As Copas de um escritor - Parte 1: 1978

As Copas de um escritor - Parte 1: 1978

Frio. Decepção. Um sentimento estranho de injustiça que eu não sabia lidar muito bem e desafogava chutando uma bola murcha com raiva contra o muro. A magia inesquecível da descoberta de uma imagem com cores. A Copa do Mundo de 1978 me marcou por diversos motivos. O primeiro e mais forte era que, lá em casa, finalmente chegava uma TV colorida. Da (Springer) Admiral.

publicidade

Frio. Decepção. Um sentimento estranho de injustiça que eu não sabia lidar muito bem e desafogava chutando uma bola murcha com raiva contra o muro. A magia inesquecível da descoberta de uma imagem com cores.

A Copa do Mundo de 1978 me marcou por diversos motivos. O primeiro e mais forte, para uma criança daquele tempo (eu completaria 08 anos em setembro), era que finalmente, lá em casa, chegava uma TV colorida. Da (Springer) Admiral. E posso estar enganado, mas ela chegou só quando Itália e Holanda já disputavam uma das semifinais. Até então, tínhamos uma Telefunken a válvula que era mais pesada que o sofá da sala. Ela frequentemente ficava com a imagem listrada e um belo tabefe na lateral resolvia. Também era necessário ligar um pouco antes do jogo, se quiséssemos assistir ao início da partida, para dar tempo da imagem entrar. Eu não tinha ideia, naqueles dias, de como era bonito ver um jogo de futebol a cores.

Daquela Copa, lembro os meninos do colégio num frenesi que se repetiria a cada quatro anos, repetindo os palpites dos pais, que por sua vez repetiam o que ouviam no rádio ou liam na Folha da Manhã, na Folha da Tarde e no Correio do Povo. Também lembro de vermos um jogo entre Alemanha e Itália num dia de frio intenso, o blusão listrado que minha mãe mesmo fez me penicando o pescoço.

Eu já era apaixonado pelo futebol. Fiquei indignado junto com a imprensa porque o Falcão não foi convocado. Por outro lado, adorava Roberto Dinamite, Reinaldo, Zico, Jorge Mendonça, Rivelino, Nelinho, Dirceu e, claro, principalmente o meu xará zagueiro, Oscar. Eu achava que ninguém ganharia do Brasil com tantos craques. E o goleiro era o Leão. Raul também não foi convocado, mas eu não gostava muito do Raul. E nem lembro o porquê.

Já na estreia da seleção, aquela vibração com o gol no último minuto do Zico contra a Suécia, após uma cobrança de escanteio, anulado sem muitas explicações pelo juiz, que terminou o jogo com a bola no ar e impediu a virada brasileira. Soltei um berro de alegria e, em seguida, ouvi a mãe dizer "mas olha, não valeu!". Como?! Meu pai anunciou “essa Copa tá encomendada para a Argentina, não adianta”. Não precisamos nem assistir mais.

Mas eu queria assistir. Eu seria jogador de futebol, ainda. E ele quase mudou de ideia quando os anfitriões perderam pra Itália, na primeira fase. Meu pai sempre torcia para a Itália por causa dos avós dele, italianos. Mas o pai de um coleguinha meu, que volta e meia batia bola com a gente no final da aula e entendia tudo de futebol, disse que a Argentina perdeu de propósito, e eu fiquei pensando como pode alguém achar bom perder. Não podia ser verdade.

Achei estranha aquela seleção brasileira de calção branco contra a Argentina. Na minha cabeça infantil, perderam a força com aquele combinação diferente. Por isso o empate sem gols. Quem tinha Dinamite, Rivelino e Mendonça não podia terminar um jogo inteiro sem fazer pelo menos um gol.

No dia em que o Peru tomou os seis gols da Argentina, uma vizinha estava lá em casa. A Lani. Eu estava no pátio jogando bola e brincando de ser o Peru, metendo gol atrás de gol em Ubaldo Fillol, um dos maiores goleiros que vi jogar. Minha mãe estava na cozinha fazendo algo, acho que um bolo. A gente estava torcendo pelo Peru, porque o Brasil se classificaria para a final se os Argentinos ganhassem com diferença máxima de até dois gols. Lani volta e meia gritava eufórica “é gol!”, a gente ia correndo na sala, e decpcionados via que era gol da Argentina. Foram seis. Uma goleada até hoje meio que inexplicável contra uma seleção que havia feito uma primeira fase fantástica.

Na final, não torci muito pela Holanda, confesso. De certa forma, os argentinos eram mais próximos, vizinhos, e desde criança tenho essa coisa meio bairrista. E nunca tinham vencido uma Copa. Apesar dos protestos do meu pai, gostei de ver a turma de Kempes levantar a taça. Por mais que, depois de adulto, eu fosse ler as histórias sobre aquela Copa que, criança, jamais me passariam pela cabeça.

Detalhe: a final verde e branco da Taça Brasil daquele ano, entre Palmeiras e Guarani, também foi outro jogo lindo de ver numa TV colorida de verdade.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895