kiss tentou nos ensinar, mas que nem mesmo todo o drama vivido na pandemia teve força para nos convencer enquanto sociedade que todo detalhe é importante quando nos importamos, de verdade, com o outro. E se importar com o outro é amar. Não se importar é ser desumano. É desprezo. E é o primeiro passo do ódio.


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