A música da minha vida

A música da minha vida

Sempre haverá aquela música que tocou naquela hora, ou apenas diz de um jeito todo especial, para nós, exatamente o que sentimos, que ficará para sempre com a mesma força do que foi vivido.

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"Minha vida poderia ter uma trilha sonora".

Quantas vezes ouvimos esta frase? Estou entre esses que já deve ter jogado esse clichê no ar incontáveis vezes, entre amigos. Quase sempre naquela vontade, entre um chope e outro, quando há um instante mágico em que a realidade se desarma e é preciso tanto falar de si, tipo agora ou nunca, como não se faz há tempos. Trocar ideias sobre aquela, ou aquelas músicas que marcaram a nossa vida. E explicar sem conseguir. E citar trechos. Cantarolar (tá, evito isto, para o bem dos meus amigos). E será uma música que talvez signifique muito para a gente, mas abolutamente nada para o outro. Mesmo que esse outro seja quem divide a vida conosco.

Somos histórias. Trajetórias. Resultados. Momentos únicos, bons ou ruins, nos tocam tão forte e tão fundo a ponto de jamais nos deixarem. E não só o que foi vivido, mas o que foi sentido, permanece. E sempre haverá aquela música que tocou naquela hora, ou apenas diz de um jeito todo especial, para nós, exatamente o que sentimos, que ficará para sempre com a mesma força do que foi vivido. E quando ela tocar, a inexplicável sensação de saudade vai voltar, com força. Talvez com uma lágrima. Doce ou amarga.

Eu me considero privilegiado por ter sido um adolescente nos anos 80. A gente acreditava em utopias, tinha meio que um sentido no horizonte para canalizar toda a nossa rebeldia da idade e do tempo de mudanças que o país experimentava, não sem desconfiança. E tinha um rock maravilhoso e efervescente ao nosso redor, com bandas nacionais que diziam, exatamente, aquilo que a gente queria dizer. Ou que precisava ouvir. Diziam de uma forma simples, mas poética demais, que mexia com nossos corações e mentes.

Conyo isto porque eu fui ao show da banda do meu filho, sábado à noite. Fiz até um vídeo tipo "compacto do show" e postei nas minhas redes sociais. Eles tocam clássicos do rock e, quando eles estão no palco, eu volto no tempo. Revejo momentos e emoções. Não é mais o pai do guitarrista que está ali, é o garoto que eu deixei lá atrás, numa curva da estrada, cheio de ideias - mas precisando sobreviver. Tenho saudade dele. De mim, com poucos anos de vida. Queria acreditar em certas coisas de novo. Não tem como. Mas me reecontrar, nestas horas, é emocionante. O eu veterano e o eu jovem se abraçam como velhos amigos que nunca deixaram de se gostar, apenas não se visitam há tempos. E sentem falta um do outro.

Talvez eu precise desse jovem para melhorar a minha literatura, concluí. E anotei: "Revisitar-me". É compromisso. Talvez aquele garoto "que queria mudar o mundo" tenha a dica certa para que o meu próximo livro, finalmente, crie coragem e saia do rascunho.

A trilha sonora da minha vida? Sou eclético. Gosto de tudo, basta ser uma boa música. Gosto de fazer churrasco ouvindo caras como Marenco, Passarinho, Guarani, Ledesma, Délcio, por aí vai (na música gaúcha, nativista, assim como samba e outros ritmos, não gosto é de bobagem gritada, apenas, coisa minha). Para escrever, prefiro blues e jazz. Cozinhar ao som de MPB, música latina, trilhas de filmes. Volta e meia mergulho em música clássica para ler.

Só que quando estou na estrada, sozinho, ou quando estou comigo, em casa mesmo, aí é rock. E rock do meu tempo. De preferência, rock nacional.  Não tenho uma música que me faça dizer "esta é a música da minha vida". Como não consigo ter um livro só, ou só um autor, que eu possa eleger como o top entre os inesquecíveis entre tudo que já li. Nada disso. Preciso mudar até mesmo o toque do celular volta e meia, porque lembro de outra música que quero ouvir quando ele me chama e me parece ser a favorita do momento. Agora, que a trilha sonora da minha está cheia de músicas do Engenheiros e do Legião, bom, isso eu não posso negar. Só que a playlist é grande. Pudera. Esse filme não começou ontem, né.

 


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