O Estado e o crime

O Estado e o crime

Oscar Bessi

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A história da humanidade “civilizada” se confunde com a da evolução da violência. E suas formas. Novas formas. Único animal que mata sem necessidade, o homo sapiens tem na composição de sua celebrada racionalidade generosas doses de ganância, algumas vezes disfarçadas de ambição desmedida, noutras até mesmo celebradas como uma receita de sucesso. Não há, das lutas dos tempos antigos por igualdade ou nas razões das guerras de hoje, outro motor que não o irrefreável desejo de poder. Ter, obter, se apropriar, dominar. A qualquer preço. Em contrapartida, a ostentação, a compra do prazer, o exibicionismo, o prestígio perante um coletivo adestrado para idolatrar quem tem. A invasão de povos, subjugados num genocídio humano, cultural, talvez só econômico, ou os tentáculos de organizações criminosas bem articuladas. O cerne, a mola propulsora, não muda. Poder. Riqueza. Domínio. Facilidade em dominar ainda mais e seguir eliminando inimigos, ditando as próprias regras e querendo mais. Foi isto que a operação Kraken, fundamentalmente, começou a enfraquecer no histórico 19 de abril de 2022.

Nem vou falar dos dados, já amplamente divulgados aqui no Correio do Povo, sobre o número de policiais civis e militares e de outras instituições de segurança que participaram da ação. Ou de quantos mandados foram expedidos, bens apreendidos, contas bloqueadas e tudo o mais. Vamos focar no que é mais importante: o Estado deu uma resposta. O crime estava estabelecido há décadas (eu diria séculos, eis que, penso, tudo começou com aquelas três caravelas no ano de 1500, mas aí é outro assunto). Pois levou um baque desses que, como diz o gaúcho, foi feio como tombo de mão no bolso. E bota tombo. Como uma empresa, o crime vive dos lucros. Do tráfico de drogas, do contrabando, dos roubos. Do jogo ilegal, da agiotagem, da prostituição. E lucram tanto que conseguem, volta e meia, corromper um ou outro agente público, deste ou daquele poder, que, no fundo, tem a mesma alma propensa à rapinagem. Só se disfarça. Foi uma operação de vibrar. Vibrou o povo, que afinal banca esse Estado. Vibraram os cidadãos honestos que suam para ganhar meia dúzia de trocados e são obrigados a assistir, todos os dias, ao seu redor, o milagre financeiro da ilicitude. Vibrou quem quer uma sociedade melhor para seus filhos. 

Nossa torcida é para que essa operação siga. E, principalmente, que freie de vez os tentáculos do crime que estão em muitos lugares ingressando no poder. Há poucos meses vimos que uma facção bancou uma campanha e elegeu um prefeito de olho no lucro do esquema de saúde pública municipal. Saúde pública! Olha o que estão fazendo com a vida das pessoas. Em setores de obras, criminosos já perambulam faz tempo. Nossa torcida agora é para que a operação Kraken chegue nesses políticos bancados por bandidos. Ou bandidos que se elegem. Se costumávamos dizer que poderes do crime se estabeleciam na ausência do Estado, pois atualmente eles aprenderam como fazer parte dele. E lucrar ainda mais. Vendem entorpecentes, controlam os jogos de azar, os roubos, as redes de prazer e as verbas que deveriam assistir nossas famílias com saúde, educação etc. Mas temos esperança. O Estado reage ao crime. E antes que o crime se torne o próprio Estado.


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